Ação Penal Originária

Dia  21 de maio de 2008.

Seminário na Procuradoria Regional da República

Tema: Ação Penal Originária

Palavras de: Margarida Cantarelli

  1. Agradecer o convite do Dr. Luciano
  1. Escolha do tema Ação Penal, certamente não foi para aportar qualquer conhecimento teórico sobre a matéria aos muitos que todos aqui têm.
  1. Mas, para dividir uma preocupação que sei que é comungada por todos do MP, como também AMB, setores da imprensa, enfim, da própria opinião pública mais esclarecida – Ação Penal Originária – decorrente da existência do FORO PRIVILEGIADO para determinadas pessoas ocupantes de certos cargos/funções públicas. 
  1. Neste exato momento, está sendo julgado pelo Pleno do TRF o recebimento de uma denúncia onde constam como denunciados 9 Prefeitos, 1 Deputado Estadual  e isto porque ficaram apenas aqueles que têm Foro Privilegiado. Assim mesmo, não creio que a sessão de hoje seja suficiente para decidir sobre o recebimento da denúncia.
  1. Vi, em 2007, uma série de reportagens da Rede Globo sobre impunidade no Brasil e li, creio que todos leram também, matéria que ficou registrada pela “Globo.com”, no dia 22 de fevereiro de 2007 – cujo título era: “Supremo Tribunal Federal, a Corte maior deste País, é taxativo: políticos não são punidos porque Ações Penais ‘são mal instruídas”. E o texto diz que o último condenado tinha sido PC Farias em 1994 e que o mandato parlamentar é garantia quase certa de uma vida sem complicações penais com a Justiça. Apresentava alguns dados estatísticos que servem à reflexão: de 1996 a 2006 foram julgados pelo STF 29 processos e em nenhum houve condenação – 13 prescreveram; 10  desceram para Instâncias inferiores e nos 6 restantes, foram todos absolvidos. O então Vice-Presidente do STF, Ministro Gilmar Mendes, ressalva que os números só devem ser efetivamente computados a partir de 2001 quando o Congresso deixou de ser consultado para a abertura dos processos contra parlamentares. Neste ponto, realmente, temos que reconhecer que houve um avanço, pois as Casas legislativas sequer respondiam à maioria das consultas.  Na mesma matéria, enfatiza o Ministro – o que é do conhecimento público – o aumento do número de denúncias que chegam ao Supremo, citando como exemplos – 40 pessoas no Escândalo do Mensalão e 84 no processo dos Sanguessugas. Além do que, disse não se ter uma certeza/garantia de que se o processo for instruído na 1a instância haverá maior celeridade, nem que se eliminaria a impunidade, pois há casos de ações penais trancadas no Supremo em razão de serem mal propostas nas instâncias inferiores. Já o Ministro César Peluso, também ouvido, afirmou que “é preciso critérios para o uso do foro privilegiado, sendo a favor para algumas causas e certas autoridades, como garantia de maior imparcialidade”.
  1. Em julho de 2007, a Associação de Magistrados Brasileira lançou a campanha “Juízes contra a corrupção” pelo fim do foro privilegiado para autoridades. Aí os dados apresentados foram mais fortes/alarmantes do que na matéria anteriormente citada – quanto ao STF apenas 4,6% das ações penais abertas no Supremo foram julgadas (desde 1998). No STJ o índice de julgamento é ainda menor  2,2%. No STJ, das 483 ações penais, apenas 16 foram julgadas, com 5 condenações, 11 absolvições e 71 prescreveram antes do julgamento. O então presidente da AMB declarou que “mais que um foro privilegiado é um foro de impunidade”.
  2. A mesma matéria jornalística mostra a opinião de vários parlamentares (Senadores e Deputados Federais) favoráveis ao fim do foro privilegiado. Mas, alguns mais céticos vêem na sua extinção pelo Congresso (para os próprios parlamentares) o que se costuma dizer na expressão popular: “é um tiro no pé”!
