II CONGRESSO NACIONAL DE PRÁTICA JURÍDICA
3o CONGRESSO ESTADUAL DOS ADVOGADOS DE PERNAMBUCO
Recife, 7 de Setembro de 2002
Painel: A ATUAÇÃO DO ADVOGADO E O RESPEITO ÀS SUAS PRERROGATIVAS
2a Painelista: MARGARIDA CANTARELLI
Prezado Coordenador do Painel, advogado Rodrigo Pelegrino de Azevedo, Conselheiro da OAB-PE,
Prezado companheiro de Painel, advogado Paulo Sérgio Leite Fernandes, Presidente da Comissão de Defesa das Prerrogativas do Advogado do Conselho Federal da OAB e autor da obra referencial nesta matéria intitulada “Na defesa das prerrogativas do advogado”.
Caros advogados, magistrados, membros do Ministério Público, professores,
Estimados estudantes,
Senhoras e senhores.
Gostaria, inicialmente de cumprimentar os organizadores deste evento pela importância dos temas abordados e agradecer o convite para participar de painel de grande relevância para todos os operadores do Direito qual seja, – a atuação do advogado e o respeito às suas prerrogativas.
Quero especialmente ressaltar que o Dr. Paulo Sérgio Leite Fernandes é – sem a menor dúvida – a maior autoridade neste tema. Os seus livros sobre a matéria são leitura obrigatória para todos que pretendam estuda-la e neles estão clara, objetiva e profundamente abordados todos os seus ângulos. Assim, estar ao seu lado, Dr. Paulo é mais que uma grande responsabilidade, é uma temeridade da minha parte. V. Exa. deveria ser o único a falar porque tem, e sempre terá muito a transmitir para todos nós.
Creio que a escolha do meu nome deveu-se além da amabilidade dos organizadores, em razão de ter sido advogada por muitos anos, conselheira e vice-presidente da OAB, Secção de Pernambuco (a primeira mulher a ascender a tal posição em nosso Estado), na década de 70, quando não era fácil a atuação do advogado perante muitos órgãos, quer do Executivo, quer do próprio Judiciário. Depois integrei o Ministério Público de Pernambuco e, finalmente, retornando aos quadros da OAB concorri à vaga dos advogados, no Quinto Constitucional, do Tribunal Regional Federal da 5a. Região, onde estou desde 1999.
Assim, vivi a experiência como advogada, como promotora de justiça e agora na magistratura federal e senti na pele as dificuldades do advogado para cumprir fielmente o mandato que lhe é outorgado. Por isso tenho, a importância do seu papel, sempre presente na minha atuação.
1) A minha primeira observação diz respeito ao termo PRERROGATIVAS. A meu sentir seria mais forte, contundente, a forma utilizada na Lei 8.906/94, no Capitulo II – DOS DIREITOS DO ADVOGADO. A expressão PRERROGATIVA leva, no vernáculo, conforme consta do Aurélio os significados: 1. “a concessão ou vantagem com que se distingue uma pessoa ou uma corporação; privilégio, regalia; 2. Faculdade ou vantagem de que desfrutam os seres de um determinado grupo ou espécie: privilégio”.
Na realidade são DIREITOS e não privilégios e muito menos de regalias.
E por que DIREITOS, perguntar-se-ia? Porque dentre as chamadas profissões liberais, é a única que atua no seu mister CONTRA O PODER – e quando falo poder, quero referir-me ao Poder do Estado. E essa atuação ocorre principalmente dentro de um dos seus PODERES, isto é, do Poder Judiciário. Mas, com freqüência, também enfrenta o Poder Executivo e seus órgãos da administração direta e indireta. E como poderiam assim proceder, satisfatoriamente, se não lhes fossem assegurados os meios. Esses meios só poderiam advir da própria LEI. Visam, portanto, ao equilíbrio e à igualdade entre as partes que são o apanágio da própria Justiça.
Como observa Gisela Gondim Ramos, com muita propriedade, nos seus Comentários ao Estatuto da Advocacia:
“Esses direitos não lhe são conferidos na condição de pessoas físicas, comuns, mas na especial condição de agentes públicos, no exercício do seu mister, que é um munus público, para que lhe sejam asseguradas perfeitas condições ao pleno exercício profissional, de modo a garantir seja atendido o interesse público na realização da justiça. OS DIREITOS CONFERIDOS AOS ADVOGADOS, ANTES DE SEREM PRIVILÉGIOS SÃO UMA RESPONSABILIDADE”.
