BICENTENÁRIO DA REVOLUÇÃO PERNAMBUCANA DE 1817

 I – Agradecer o convite da APLJ para este encontro

II – As celebrações do Bicentenário da Revolução Pernambucana de 1817 estão bastante divulgadas o que gera uma boa curiosidade sobre evento que historiadores consideram da maior relevância para a História do Brasil.

III – Os meus motivos (não sou historiadora):

      – A História e o Direito Internacional são indissociáveis.

     – Sou descendente do Padre José Ignácio Ribeiro de Abreu e Lima  – o Padre Roma, um dos heróis de Pernambuco, executado na Bahia, em 29 de março de 1817.

IV – Mas, o que provocou essa Revolução?: muitas causas.

– a situação da Capitania de Pernambuco em face da Corte Portuguesa instalada no Rio de Janeiro, onerada pela cobrança de pesados impostos;

– seca de 1816

V- Os ideais iluministas – libertários, do final do século XVIII que têm como pontos altos: a Independência das 13 Colônias para formar a Confederação e logo a Federação dos Estados Unidos da América e a Revolução Francesa.

VI – O Porto do Recife

VII – Sementeiras das ideias:

– o Seminário de Olinda (1801)

– as Sociedades Secretas: a Maçonaria

VIII – As conspirações: a antecipação do começo da Revolução para 6 de março, quando deveria eclodir na Páscoa. O Capitão Barros Lima, matou com a espada o seu comandante, oficial português.

IX – Durante 75 dias fomos uma República Independente (até 19 de maio), apoiados pela Paraiba, Rio Grande do Norte e parte do Ceará.

X – Repressão fortíssima da Coroa portuguesa – condenações a morte, prisões, perdas materiais, inclusive perda de território (hoje é o Estado das Alagoas). Tratamento de apequenar os fatos na História – oficial – do Brasil

XI – caso na Universidade de Coimbra – Professor Miguel Gorjão-Henriques, monarquista.

XII – A Revolução foi um movimento INDEPENDENTISTA: visava alcançar:

– A criação de um ESTADO (não era separatista – como nos EEUU, incialmente 13 Colônias que logo se agregaram outras);

– A República foi a FORMA DE GOVERNO

– A Democracia o REGIME POLÍTICO

XIII – Independência & Soberania

– Bandeira (símbolo forte da Soberania de um Estado)

– Constituição – Lei Orgânica

A Constituição da República de Pernambuco

Margarida Cantarelli

A Revolução de 1817 tem sido estudada enquanto fato histórico por diversos autores, inclusive pelo 1º Presidente do Instituto Arqueológico Histórico e Geográfico Pernambucano – IAHGP, Monsenhor Muniz Tavares, que participou do Movimento revolucionário, sob o título “História da Revolução de Pernambuco em 1817”, posteriormente recebendo preciosos comentários de Oliveira Lima. Essa obra acaba de ser reetidada pela CEPE.

É Oliveira Lima, no Proêmio da referida obra, quem afirma enfaticamente, o que todos sempre repetimos: é “a única revolução brasileira digna deste nome e credora de entusiasmo pela feição idealista que a distinguiu … foi um movimento a um tempo demolidor e construtor, como nenhum outro entre nós, e como nenhuma outra, em grau superior, na América Espanhola… pois com a Revolução de 1817 foi  que a nação verdadeiramente aprendeu a combater e a morrer pela liberdade”.

                 Desta breve citação, destaca-se um trecho: movimento a um tempo demolidor e construtor. Demolidor dos vínculos coloniais, de subserviência à Corte instalada no Rio de Janeiro. Era, também, construtor. Como tal, deve ser apreciado um ângulo inovador dentro do movimento e que não tem merecido o devido destaque quando tratado pelos historiadores. Evidentemente compreensível por se tratar de um tema técnico, mas de tamanha relevância que se pode afirmar ser um marco também na história jurídica deste país. Trata-se da – Lei Orgânica da República de Pernambuco, de 29 de março de 1817, que, apesar do seu caráter de provisório pode ser chamada de – Constituição da República de Pernambuco. 

A Revolução de 1817 traz no seu âmago o mesmo espírito iluminista e liberal do final do século XVIII marcante em duas outras Revoluções anteriores: a da Independência Americana e a Revolução Francesa. Ambas apresentando Declarações de Direitos, que embora textos internos, mas pela relevância do seu conteúdo atingiram transcendência espacial, tornando-as legados ao mundo! A mais difundida e, portanto, tomada como referência – a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão é considerada como um marco dos Direitos Humanos, especificamente das liberdades. E nesta Declaração o seu artigo 16, reza: “Toda sociedade em que não está assegurada a garantia dos direitos nem determinada a separação dos poderes não tem Constituição”.