  1. Todavia, tem-se que constatar alguma evolução positiva: a primeira, já referida, quando foi dispensada a consulta/autorização das Casas Legislativas para processar os seus pares (2001); também o papel que o STF tem assumido nos últimos tempos. Todos nos lembramos do recebimento da denúncia pelo Ministro Joaquim Barbosa, no processo relativo ao “Mensalão”. Ora, nós do Ministério Público sabemos que o recebimento de uma denúncia é um ato de rotina, simples, na maioria das ações penais. Mas, aquele caso tomou proporções de um julgamento, tão ávida está a sociedade pela manifestação do Poder Judiciário. Como também, vimos recentemente, e pode ser interpretado como sinal de receio do julgamento pelo STF, um parlamentar renunciando ao mandato de deputado federal para que o processo baixasse à instância inferior.  
  1. Vários fatores acarretam as dificuldades na tramitação de uma Ação Penal Originária. A partir da própria legislação relativa ao processo – a lei 8.038/90 c/c a 8.658/93 e Regimento Interno do nosso TRF trazem vários diferenciais favoráveis ao acusado (para não a expressão privilégio), por exemplo: art.8° da Lei 8.038/90 estabelece o prazo 5 dias para a defesa prévia – no art. 395 CPP este prazo é de 3 dias; o art.10 da mesma lei reza que concluída a inquirição de testemunhas, serão intimadas a acusação e a defesa para requerimento de diligências, no prazo de 5 dias, enquanto no art.499 do CPP é de 24 horas; o art.11 fixa que realizadas as diligências, ou não sendo requeridas nem determinadas pelo relator, serão intimadas a acusação e a defesa para, sucessivamente, apresentarem, no prazo de 15 dias, alegações escritas, no art.500 do CPP, o prazo é de 3 dias, além da vários outros pontos de peculiaridades em relação ao processo penal geral.
  1.  Vejamos alguns outros aspectos: os Tribunais não têm infra-estrutura física, nem pessoal habilitado para realizar a instrução criminal: não há sequer sala para audiências dotadas até dos móveis com a disposição própria. Quando ocorrem, raramente, improvisa-se o espaço; não há pessoal habituado aos atos rotineiros praticados numa audiência (lavrar um termo, por exemplo). Assim, a ampla utilização de Cartas de Ordem e Precatórias o que distancia o relator da instrução. Não interroga, não ouve as testemunha, além do tempo desmesurado para o cumprimento de cada uma dessas medidas. Isto faz fugir do controle do relator  a razoável duração do processo. Não raro o denunciado, com prestígio político ou social na cidade, consegue que demore a devolução de uma Precatória ou cria algumas dificuldades para o seu cumprimento (não é encontrado, por exemplo!). Também considero como fator de retardamento do andamento dos feitos o próprio fato da tramitação ser na subsecretaria do Plenário (ou órgão equivalente em outros Tribunais) – lamentavelmente não há como ser diferente, distante do gabinete do relator que não tem o controle dos atos ordinatórios, dos atos de mero impulso, que são praticados por funcionários que nem conhece.
  1. No caso específico da 5ª Região – tendo jurisdição sobre seis Estados, o problema ainda mais se acentua, posto que seria muito difícil trazer as pessoas para serem ouvidas na sede do Tribunal (custo, deslocamento, etc.).
  1.  Há também um outro fator causador de morosidade, o “sobe e desce” de instâncias – alguém é eleito deputado ou prefeito, por exemplo, lá sobem todos os processos em tramitação na instância inferior. Termina o mandato, voltam os processos. Haja tempo até que o ritmo seja  retomado. Lembro-me que era relatora de vários processos movidos contra um prefeito de capital nordestina quando o mesmo foi eleito deputado federal. Mas do que depressa vieram os advogados para cobrar a remessa imediata de todos os autos à Instância bem superior! Por curiosidade, olhei no sistema o andamento dos mesmos. Na realidade houve “paramento”.
  1.  Desde que cheguei ao TRF senti as dificuldades existentes com o andamento das APNs. Como disse, fui do MPPE, sempre em Varas Criminais, conhecia a tramitação dos processos crime na 1a Instância (inclusive em Comarcas do interior); quando trabalhei no TRF, como servidora na corregedoria, também, nas Inspeções, cuidei dos processos criminais nas Varas das Seções Judiciárias (naquela época não havia Varas Privativas), além do que gosto de Direito Penal (Direito Penal Internacional). 
