Influência da justiça constitucional na proteção de Direitos Humanos

V CONGRESSO INTERNACIONAL – HISTÓRIA DO DIREITO

TEMA: INFLUÊNCIA DA JUSTIÇA CONSTITUCIONAL NA PROTEÇÃO DE DIREITOS HUMANOS

LOCAL: FACULDADE DAMAS

DATA: 29 DE AGOSTO DE 2013.

PARTICIPAÇÃO DE: MARGARIDA CANTARELLI

  Não existe no Direito tema mais atual e importante do que o dos direitos humanos fundamentais (Bobbio) e para o Direito Constitucional consiste na sua própria razão de ser ((Manoel Gonçalves Ferreira Filho).

                  Sendo este Painel sobre História Constitucional, penso que devemos começar refletindo sobre o desenvolvimento do constitucionalismo, ressaltando um aspecto que é o do constitucionalismo social.  Olhando para trás, especialmente para o século XX, vê-se claramente a  importância crescente das Constituições, qualquer que seja a forma do Estado: unitário ou federação; a sua forma de governo: monarquia ou república; ou seu regime político: parlamentarismo ou presidencialismo. Mas, sem dúvida a Constituição se torna mais basilar quando se trata de um Estado Democrático. A Constituição torna o Estado em Estado de Direito e  deve ter na democracia o seu fio condutor. 

                 É bem verdade que há doutrinadores que admitem o Estado de Direito, sem democracia. Assim, todo Estado que tem uma Constituição seria, em princípio, Estado de Direito (formalmente talvez sim). Todavia, na visão de outros (dentre os quais modestamente me incluo) a democracia está no âmago do Estado de Direito.

II –               (Entendo que) o Constitucionalismo social dá alma ao Estado democrático de Direito. É de se observar que ele caminha em duas vertentes: a doutrinária, esta pode ser extraída do pensamento de inúmeros autores, de tempos bem diversos, desde Platão, São Tomás de Aquino, Saint-Simon, Bobbio e tantos outros. E outra vertente a normativa, está nos textos legislativos, especialmente nas Declarações de Direitos inseridas nas Constituições.

                                Como exemplo histórico, embora pudesse voltar mais longe no tempo e citar outros exemplos, apraz-me começar por um texto referência da evolução dos Direitos Humanos que é a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, da Revolução Francesa, de 1789. Esta Declaração deu suporte à parte dos Direito do Cidadão da Constituição da França de 1793, como também na Constituição Republicana de 1848, no seu preâmbulo e Capítulo II.  Embora tratando precipuamente dos direitos políticos e civis é de se reconhecer refinamento na formulação normativa destes direitos.

                          Nela estão explícitos conceitos que nenhum outro texto (mesmo os mais modernos) traz tão claramente, como o de liberdade, no art.4º. Como corolário, no seu art.16, diz: “Toda sociedade em que a garantia dos direitos não é assegurada, nem a separação dos poderes determinada não tem Constituição”. Observem, fala em: garantia dos direitos, o que pressupõe, evidentemente, a existência dos direitos que deverão ser garantidos. 

                        E quais seriam os direitos garantidos? No art.2º reza: O fim de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem. Estes direitos são: liberdade(s); a propriedade; a segurança e a resistência à opressão. 

                       Importante observar que a Declaração francesa não se limitou a estes, mas tratou de outros que hoje são para nós comuns, mas naquela época não eram, como: o princípio da legalidade; a presunção de inocência; o abuso do poder; do controle social da máquina pública; da fixação dos tributos, além das liberdade(s) (locomoção, mas também de pensamento – manifestação do pensamento, de associação, religiosa) e outros já referidos. 

                     Este exemplo – a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão tem 220 anos, é de 1789  e constamos, com pesar, que a humanidade ainda está longe de vê-los concretizados integralmente! 

III – Na marcha do constitucionalismo sabe-se que as Constituições buscam fixar a organização do Estado, dos seus poderes, o funcionamento das suas instituições e as Declarações de Direitos (típicos e atípicos). O século XX viu Constituições paradigmáticas de um novo constitucionalismo – o constitucionalismo social. A primeira a introduzir os direitos sociais foi a Constituição do México de 1917, seguida pela Constituição de Weimar, 1919, embora esta última tenha se  tornado referência constante. A Constituição da Alemanha, no pós-1ª Guerra Mundial, trazia um espírito de reconstrução. Indubitavelmente a Constituição de Weimar, segundo o Prof. Paulo Bonavides, “sopra a mudança constitucional dirigida aos ideais de justiça e concórdia de classes, constantes dos artigos contidos no Título II pertinentes aos direitos fundamentais dos alemães”. 

