Gosto muito de estudar com os meus netos os assuntos que levam do Colégio. Vejo como uma oportunidade de esclarecer ou de complementar os temas. Esta semana, minha neta Anna Clara, de nove anos, trouxe como tarefa pesquisar na internet sobre Quilombos e Quilombolas. Certamente encontraria muitas informações.
Mas, achei por bem lhe contar uma experiência que vivi. Tive a grande oportunidade, na década de 90, de visitar comunidades quilombolas – os Calungas. O Quilombo foi formado por escravos que no século XIX fugiram das minas de ouro e se esconderam no alto das serras no atual Estado de Goiás.
Na época, exercia um cargo no Ministério da Educação, em Brasília, quando recebi o Prefeito do Município de Terezinha de Goiás. Vinha pedir a construção de escolas para os Calungas (ele era um calunga), então com cerca de três mil pessoas.
Resolvi aceitar o seu convite para conhecer o antigo Quilombo. Nunca imaginei que me esperava uma verdadeira aventura. Para chegar lá, andamos de muitos meios de transporte: um pequeno bimotor, camionete, barco e até cavalo! Na hora de aterrissar, o piloto abriu a sua porta e pediu ao antropólogo ao seu lado, que também abrisse, para ajudar a frear o avião. Pousamos num campo de futebol e só paramos na marca do pênalti! Uma caminhonete nos levou até a margem do rio. A Secretária de Educação de Goiás, que nos acompanhava, colocou no barco uma cesta com comida. Os rios eram cheios de corredeiras e, ao entrarmos no Rio das Almas, o barco bateu numa pedra, virou e fomos jogados na água. Ainda bem que não era muito fundo, mas acima da cintura e com muita correnteza. O pior é que a nossa merenda se foi!
Chegamos à Comunidade São João, no dia do Padroeiro. As casas eram de extrema pobreza, sem móveis, sem luz. No almoço, havia um saco de farinha que nos servíamos com as mãos e pegávamos nacos de um animal que fora assado na brasa (nem sei que bicho era). Só os homens desciam para a cidade onde trocavam a farinha que produziam por quase nada. As mulheres falavam pouco e pelo que pude perceber era um português arcaico. Retornamos a cavalo, ainda bem que era noite de lua.
Foi uma experiência inesquecível. Felizmente consegui aprovar uma escola para cada comunidade Calunga. O Prefeito chegou a me mandar fotos das escolas prontas, depois voltei para o Recife e não tive mais notícias. Espero que a educação tenha conseguido melhorar a vida daquele povo secularmente tão sofrido.