  1. Tenho observado cuidadosamente o andamento de todas as APNs que já passaram pelo meu Gabinete, nesses quase nove anos, e constato na prática as dificuldades que antes mencionei e que levam a uma morosidade mais acentuada na tramitação das mesmas o que, na prática, acarretam, com mais facilidade, a prescrição, e, conseqüentemente a impunidade.
  1.  Recordo-me, quando assumi, ter recebido um acervo de mais de 5.000 processos. Havia no Gabinete um espaço chamado de “corredor da morte”, tantos eram os lotes de processos embrulhados e dispostos numa estante enorme, apenas numerados por fora, sem descrição que permitisse saber o que havia dentro de cada pacote. O Tribunal ainda não tinha um sistema de informática que nos permitisse, como hoje, discriminar o acervo existente em cada Gabinete – quantidade e matéria (TUA).  Atualmente, quando há redistribuição, sabe-se o que virá. Assim, como não havia tal sistema, mais de um ano após a minha posse, em 20 de dezembro de 2000, foi despachado o conhecido processo – a APN 3 (escândalo da mandioca) para a Secretaria Judiciária a fim de ser redistribuído, o que ocorreu em 20 de abril de 2001,  passado para mim a sua relatoria (em decorrência da posse do então relator na presidência do Tribunal – ocorrida em março de 1999), e com embargos de declaração para serem julgados. Só que o volumoso processo não foi  fisicamente para o meu gabinete, só vindo eu a tomar conhecimento da redistribuição alguns meses depois, graças a uma informal comunicação do procurador Ivaldo Olímpio ou de Benedito Izidio (que atuavam na 1a Turma, a qual eu integrava). O referido processo depois de “sobe e desce” de instância havia sido julgado (José Maria Lucena) em 24 de fevereiro de 1999, dez anos depois de ter chegado ao TRF (distribuído em 18 de julho de 1989, ao então juiz Orlando Rebouças e com a aposentadoria deste, redistribuído para José Maria Lucena). O acórdão foi publicado 30 de março de 1999. Eu não tinha sequer participado do julgamento do processo e era preciso debruçar-me sobre os seus 79 volumes e 30 anexos. Os Embargos de Declaração foram julgados 15 de maio de 2002 e o acórdão publicado no dia 23 do mesmo mês. Mas, a admissão dos recursos especiais interpostos só ocorreu em 22 de junho de 2005, subindo para o STJ em  fevereiro de 2006. O julgamento no STJ ocorreu em 12 de dezembro de 2006, acórdão publicado em 5 de fevereiro de 2007. Houve embargos de declaração, improvidos, e publicado o acórdão EDCL em 6 de agosto de 2007. Agora seguirão os Recursos Extraordinários para o STF. Quando tudo isto terminar a prescrição retroativa cuidará de colocar uma pedra em cima de uma triste página da história da Justiça Federal.
  1. Atualmente tenho tramitando sob a minha relatoria apenas 4 APNs;  4 Inquéritos estão no MPF (Inq.804/Ce; 1566/Pb; 1742/Pb e 1751/Pe) e na Polícia Federal (6 no Ceará; 2 Pernambuco; 1 em Al; 1 no RN e 1 na Pb.
  1. As 4 APNs têm como acusados 3 prefeitos e 1 deputado estadual (ex-prefeito).
    1. APN 313/SE – Prefeito do Município de Frei Paulo – fase do art.499 CPP. Um empresário (Aderbaldo de Oliveira) demitiu dois empregados da sua empresa “Benefício de Algodão Oliveira Ltda”, localizada no Município de Frei Paulo, no Estado de Sergipe, que entrou em processo de concordata. Na reclamação trabalhista ambos os demitidos afirmaram que trabalharam de junho de 1997 a dezembro do mesmo ano na empresa, mas que depois de demitidos foram para o Tocantins trabalhar numa fazenda do denunciado e, mesmo assim, receberam, cada um, duas parcelas de “seguro desemprego” (abril e maio de 1998). Em março de 2003 foi o empresário denunciado por  infração ao art.171 caput c/c § 3° CP, perante a uma das Varas da Justiça Federal, em Aracaju. Quando foi instalada a Vara de Itabaiana, o processo foi redistribuído em 2 de junho de 2004. Apesar das idas e vindas de precatórias, na audiência para ouvida de testemunhas (2 de maio de 2005), juntou