                       Inclui-se dentro desse espírito a Constituição brasileira de 1934 (veremos alguns aspectos mais adiante) que teve curtíssima duração, pois em 1937 veio a Constituição outorgada pelo Estado Novo.

IV – No pós-2ª Guerra Mundial o constitucionalismo social foi retomado, mais aperfeiçoado, nas Constituições redemocratizadoras a exemplo da Lei Fundamental Alemã – Lei de Bonn,  Constituição que completa 65 anos, que explicita no art.20: A Alemanha é um Estado Social”. No mesmo sentido a francesa um pouco anterior  e que serviu de paradigma à Constituição brasileira de 1946. O que se pretende é, ao se dizer: Estado de Direito também se esteja dizendo Estado democrático e Estado social.

V- Os textos constitucionais que entremearam no Brasil da Constituição de 1946 até a Constituição de 1988 mantiveram os direitos sociais de 1946, mas com o largo período de exceção que atingiu fortemente os direitos políticos, poucos ganhos podem ser vistos também no campo dos direitos sociais. A Constituição de 1988 que este ano completa 25 anos recebeu influência da Constituição Portuguesa e da Espanhola que também foram promulgadas após longo período de exceção nos respectivos países. Ambas trazem o sopro dos bons ventos da democracia. A nossa Constituição cidadã é um grande momento do constitucionalismo social. Nela estão as liberdades públicas (1ª geração dos direitos fundamentais), os direitos econômicos e sociais (2ª geração) como também, o direito ao meio ambiente e à comunicação, e outros apontados como de 3ª geração. 

                   Como escreveu o Prof. Manoel Gonçalves Ferreira, “ nela se multiplicou o número dos direitos apresentados como fundamentais, além de se manter porta aberta para outros, implícitos ou advenientes de tratados internacionais. No seu texto, incluem-se os ‘direitos e garantias individuais’ entre as limitações materiais ao Poder Constituinte derivado, bem como se afirmam novas garantias judiciais – mandado de segurança coletivo, o habeas data, o mandado de injunção. Afora haver-se antecipado, para mostrar ênfase, a declaração dos direitos e garantias à própria estruturação do Poder”.Tem-se também que constatar que a Carta de 1988 traz mais de uma centena de direitos fundamentais, só o art.5º tem 77 incisos e, muitos deles, contêm mais de um direito, além do art.6º, com mais uma dezena, o 7º, o art.150, o art. 220, o art. 225, e assim por diante. 

                        Sem fazer comparação com as Constituições brasileiras anteriores, mas Constituição Alemã atual já referida tem pouco mais de vinte direitos enunciados. Como conseqüência de um longo elenco de direitos vem os choques entre direitos fundamentais, por exemplo: direito a ter a paternidade reconhecida ou direito do suposto pai a sua integridade física? Liberdade de imprensa ou direito à privacidade? Haveria uma hierarquia? Quem dirá qual o prevalente? E os constantes descumprimentos, especialmente pelo Poder Público, em todos os níveis da administração! Recentemente julguei um processo oriundo do Estado do Ceará relativo ao choque entre o direito de propriedade e o direito à propriedade!

VI – O que também se pode observar com essa maior abrangência é a absorção pelo direito constitucional de temas próprios do direito privado (ex.: a Constituição de 1988 trata de filiação, casamento, família, matérias próprias do direito civil). No Brasil se entende de modo especial porque o Código Civil ficou parado no Congresso Nacional desde 1975, só vindo a viger já no século XXI. 

VII – O Supremo Tribunal Federal  – A Constituição de 1988 não criou uma Corte Constitucional, como  alguns propunham, para seguir mais próximo o modelo da Constituição Portuguesa, mas deixou com o Supremo Tribunal Federalo papel de guardião da Constituição e da aplicação das normas constitucionais e ao Superior Tribunal de Justiça o das normas infra-constitucionais. Teórica e aparentemente parecia um equilíbrio perfeito. Mas, no dia-a-dia da aplicação da Constituição com a largueza dos dispositivos constitucionais, de quase todos os acórdãos da 2ª Instância (Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais Federais), as partes interpõem Recursos: Especial (STJ) e Extraordinário (STF).  Isto acarreta não só maior demora no andamento dos processos, como a possibilidade de decisões conflitantes. 