Esta é a síntese do constitucionalismo de então que é uma nascente do constitucionalismo moderno. O Estado, através da sua Constituição, que por sua vez deve ser fundada na soberania popular, como origem do Poder, deve garantir os direitos dos cidadãos e estruturar-se na forma tripartite do Poder. 

Trazendo esses elementos do constitucionalismo moderno nascente para o texto de 1817, vamos encontrar: a soberania popular, os direitos (as liberdades) assegurados e o poder tripartido.

A  SOBERANIA POPULAR:

A soberania popular aparece no Preâmbulo: “O Governo Provisório da República de Pernambuco, revestido da Soberania pelo Povo, em quem ela só reside, desejando corresponder à confiança do dito Povo….” . E, ainda, dentro da provisoriedade, está determinada no art. 1º e com muito mais profundidade no art.28 (“O presente Governo e suas formas durarão somente enquanto se não ultimar a Constituição do Estado. E como pode suceder, o que não é de se esperar, e Deus não permita que o Governo para conservar o poder de que se acha apossado frustre a justa expectação do povo, não se achando convocada a Assembleia Constituinte dentro de um ano da data deste ou não se achando concluída a Constituição no espaço de três anos, fica cessado de fato o dito Governo, e entra o Povo no exercício da Soberania para o delegar a quem melhor cumpra os fins da sua delegação”).

Assim, não há dúvida que a soberania popular é a base e o sustentáculo da nova República, da República de Pernambuco.

OS DIREITOS DO CIDADÃO: AS LIBERDADES

E, como estão no texto de 1817 assegurados os Direitos: (liberdades) dos cidadãos? Diferentemente das duas Revoluções citadas (Americana e Francesa) que fizeram Declarações específicas, aparecem tais Direitos inseridos no próprio texto constitucional. A Liberdade de Religião – que era um aspecto importantíssimo naquela época, que está bem clara na Seção 16 da Declaração da Virgínia. Todavia, entendo que não está melhor do que a forma adotada na nossa Constituição. Assim, a Liberdade de Religião, como uma forma de liberdade de consciência, acrescida de uma forte tolerância religiosa estão previstas nos artigos 23 e 24 (… ler). A tolerância religiosa é um marco que distingue a nossa Constituição dos demais textos.

É interessante observar que admitia que houvesse a ereção de espaços para outros cultos, nos quais não poderão ter sinos. As torres sineiras tinham maior importância naquela época. O sino da Igreja que anunciava as horas, a morte de pessoas (Por quem os sinos dobram), momentos de alegria, e chamava para os atos católicos – Missas e outros. Os sinos davam uma preeminência às Igrejas católicas por tantos outros papéis que desempenhava na sociedade.

A liberdade de consciência, embora embutida no art.23, está muito clara: “É proibido a todos os patriotas o inquietar e perseguir alguém por motivos de consciência”.

A liberdade de imprensa está prevista no art.25, implicitamente admitindo, por anterior, a liberdade de manifestação do pensamento.

O art. 26, ao permitir que os Europeus entre nós naturalizados (primordialmente os portugueses) que derem provas de adesão ao Partido da Regeneração e Liberdade, são nossos Patriotas, poderão ocupar cargos para os quais estejam habilitados e forem capazes. Assim dá mais uma forma de uma igualdade, até de oportunidades.

  E vai além, no art.27, ao permitir que estrangeiros possam ser naturalizados pelo Governo e passem à igualdade como os demais.

Outros princípios – intrinsecamente éticos (como direitos ou garantias) podem ser extraídos da própria organização e estrutura do novo Estado, na forma de República, o que hoje chamam alguns estudiosos da teoria dos Direitos Fundamentais de Direitos Humanos atípicos.

TRIPARTIÇÃO DO PODER 

A LEGISLATURA

                  Saliente-se que a Constituição da República de Pernambuco já guardava a tripartição do Poder: a Legislatura, o Poder Executivo e o Poder Judiciário. 

É fato que os Poderes não eram gavetas estanques, nem nunca foram, mesmo na sua concepção teoricamente mais pura da tripartição. Nem jamais o serão! Harmônicos, sim. E no pensamento de Marco Maciel (que em 2016 completou 50 anos de atividade política), devem ser equipotentes.  E, completo, a equipotência produz o equilíbrio e conduz mais facilmente à desejada harmonia. A hipertrofia de qualquer dos Poderes compromete a estabilidade do próprio Estado.