o denunciado a certidão de que havia sido eleito prefeito de Frei Paulo. Em julho de 2005 o processo chegou ao TRF. Aí o andamento ficou mais lento (quase um paramento). Remetido os autos ao MPF foram ratificados os atos processuais praticados na 1ª instância. Em janeiro de 2006 foi expedida uma Carta Precatória para a Comarca de Frei Paulo posto que faltavam serem ouvidas as testemunhas de defesa. No dia 15 de maio de 2007, o Procurador requer que se cobre o cumprimento da Precatória expedida há mais de um ano, sem resposta. Reiterada, a testemunha foi ouvida em 11 de setembro de 2007. No prazo de 499 pediu o MPF cópia dos antecedentes, já anexados nos autos. Agora estamos aguardando a defesa se manifestar sobre o art.499 CPP.  OBSERVAÇÃO: faltam as razões finais, o processo está com dois volumes, tudo gira em torno de possíveis 4 parcelas de seguro desemprego recebidas duas por cada denunciado. Está no final do mandado do prefeito que, não se sabe, será candidato a reeleição. Caso não seja reeleito? 
    2. APN 372/PE – Prefeito de Custódia – denunciado (dra. Eliane Recena) – art.168-A deixou de recolher contribuições ao INSS, relativas a sua gestão anterior – 12/1998 a 12/2000 (de 1/2001 a 05/2004 – José Esdras – ex-prefeito deve ter sido denunciado no 1º grau) – a denúncia é de 3 de agosto de 2007, valor R$ 375.162,69 – distribuído no dia 3 de agosto de 2007. No mesmo dia mandei expedir precatória para a defesa preliminar que foi devolvida (rapidamente) 23 de outubro de 2007, com a defesa do denunciado. Vieram-me conclusos em 13 de novembro de 2007, quando abri vista ao MPF, em razão dos documentos acostados. No dia 22 de novembro recebi a promoção 496/2007 da Dra. Eliane Recena. A denúncia foi recebida na sessão de 9 de janeiro de 2008, acórdão publicado em fevereiro. Carta Precatória expedida em 7 de MAIO, para citação e interrogatório, aguardando resposta. OBSERVAÇÃO: A demora na expedição da carta para citação e interrogatório, visto que o acórdão foi publicado em fevereiro e só em maio houve expedição. A PARTIR DE AGORA A LENTIDÃO SERÁ MAIOR.
    3. APN 358-PE, denunciado um  ex-prefeito e atual deputado – art. 168-A CP. Inicialmente foi denunciado  no dia 8 de novembro de 2006, numa Vara do interior, denúncia recebida no dia 20 de novembro, mandando expedir carta precatória para citação, interrogatório e o mais. Anexado o resultado da eleição e cópia do diploma, é aberta vista ao MPF, em maio de 2007,  requereu fosse declinada a competência para o Tribunal. O Juiz assim decidiu em 15 de maio, baixa na distribuição. Vieram os autos para o TRF e me foram distribuídos em 20 de junho de 2007. A Dra. Nilcea Maggi, então convocada para me substituir, no dia seguinte despachou mandando expedir carta precatória ao Juízo da Comarca expedida em 25 de julho de 2007 e ATÉ AGORA SEM RESPOSTA.
    4.  APN 359/CE – atual Prefeito de Juazeiro do Norte – a denúncia foi recebida, Carta expedida para ouvida de testemunhas desde dezembro de 2007- ainda faltam algumas que residem em outras Comarcas. O processo já está com oito volumes. O fato – empréstimos fraudulentos do BEC, em abril de 1996. Só veio a ser denunciado (dra. Eliane Recena) em 19 de setembro de 2006.  A denúncia foi recebida. Este processo passou sete anos parado num Gabinete na Justiça  estadual do Ceará – eram diretores do Banco, só sendo “encontrado” depois que prescreveram alguns delitos para certos acusados. Só então declinaram da competência remetendo os autos para a Justiça Federal, e, posteriormente, para o TRF, em razão da eleição do Prefeito.

                        Esta foi uma pequena amostra das dificuldades para a tramitação de uma Ação Penal Originária, e, lamentavelmente, nos sentimos impotentes – por tantas dependências – para dar a velocidade que desejamos, sendo perfeitamente compreensível e correto o que disse o presidente a AMB, que repito como um desabafo: o FORO PRIVILEGIADO é um caminho para a impunidade.


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