                   Atualmente há um evidente crescimento do STF surgindo até um neologismo: a SUPREMOCRACIA. Nunca o Supremo teve tanta visibilidade social e foi chamado (ou colocou-se) em tantas matérias de abrangência tão ampla, quase meta-jurídicas (ex.: utilização de células tronco). Foi admitida a figura do “amicus curiae” que não havia  entre nós, embora comum em outros sistemas e até nos Tribunais Internacionais, no sentido de alargar os conhecimentos, agregar informações. Enfim, é indiscutível o papel do STF neste momento da sociedade brasileira. 

VIII – Nesse contexto observo a jurisdição constitucional sob dois aspectos: o primeiro a “midiatização” da Justiça. Agora se vê em tempo real não só os fatos da vida social, mas também os julgamentos  através da TV- Justiça e até de canais a cabo, sendo retransmitidos. Abertamente pessoas  fora da atividade jurídica comentam, discutem, concordam ou  discordam dos julgados. Está ai o julgamento da Ação Penal 470, apelidada de “Mensalão”. Antes se aguardava a publicação no Diário Oficial e para mais detalhes a publicação da Revista Trimestral de Jurisprudência do Supremo. Hoje se consegue rapidamente pelos informativos que inclusive são citados antes mesmo da publicação dos acórdãos. Esta “midiatização” coloca os órgãos julgadores nas vitrines da via pública sujeitos a pedradas. Vivemos um novo momento que contribui para uma maior visibilidade do Poder Judiciário, especialmente dos Tribunais Superiores. 

                           O segundo ponto, e faremos um breve retrospecto das Constituições brasileiras, do caminho que desaguou na Constituição de 1988 alcançando um patamar que vem sendo muito discutido: “a judicialização da política e a politização da justiça”.  Na opinião de Manuel Gonçalves Ferreira, o patamar de hoje “não deriva meramente de motivos circunstanciais, pela mera coincidência de questões políticas que, em razão dos seus aspectos constitucionais, chegaram tumultuosamente aos tribunais, sobretudo no Supremo Tribunal Federal. Reflete, na verdade um fenômeno que é mundial … com efeito, pelo mundo a fora registra-se esta judicialização da política. Dela é, no Brasil, largamente responsável a Constituição de 1988. Ela atribuiu ao Judiciário, ao lado do seu papel tradicional de fiscal da legalidade, um novo, o de guardião da legitimidade”.

                       Na visão clássica da doutrina constitucional a separação dos poderes é “uma versão jurisdicisista” da lição de Montesquieu. Ou na lição de Pedro Lessa: o Poder Judiciário “tem por missão aplicar contenciosamente a lei a casos particulares”, ou ainda, ensina o velho mestre, “os principais caracteres do Judiciário são: a) funções de árbitro; b) só se pronuncia acerca de casos particulares, nunca sobre normas em abstrato e ainda menos sobre princípios; e c) não tem iniciativa, agindo quando provocado”.

                        Mas, já a Constituição de 1934 (embora no art.68, diga: “é vedado ao Judiciário conhecer de questões exclusivamente políticas”) deu os primeiros e tímidos passos (influência da Constituição de Weimar – “nova Europa”) na relativização da separação dos poderes. Podemos citar a institucionalização do Mandado de Segurança, da Ação Popular, um esboço da previsão de controle direto de inconstitucionalidade por parte do STF, afora a institucionalização da Justiça Eleitoral.

                      “O Mandado de Segurança permitiu não só que o juiz diretamente pusesse em causa ato de autoridade, para a defesa de outras liberdades além da de ir e vir (protegida desde antes pelo Habeas Corpus), como para a tutela de qualquer direito, mesmo não constitucional, nem fundamental. Para ensejá-lo, é suficiente que o direito seja ‘certo e incontestável’ ou como melhor se diria de 1946 em diante ‘líquido e certo’ (art.141§ 24)”.

                         A Ação Popular permitiu a todo cidadão a possibilidade de trazer para o âmbito do Judiciário a discussão da lesividade de ato do administrador público. Por óbvio a lesividade vai além da pura legalidade, isto permitiu ao juiz descer ao mérito da decisão governamental (houve interpretações restritivas, a partir dos anos 70 a jurisprudência alargou o conceito de ‘patrimônio público’). E ainda, cabendo liminar suspensiva nas ações populares, o Judiciário passou a interferir nas opções governamentais, proibindo construções, demolições, etc.

                         A Constituição de 1934 trouxe, também, o “primeiro tímido esboço de um controle direto de constitucionalidade – art.12 § 3º – intervenção federal nos Estados”.

