II Seminário regional da Advocacia Pública Federal

LOCAL: FORTALEZA – CEARÁ

DATA: 6 DE ABRIL DE 2009.

PAINELISTA: MARGARIDA CANTARELLI

  1. Gostaria de agradecer o convite para participar de tão relevante evento, com temas muito atuais e de real interesse para a Justiça como um todo, indo além da Advocacia Pública Federal.
  2. Quero iniciar destacando a importância e crescimento da advocacia pública nos últimos 10 anos, a partir da visão que nós temos no Tribunal (TRF 5ª).
  3. Antigamente a ausência da defesa dos interesses da União era tão evidente que se chamava jocosamente a União de “a viúva”. Isto simbolizava aquela pessoa desprotegida, espoliada, ludibriada, que todos poderiam explorar impunemente.
  4. Isto mudou muito. Em 1999, quando cheguei ao TRF, praticamente só havia um advogado público atuante – o Dr. Eurípedes de Souza, da Codesvaf: fazia sustentação oral, levava memoriais, não perdia um prazo, assistia as sessões! Recordo-me de um outro caso na 1ª Turma – o relator era o hoje Ministro Castro Meira, na sustentação oral ficamos perplexos. O advogado que foi à Tribuna defendia exatamente o oposto do pedido do particular. Mandei um bilhetinho para Dr. Meira, “quem tem um advogado deste não precisa de inimigo”. Chegou a um ponto que Dr. Meira o interrompeu e perguntou: “o senhor é advogado de que parte?” Era um advogado de um órgão público!
  5. Fui Promotora de Justiça na época que cabia ao Ministério Público a defesa da União – nem vou dizer quando!
  6. Assim, a presença constante dos Advogados Públicos atuando com competência, zelo, oferecendo subsídios através de memoriais, fazendo – quando necessário e for o caso (nos Tribunais), a sustentação oral da posição que defendem, demonstrando interesse pelas causas, é algo que modificou por completo a atuação junto ao Poder Judiciário. Portanto, aquela figura isolada ficou no passado. Esta é uma constatação daqueles que vêem do outro lado.
  7. Reconheço que o trabalho dos advogados da União é aumentado pelas omissões ou desrespeito às leis pelos agentes executivos que fazem multiplicar as demandas. Quando as pessoas mais humildes diziam há um tempo atrás: “vou procurar meus direitos”, já se sabia que iriam bater nas portas da Justiça do Trabalho. Agora, vão ou pelo menos dividem com os Juizados Especiais!
  8. Mas, por tantas razões é preciso que aquele que exerce a advocacia pública federal, ou genericamente chamemos – o advogado da União tenha plena consciência do que é a UNIÃO para evitar alguns exageros e exacerbações de posições. Deve ter presente que a União é uma ficção jurídica, não é um fim em si mesma. Portanto, os seus interesses devem necessariamente ser coincidentes com aqueles de onde ela foi extraída, isto é do povo brasileiro. A União existe em razão da forma de Estado que o Brasil assumiu na sua primeira Constituição Republicana: a Federal. Todo esse arcabouço jurídico foi instituído para melhor atender ao fim primeiro do próprio Estado que é o seu povo, especialmente quando se vive num Estado democrático. Sem está consciência pode funcionar, até muito bem tecnicamente, mas é como um corpo sem alma. É um fazer sem destinatário real. É preciso ter em mente que quem defende a União (ou os órgãos que a integram) defende mediatamente os interesses do povo, não por si mesmo e jamais contra ele.
  9. Gostaria também de observar alguns pontos mais concretos: a estrutura da Advocacia Pública Federal ainda está muito confusa para quem a vê de fora. Os segmentos em que estão divididas as atribuições são claros, mas até a permanência de algumas nomenclaturas e a persistência da atuação isolada (por exemplo, ainda algumas Agências Reguladoras) ou especial de alguns órgãos deixa às vezes uma pergunta: afinal quem fala pela União? E quando são conflitantes? É verdade que essas discrepâncias são mais comuns, por exemplo, entre Procuradoria da República e Agências Reguladoras! Acho oportuno que continue o esforço que vem sendo feito (sei que é grande e dificultoso) para uma razoável uniformização de teses jurídicas. Não que se retire dos advogados as suas concepções pessoais, mas, muitas vezes nos perguntamos: por que os funcionários do órgão “x” ao reivindicarem certos direitos têm a contraposição “y” e outros são tratados diferentemente? Não são todos da mesma União?
