A Globalização e o fenômeno da regionalização: Mercosul e União Européia

FACULDADE DE DIREITO DO RECIFE DA UFPE

CONGRESSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL COMPARADO –

Rio de Janeiro, 10 de agosto de 2000

Tema: A GLOBALIZAÇÃO E O FENÔMENO DA REGIONALIZAÇÃO: MERCOSUL E UNIÃO EUROPÉIA

Painelista: Margarida Cantarelli

Gostaria, inicialmente de agradecer, de modo especial ao Professor Ivo Dantas, pelo convite para participar de tão importante evento, ao tempo em que o parabenizo pela iniciativa, pois bem sei o quanto a organização de um Congresso desse porte exige, em trabalho e dedicação, daqueles que se dispõem à  empreitada.

Quero, ainda, justificar a minha ausência em razão de estar participando, no Rio de Janeiro, indicada como representante do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, do Curso:  “Direito Comunitário: Experiência Européia e o Mercosul”, promovido pela Escola da Magistratura, desde o dia 31 de julho, estendendo-se até o próximo dia 12 de agosto. Por essa razão, aproveito-me da extrema gentileza da cara amiga, Professora Vera Della Santa, para transmitir aos participantes algumas breves considerações sobre o tema.

Muito adequado, num Congresso sobre Direito Constitucional Comparado, ser colocado um painel sobre a “Globalização e o fenômeno da regionalização: Mercosul e a Comunidade Européia”. Na realidade, grandes têm sido os problemas decorrentes de normas constitucionais dos Estados que formam um Bloco e que se acham em processo de integração, com relação a conteúdos  diversos  ou mesmo conflitantes das referidas normas nacionais. Do mesmo modo, são freqüentes os choques entre as Constituições nacionais e as normas produzidas por órgãos de Instituições supranacionais e mesmo intergovernamentais.

Inúmeras vezes as Cortes Constitucionais Européias, de modo mais enfático a Alemã e a Italiana, pronunciaram-se claramente sobre a prevalência, em caso de conflito, das suas respectivas Constituições Nacionais, sobre os Regulamentos  Comunitários (como também sobre as normas de menor hierarquia). Todavia, este é um problema sempre presente nas relações entre as Instituições Comunitárias e os Estados Membros.

Entendo, que tanto a chamada GLOBALIZAÇÃO, como a REGIONALIZAÇÃO, não são fenômenos novos na sociedade internacional. Esta já os conhecia há muitos séculos. NOVOS, são: o COMO, ou seja, a forma como hoje estão ocorrendo; o POR QUÊ, isto é, as razões, os motivos que os impelem; e o QUANTUM, qual seja, a intensidade das relações que representam.

O processo  de globalização se iniciou desde o final do século XV, com o que o Professor Adriano Moreira chama de “Projeto do EUROMUNDO”, que tem o seu ponto de partida   nos grandes descobrimentos, isto é, com o alargamento do mundo até então conhecido, através das descobertas marítimas e a expansão da cultura européia para as novas terras. O “Euromundo” deveria ter o pensamento ocidental (greco-romano), de dominação branca e religião cristã.

A Globalização (como Projeto Euromundo), durante cerca de 450 anos, utilizou-se da forma (o como) colonialista, com relações de subordinação entre o colonizador e o colonizado; os motivos (o por quê) eram, sem dúvidas, a exploração pelo europeu das riquezas dos outros povos e a imposição da cultura européia, muitas vezes destruindo a que lhe fosse contrário; a intensidade (o quantum) das relações existentes, embora fossem em menor intensidade, todavia permanente.

O Euromundo levou forte golpe no século XX, com a 1ª  Grande Guerra  e o fatal, com o 2º Conflito Mundial. Que a União Européia não queira ser a fênix do século XXI.

                    Quanto à regionalização, passou esta a existir desde quando os interesses ou adversidades comuns, superavam as desconfianças dos povos entre si, alguns em razão até da própria vizinhança, e levavam às uniões. As alianças, muitas seladas por casamentos,  sempre funcionaram como mecanismos de superação e equilíbrio de forças.