                         A Constituição de 46 continuou de forma mais expressiva, como também a EC 16, de 1965, que deu nova redação ao art.101, I, k, sobre a “representação contra inconstitucionalidade de lei ou ato de natureza normativa, federal ou estadual, encaminhada pelo Procurador Geral da República. Estava assim consagrada a ação direta de inconstitucionalidade (isto teve natureza prática ante a demora para o controle incidental). Inclusive a  declaração de inconstitucionalidade em ação direta não vai ao Senado para a suspensão, perde a eficácia só pela decisão.

                        Outro passo foi a Lei 7.347/85 da Ação Civil Pública, destinada a fazer valer a responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico e paisagístico. Ora, na maior parte dos casos os danos são causados pelo próprio Estado e suas projeções (autarquias, empresas públicas, etc.).

                       A Carta de 1988, além da função típica de julgar, permitiu ao julgador maior autonomia diante a letra fria da lei, o que não cabia na doutrina clássica. Importou o devido processo legal, deu ênfase ao contraditório e à ampla defesa (art.5º LV). O magistrado pode inquietar-se sobre a razoabilidade da lei, a proporcionalidade dos encargos que acarreta – convém lembrar o artigo do Ministro Gilmar Mendes – A proporcionalidade na jurisprudência do STF, de 1994 e o voto do Ministro Carlos Velloso, na ADIn 1.105-DF. 

                          Veja-se também que por força do art.37, caput, da Constituição, pode-se verificar o cumprimento de Princípios – cujo conteúdo guarda dose de subjetividade: moralidade, impessoalidade, eficiência. Portanto, está bem expresso que o controle vai além da mera legalidade, chega ao da legitimidade dos atos praticados.

                           Outro ponto a destacar é a adoção do Mandado de Injunção previsto no art.5º, LXXI da CF que visa tornar possível o exercício de “direitos e liberdades constitucionais”, inviabilizado por falta de norma reguladora. Sua decorrência lógica seria o suprimento de lacuna, ou seja, a edição de norma (legal) regulamentadora. Há um problema de que decisões em tais mandados só poderiam recair em normas constitucionais completas, auto-executáveis. No mandado de injunção a Constituição deixa o Judiciário no limiar da legisferação.

                        Em 2007, no MI 708 (relator: Ministro Gilmar Mendes), o STF, em razão de omissão legislativa em regulamentar o direito de greve do servidor público, mandou aplicar a lei comum sobre a greve no setor privado. Esta decisão foi um passo à frente no sentido de assumir o papel legisferante e também no de sua politização.

Ainda no retrospecto da politização, é de se enfatizar a Lei 8.429/92, a Lei da Improbidade Administrativa que dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional.

                       Merece destaque a introdução pela EC n.3/93, da Ação Direta de Constitucionalidade. A princípio é estranho posto que a constitucionalidade é presumida. Além do que não aparece como uma verdadeira ação, mas “se torna uma espécie anômala de “sanção” judicial. “A lei de constitucionalidade duvidosa sai do Supremo sancionada como constitucional”. Viu-se em período pré-eleitoral a manifestação do Supremo quanto à constitucionalidade da Resolução do Tribunal Superior Eleitoral relativa à infidelidade partidária (quem é juiz eleitoral ou de Tribunal Eleitoral acompanhou o tema, chegou-se até a suspender o andamento dos processos de cassação aguardando a manifestação final do STF). Há um sentido prático que ganha força em nome mesmo da segurança jurídica. Inclusive para os magistrados ante os problemas que surgem e até o STF definitivamente apreciasse a inconstitucionalidade no curso normal de uma ação, levava muito tempo. Mas, frise-se, como bem observou o prof. Manoel Gonçalves Ferreira Filho, o papel do judiciário se torna acentuadamente de caráter político. No caso das ações diretas de constitucionalidade e inconstitucionalidade fazem dele ‘um legislador negativo’, enquanto que no caso do mandado de injunção e ação de inconstitucionalidade por omissão o tornam um ‘legislador ativo’.