  10.  Com relação à reforma do Poder Judiciário que visa, entre várias razões, alcançar uma maior celeridade na prestação jurisdicional, e que eu chamo de “obra de Santa Engrácia” (ditado português utilizado quando algo é extremamente demorado, e refere-se à construção da igreja em honra a tal Santa e que se por décadas). Além do tempo que vem levando, a Reforma do Judiciário ela é muito complexa porque as coisas não se resolvem simplesmente com leis. E, às vezes, numa lei pode vir algo que tenha pouco efeito ou até seja contrário ao espírito da reforma. Há algumas modificações que trouxeram ganhos para a advocacia da União, como as vindas pela Lei 11.232/05, que facilitou o cumprimento de sentença quando vencedora a parte pública; ou Bacenjud, fruto da lei 11.382/06. Mas devo dizer quanto a este que o uso com bastante temperança. Outras, porém, não tiveram o efeito esperado (ou desejado), como o art.285-A do CPC, fruto da lei 11.277/06, que permite o julgamento super antecipado da lide (improcedência ‘prima facie’), ou sentença liminar de mérito; ou a aplicação da súmula impeditiva de recursos (art.518 § 1º do CPC) que permite ao juiz deixar de receber uma apelação se a sua sentença houver sido baseada em súmula do STF ou do STJ. Ainda, devemos constatar que a “repercussão geral” e as “súmulas vinculantes” até o momento não alcançaram a extensão pretendida na sua concepção.
  11.  É preciso também louvar as medidas muito positivas – refiro-me à “Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal”, cujo objetivo é evitar litígios buscando a conciliação de interesses divergentes entre os órgãos da administração federal, aspecto a que já me referi. Este é um papel preventivo de litígios, evitando a judicialização de demandas tendo órgãos públicos federais como contendores. Devo dizer que sou uma fervorosa incentivadora das conciliações. As experiências que tivemos/temos na 5ª Região são extremamente gratificantes (SFH) e dos Juizados Especiais Federais. Vi na tese de doutoramento da procuradora Tereza Tarragô, que tive a satisfação de participar da banca examinadora, um prenúncio de novos alargamentos, voltada para a conciliação no Direito Tributário.
  12. O INSS desenvolveu um esforço de conciliação em processos já nos Tribunais, em grau de recurso. Enviei os processos do meu Gabinete e tenho homologado inúmeros acordos. Mas, é preciso ver que não se tornem um instrumento de protelação pelo órgão ao qual competir a execução, em razão do não cumprimento do acordo!
  13. Há também alguns pontos preocupantes: os recursos. Recorrer porque é obrigatório recorrer. Sei que houve progressos nessa área. Mas, será que é obrigatório interpor Embargos de Declaração, embargos dos embargos? Tive a curiosidade de contar quantos Embargos de Declaração levava numa única sessão da Turma: 38% dos processos julgados e devo dizer que destes, 70% eram manejados pelos Órgãos Públicos. É preciso que os que laboram na reforma do judiciário busquem uma solução para o pré-questionamento. Os Embargos de Declaração estão assoberbando desnecessariamente os Tribunais, fazendo demorar o andamento dos feitos.
  14. Permitam-me, com toda gentileza, que destaque outro ponto que está causando problemas sérios nas atividades do Tribunal, inclusive aumentando o tempo de andamento dos processos, desigualando mais acentuadamente as partes, além dos riscos naturais dos deslocamentos de processos: refiro-me às intimações e notificações pessoalmente mediante a entrega dos autos com vista.  Esta prerrogativa, antes do Ministério Público (LC nº 73/93), foi incrustada pelo art.20 da Lei 11.033, de 21 de dezembro de 2004, na “lei que altera a tributação do mercado financeiro e de capitais, etc.”, estendendo-a aos Procuradores da Fazenda Nacional. O mesmo privilégio foi solicitado ao então presidente do TRF, desembargador Francisco Cavalcanti e atendido para a União, estendido, segundo fui informada, também à PRF. O art.20 da Lei 11.033/2004 foi objeto de argüição de inconstitucionalidade no STJ Resp 531.308, do qual foi relatora a Ministra Eliana Calmon, em termos vigorosos, tendo sido determinada a instauração do incidente perante a Corte Especial. Aguarda-se o julgamento. Todo o tempo que foi ganho com a informatização cartorária dos processos nas Turmas está se esvaindo no trabalho manual dos seus funcionários na separação de centenas e centenas de processos, com exame de um por um, para saber quais e quando irão para este ou aquele órgão. Isto está dificultando o regular cumprimento das tarefas próprias das Turmas. O recolhimento destes processos é feito apenas uma vez por semana e devolvidos… quando? Isto representa uma demora de mais de 30 dias para cada intimação com vista dos autos. E esta demora fica computada no tempo médio de duração do processo e debitada ao Poder Judiciário, quando na realidade não é. Sei que é mais cômodo receber todos os processos com vista, mas não seria possível continuar com os mandados (o particular é apenas pela publicação) para saber quais os que realmente interessariam ter acesso aos autos ou não? E limitar-se aos primeiros! Deixo esta reflexão para consideração de todos os que desejam  colaborar para uma Justiça mais rápida, dentro do espírito da Reforma e não no contra-fluxo, porque assim atender-se-ia melhor àqueles que são o sangue e a alma da União, o povo brasileiro.

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