Essa discussão – DIREITOS OU PRIVILÉGIOS – antecede à própria criação da Ordem dos Advogados porque está na essência do exercício profissional do advogado.
2) A Constituição Federal de 1988 subdividiu o seu Título IV, sobre a Organização dos Poderes em quatro Capítulos. Passaria a ter o Estado quatro poderes? Poderia perguntar um desavisado.No Capítulo I – tratou do Poder Legislativo; no Cap. II – do Poder Executivo; no Cap. III – Poder Judiciário e colocou um IV Capitulo – Das Funções Essenciais à Justiça: Seção I – Do Ministério Público; Seção II – Da Advocacia Pública e Seção III – Da Advocacia e da Defensoria Pública.
Diz o art. 133 da Carta Magna: “o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”.
Esta é uma novidade do texto Constitucional de 1988. Em nenhuma das Constituições brasileiras até 88, a advocacia estava tratada. Sempre havia um Capítulo sobre o Poder Judiciário, alguma Seção sobre o Ministério Público e nada sobre a advocacia.
Andei examinando cerca de 20 (vinte) Constituições de diferentes países. Em várias encontrei referências genéricas à liberdade de profissão, como na Constituição Alemã, no art.12, ou à liberdade de escolha de profissão, como no art.23 da nova Constituição Belga. Afora a brasileira, achei apenas na Constituição portuguesa, no “art. 208O, que foi aditado pela Reforma Constitucional de 1997, e seguinte: – “Patrocínio forense: A lei assegura aos advogados as imunidades necessárias ao exercício do mandato e regula o patrocínio forense como elemento essencial à administração da justiça”.
Acredito que tenha sido por influência da Constituição brasileira já que tal artigo só apareceu na Reforma Constitucional de 1997, e não constava do texto da primeira Constituição de Portugal após a redemocratização do país em 1974. Portanto a Reforma foi posterior à nossa Constituição de 1988.
3) Voltando ao direito brasileiro, o dispositivo constitucional – art. 133, é repetido na Lei 8.906/94, no “caput” do art.2 º: o advogado é indispensável à administração da justiça, e, complementa no § 3O, do mesmo artigo: “no exercício da profissão o advogado é inviolável por seus atos e manifestações, nos limites da lei”.
A questão da inviolabilidade é ponto de grande discussão relativamente à sua extensão e à fixação dos –limites da lei.
Mas, na Lei 8.906/94, no art.6O, está o que deveria ser óbvio. Melhor estaríamos se não houvesse necessidade de fixar-se em lei e fosse comportamental: “não há hierarquia nem subordinação entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público, devendo todos tratar-se com consideração e respeito recíprocos.”
Será que na prática é assim? Creio que não. Lamentavelmente, a minha experiência tem mostrado que ainda persiste a idéia e a postura de muitos de que haveria uma hierarquia, uma gradação de importância: juízes, promotores e advogados. Embora a jurisprudência, que tão bem analisa o Dr. Paulo Sérgio Leite Fernandes na sua obra, esteja cheia precedentes que garantem e reafirmam as prerrogativas/direitos dos advogados, todavia na evidência extraída do dia a dia, nos menores detalhes, percebe-se a permanência e a persistência de um sentimento de superioridade por parte de uns e dependência de outros. Esta é a realidade.
O que nos cabe fazer, se temos a LEI ao nosso lado e a dignidade da profissão a exigir um tratamento isonômico?
A todos e a cada um de nós, dentro do seu espaço e em cada oportunidade em que se apresentar, deve-se lutar – sem perder a consideração e o respeito, mas exigir o tratamento que a dignidade da profissão merece. Procurar tornar efetivo o tão conhecido pensamento de Ruy Barbosa: “legalidade e liberdade são as tábuas da vocação do advogado”.
Sem legalidade não se pode lutar por Justiça, sem liberdade não se pode lutar pela liberdade. Esta luta a Ordem dos Advogados conhece bem porque desempenhou com destemor em períodos difíceis da História brasileira não muito remota. E saberá continuar lutando.
Becas e togas são iguais em dignidade e valor, só podendo diferenciar as funções. Becas e togas são vestes talares, que significa -aquelas que descem aos calcanhares. Embora alguns confundam talares com aquelas asas que na mitologia grega Mercúrio tinha nos pés e pensem que como os deuses pairam sobre os mortais. Becas e togas são iguais porque acima delas está a Justiça, que é a única a quem devemos devotadamente buscar e servir.