IX – E como a justiça constitucional se apresenta, com esta nova face, na proteção dos Direitos Humanos? Tudo o que procuramos mostrar até agora foi para fincar os dois pilares sobre os quais chegaremos à resposta pretendida. Na primeira parte vimos como a Constituição atual trata os Direitos Fundamentais e  na segunda, qual o amplo e novo papel do Supremo Tribunal Federal neste campo dos Direitos Humanos. Claro que, havendo a Constituição de 88, dado um tratamento impar aos Direitos Fundamentais e estando STF incumbido também por ela de tão amplo papel, a conclusão torna-se evidente. O STF está tendo a oportunidade de dar a sua contribuição à afirmação dos direitos humanos fundamentais. Já me referi ao MI 708/2007, relativo ao Direito de Greve dos Servidores Públicos; lembro dentre outras decisões, a do benefício da prestação continuada para pessoas com deficiência (flexibilização do valor da renda “per capita” das familias; ao HC 82.959-7 SP, sobre a possibilidade de progressão de regime em casos de crimes hediondos; a ADI 3510 a possibilidade de realização de pesquisa com “células-tronco embrionárias”; ADI 4277/DF o reconhecimento como instituto jurídico das uniões homoafetivas; as demarcações de terras indígenas, etc. Como se vê há uma grande diversidade de matérias que a jurisprudência aponta.

                        Destacarei como caso emblemático e que está dentro da minha área de estudos: o da possibilidade ou não de prisão civil do depositário infiel e o Pacto de San Jose.

                           Devo lembrar que a Constituição de 1988, no § 2º do art.5º, dizia: os direitos e as garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime  dos princípios por ela estabelecidos, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

                         As dificuldades vêm de algum tempo com relação aos tratados internacionais e o STF.  Os internacionalistas brasileiros, na sua maioria, adotaram a teoria kelseniana, monista com prevalência do direito internacional. Como todos sabem, pela teoria kelseniana, a ordem jurídica interna deriva da ordem jurídica internacional como sua delegada. A posição era aceita pelo STF até que, em 1977, ao julgar o Recurso Extraordinário n. 80.004, modificou o seu ponto de vista admitindo a derrogação de um tratado por lei posterior. Encontram-se na jurisprudência do Supremo, com entendimento anterior, acórdãos de 1914 (Pedido de extradição 07/1913), na Apelação Cível 7.872, de 1943, com base no voto de Philadelpho de Azevedo; na Apelação Cível 9.587, no caso União Federal vs Cia Rádio Internacional do Brasil, de 1951, e, ainda, a Lei 5.172 de 25/10/1966, “os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna e serão observados pela que lhe sobrevenha” (CTN).

                      A tese da paridade entre tratado e lei federal foi formulada, em 1977, portanto bem anterior à Constituição de 88 e referia-se o julgamento a matéria comercial: conflito entre a Convenção de Genebra – Lei uniforme sobre letras de câmbio e notas promissórias e o Decreto-Lei n.427, de 1969, foi reiteradamente invocada pelo STF em casos versando sobre outras matérias.

                      Especificamente sobre o assunto “depositário infiel”, no julgamento do HC 72.131-RJ (22.11.1995), o STF, em votação não unânime, vencidos os Ministros Marco Aurélio, Carlos Velloso e Sepúlveda Pertence afirmou que “inexiste, na perspectiva do modelo constitucional vigente no Brasil, qualquer precedência ou primazia hierárquico-normativa dos tratados e convenções internacionais sobre o direito positivo interno”.

                       No mesmo sentido foram julgados os RE 206.482-SP (1998); HC 76.561-SP (1998), RE 243.613 (1999).

                     Sempre defendi posicionamento diverso acompanhando Cansado Trindade, Flávia Piovesan e outros internacionalistas, interpretando o § 2º, do art.5º da Constituição conferia hierarquia constitucional aos tratados e convenções de direitos humanos, com a observância da prevalência da norma mais favorável.

                       A EC 45, de 2004 introduziu um § 3º ao art.5º que diz: os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.

                      Este é um dos casos em que literalmente a emenda ficou pior que o soneto. Querendo resolver o problema, a redação do parágrafo não foi muito feliz. Não houve menção aos tratados ratificados anteriormente além de outros problemas de redação e interpretação.

                     Mas, o tema nunca deixou de freqüentar o STF até que no julgamento do HC 87.585-8 do Tocantins, foi reconhecido que a subscrição pelo Brasil do Pacto de São José implicou a derrogação das normas estritamente legais referentes  à prisão do depositário infiel. O relator foi o Ministro Marco Aurélio e merece ser lido o voto do Ministro Celso de Mello.

X – Ao concluir, tenho a convicção que STF poderá dar grande contribuição à proteção dos Direitos Humanos em nosso país, mas esta não é só tarefa da Corte Maior, como também de todos os magistrados que têm em nossas mãos, diariamente, processos onde podem, com firmeza empunhar a bandeira dos direitos humanos, pois estarão respeitando não só a dignidade do jurisdicionado, mas a sua própria como julgadores, que devem ser, acima de tudo, JUSTOS.


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