Hoje, quando se fala em globalização, já é lugar comum afirmar, que os avanços da tecnologia dos meios de comunicação, informação, transportes e outros mais, vêm permitindo uma intensidade sem precedentes nas relações internacionais: econômicas, políticas, culturais, etc. O “deus mercado” a todos atrai, diante dele todos se curvam e para alcança-lo todos lutam com as armas que dispõem.

Ideal seria que tivéssemos uma globalização que significasse relações equânimes e desenvolvimento sustentado, assegurados: a democracia com a garantia da cidadania e dos Direitos Fundamentais e o multiculturalismo respeitado. Todavia entre o ideal e o real grande é a distância.

A realidade contemporânea, fruto da própria evolução e das alterações de forças econômicas e políticas, tem levado à formação dos chamados grandes espaços destinados a superar a incapacidade do Estado clássico, por insuficiência isolada, para responder às necessidades atuais dos povos. Os grande espaços, que representam quase sempre espaços regionais, apresentam-se  consentidos ou impostos . Entre os espaços consentidos,  pode-se ter os de natureza militar (como a OTAN),  os de econômica (como NAFTA, Mercosul), ou ainda, os de integração (o estágio atual da União Européia), entre outras possíveis razões para tais espaços.

O Mercosul é um espaço consentido de natureza econômica, localizado numa região que pode ser também geograficamente determinada na América do Sul (cone sul) hoje  tem personalidade jurídica internacional (desde o Protocolo de Ouro Preto) e, como se sabe, no momento formado por quatro Estados: Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. É uma organização internacional regional, de natureza  intergovernamental, onde os quatro têm fronteiras entre si, e é de se reconhecer, que a sua instituição só ocorreu depois do restabelecimento da democracia em todos dos parceiros, e que, têm o firme compromisso de mantê-la; os antagonismos existentes, embora reconhecidos, não são insuperáveis (exceto os do campo de futebol, claro!); os interesses econômicos estão presentes, mesmo havendo dificuldades para compatibiliza-los. Foi estabelecido mecanismo de solução de controvérsias, embora não disponha de um Tribunal ou uma Corte de Justiça.  Convém não esquecer que o Mercosul tem apenas dez anos e não se pode esperar que  esteja  no mesmo patamar da União Européia que, entre as muitas  diferenças, já está, contando-se do Tratado de Paris que criou a Comunidade do Carvão e do Aço, com quase meio século. O Mercosul ainda é uma União Aduaneira imperfeita. 

Mas, se a integração é uma meta para o futuro, observamos que das quatro Constituições dos respectivos Estados Membros, a Constituição do Paraguai, de 1992, e a da Argentina, com a reforma de 1994, estão muito mais preparadas para os avanços no processo rumo à integração do Mercosul do que as Constituições do Brasil e Uruguai .

Para tanto basta citar o art.75, XXIV da Constituição Argentina que diz:   “Corresponde al Congresso:

               […]

    XXIV – Aprobar  tratados de integración que deleguen competencias y jurisdicción a organizaciones supraestatales en condiciones de reciprocidad e igualdad, y que respeten el ordem democrático y los derechos humanos. Las normas dictadas en su consecuencia tienen jerarquía superior a las leyes”.

Dispositivo semelhante encontramos na Constituição do Paraguai, artigos 137 e 145.

Enquanto a Constituição do Brasil refere-se ao tema no parágrafo único do art.4º  que diz:

                  A Constituição do Uruguai tem norma semelhante contida no seu art.6º  .

  Com relação à União Européia, é de se destacar o papel fundamental que teve o Tribunal de Justiça das Comunidades, inicialmente apenas um Tribunal e hoje também o Tribunal de 1ª Instância, que vêm contribuindo para o aperfeiçoamento  jurídico do Direito Comunitário.

As razões da criação das Comunidades Européias, primeiramente da Comunidade Européia do Carvão e do Aço, depois da Comunidade Econômica Européia e da Comunidade Européia de Energia Atômica, eram bem diversas das razões que levaram ao Mercosul. A Europa saia de uma guerra de proporções devastadoras, tinha a mais absoluta necessidade de PAZ, de estabilizar as democracias, de superar os antagonismos históricos (ou mesmos ódios seculares) para vencer os problemas econômicos e sociais que a guerra trouxera. O “Euromundo” estava destruído porque o centro do poder deslocara-se para outras partes da terra, dividido, então, entre Estados Unidos da América e União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, o que durou cerca de meio século.

O processo europeu de integração – que é um projeto regional,  hoje está bastante evoluído, todavia, enfrentou lento caminhar nas suas primeiras décadas, até a vigência do Ato Único Europeu. Daí em diante passou a conhecer maior rapidez, com o Tratado de Maastricht, depois o Tratado de Amsterdam e muitos outros passos. Hoje com quinze membros, tem pedido de ingressos de pelo menos mais doze Estados.

Quanto às Constituições dos Estados Membros, observa-se que houve uma preparação constitucional para o ingresso de cada um deles nas Comunidades Européias. Apenas a  título que informação, citamos algumas Constituições, como a da Irlanda, que estabelece:

“ Art. 29

[…]

4. O Estado pode ratificar o Tratado da União Européia firmado em Maastricht, no dia 7 de fevereiro de 1992, e pode converter-se assim em membro dessa União.

5. Nenhuma disposição da presente Constituição derrogará as leis aprovadas, atos realizados ou medidas adotadas pelo Estado, que sejam necessárias para as obrigações dos membros da União Européia ou das Comunidades…”

Ou a Constituição da Suécia:

“Capítulo 10: Das relações internacionais

[…]

Art. 5 – O Parlamento pode confiar o direito de tomar decisões às Comunidades Européias na medida em que estas proporcionem proteção para os direitos e liberdades correspondentes à proteção prevista segundo este Instrumento e a Convenção Européia para a proteção dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais. O parlamento autorizará a dita delegação numa decisão, com o apoio de pelo menos tres quartos dos presentes e votantes. O Parlamento também pode tomar a dita decisão na forma prevista para a adoção de uma lei fundamental.”

E, a Constituição de Portugal, que diz:

“Art. 7 (Relações Internacionais)

[…]

5. Portugal se compromete a reforçar a identidade européia e o fortalecimento na ação dos Estados europeus em favor da democracia, da paz, do progresso econômico e da justiça nas relações entre os povos;

6. Portugal pode, em condições de reciprocidade, com respeito ao princípio da subsidiariedade e tendo presente a realização da coesão econ6omico e social, convenir o exercício em comum dos poderes necessários para a construçào da União Européia.

Art. 8 ( Direito Internacional)

[…]

3. As normas emanadas pelos órgãos competentes das organizações internacionais que Portugal tome parte, vigorarão, diretamente na ordem interna, desde que assim esteja estabelecido nos respectivos Tratados constitutivos”.

Embora os textos constitucionais tenham se conformado ao modelo comunitário, não deixa de haver conflitos e choques entre a ordem jurídica comunitária e a ordem interna dos Estados membros. Quando o conflito é entre uma Resolução Comunitária e uma norma infra-constitucional, a jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades tem decidido pela prevalência da Resolução. Mas, repito, sempre que houver conflito entre uma norma comunitária (qualquer que seja a norma) e uma norma constitucional nacional de um dos Estados membros da União, as Cortes Constitucionais (especialmente da Alemanha e Itália) dão prevalência às suas respectivas Constituições.

Este é, sem dúvidas, um tema muito rico, mas deixo estas considerações para a reflexão dos que se interessam pela matéria. Entendo que, se o Mercosul superar suas dificuldades e marchar para um processo de integração, necessitaremos alterar alguns dispositivos da nossa Constituição, como também, creio seja importante a criação de outros mecanismos de solução de controvérsias, não sendo demais um Tribunal de Justiça.

Agradecendo a atenção de todos, renovo as minhas desculpas pela  ausência.


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