Quando o art.2º trata da Legislatura estabelece um Conselho Permanente (talvez inspirado no Diretório Frances de 1795!) composto de 6 membros: 5 escolhidos pelas Câmaras, exceto o Corregedor, dentre os Patriotas de mais probidade e luzes em matéria de administração pública e que não sejam parentes entre si até o 2º grau canônico (linha vertical: pai e filho; na linha colateral – irmão).

A Legislatura é mais ampla do que hoje entendemos por Legislativo, porque além dos 6 membros do Conselho, também faziam parte os Secretários do Governo, o Inspetor do Erário e o Bispo de Pernambuco, na sua falta do Deão (art.7º).

Há muitos aspectos interessantes no funcionamento da Legislatura, mas só me referirei a alguns:

  1. As sessões da Legislatura continuarão todos os dias a exceção dos consagrados ao Culto Divino, começarão às seis horas da tarde e durarão todo o tempo que a discussão e conclusão dos negócios propostos o exigir (art.4º);
  2. A presidência das sessões será exercida pelos cinco membros do Conselho, um a cada semana – rodízio semanal! (art.4º);
  3. Guardar-se-á o mais inviolável silêncio, estando todos atentos ao que se propõe e opina, não interrompendo uns aos outros, mas opondo-se mal findar algum de falar as objeções que se tiver contra as opiniões emitidas (art.4º);
  4. Os projetos de Lei, depois de propostos ficarão sobre a mesa por seis dias, para dar tempo a que os membros o meditem e se aprontem para a discussão (art.5º);
  5. Cada Membros opinará com plena liberdade e igualdade, e pela opinião que emitir em Conselho ninguém será increpado (repreendido asperamente, censurado, acusado) e menos perseguido; (liberdade de expressão no processo legislativo – imunidade parlamentar);
  6. O sigilo: art.10 – parecendo ao Governo ouvir o Conselho sobre medidas que deva tomar na parte executiva, convocá-lo-á, e as sessões se farão fora do alcance dos ouvidos dos curiosos para não abortarem negócios que dependam de segredo.

O EXECUTIVO

                  Para o Poder Executivo, foram criadas duas Secretarias: uma para os Negócios do Interior, Graça, Política, Justiça e Cultos e a segundo para os negócios da Guerra, Fazenda, Marinha e negócios Estrangeiros, cada uma com sua estrutura e funcionários.

Ainda, dentro do Executivo, foi criado o Inspetor do Erário (art.12) – para a boa administração, arrecadação e contabilidade das rendas públicas, com certa autonomia (para usarmos uma expressão atual) só dependendo do Governo de quem recebe ordens pela Secretaria da Fazenda. E o artigo vai mais longo quando determina que a receita e a despesa das rendas sejam publicadas a cada ano por via da imprensa (Princípio da publicidade e da transparência!).

O JUDICIÁRIO

O Poder Judiciário (art.13) – Para a administração da Justiça foi estabelecido o duplo grau de jurisdição. No primeiro grau, fica a cargo de dois juízes ordinários, eleitos em cada Cidade e Vila, pelo povo do seu distrito, na forma estabelecida. A um deles pertencerá o expediente criminal e de Polícia ao outro as contendas cíveis, o bom regime dos órfãos e enjeitados. Não terão salário algum do Público, nem coisa alguma das partes pelo desempenho das suas funções, contentando-se com o respeito que lhes resulta do exercício dos seus cargos.

A 2ª Instância será exercida, na capital do Governo por um Colégio Supremo de Justiça, composto por cinco membros – escolhido entre literatos de bons costumes, prudentes e zelosos do bem público, para decidir em última instância sobre as causas cíveis e criminais. Estes, serão pagos pelo Erário e ficam proibidos de receber salários ou qualquer remuneração outra das partes requerentes para evitar concussões!

Ainda, com relação ao Judiciário, estavam previstas as correições, o planejamento, a inamovibilidade dos juízes, o princípio da recepção das leis, entre outras.

A Constituição da República de Pernambuco deixou de lado alguns temas relevantes, por exemplo, a escravidão versus o abolicionismo. Todavia temos que constatar que não poderia ter ido mais avante se a olharmos com as lentes do início do século XIX.

Dentre tantos exemplos de pioneirismo que Pernambuco tem dado à História, ajunte-se mais um o da Revolução que recebeu por bênção uma Bandeira e por batismo  uma Constituição.

Muito grata pela atenção!


Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *