SOLENIDADE COMEMORATIVA DOS 25 ANOS DA SUBSECÇÃO DA OAB – ARCOVERDE
CÂMARA MUNICIPAL DE ARCOVERDE
DIA 23 DE OUTUBRO DE 2009.
TEMA: MANDADO DE SEGURANÇA: ALGUMAS MODIFICAÇÕES DA NOVA LEI
PALAVRAS DE: MARGARIDA CANTARELLI
Aceitei, com muita satisfação, o honroso convite da Subsecção de Arcoverde da Ordem dos Advogados do Brasil, secção de Pernambuco. Como sabem os senhores, integro o Tribunal Regional Federal da 5ª Região pelo quinto constitucional reservado aos advogados. A advocacia, atividade profissional que exerci por muitos anos, é para mim motivo de orgulho e guardo da profissão experiência valiosa que muito me tem sido útil para o meu desempenho na magistratura.
Pensei bastante qual seria o tema a abordar que tivesse alguma utilidade para todos, que trouxesse algo novo no Direito brasileiro. A minha escolha recaiu no Mandado de Segurança que recentemente passou a ser regido pela Lei 12.016 de 7 de agosto de 2009.
Além do aspecto da novidade, lembrei-me de que o Mandado de Segurança, como garantia constitucional, completa neste ano exatamente 75 anos (1934 – 2009) de sua instituição no Brasil.
Sabemos que até a Constituição de 1934 os casos de violações a determinados direitos eram garantidos pelo Hábeas Corpus que recebera, pela jurisprudência e doutrina, um alargamento na sua aplicação. Ficou conhecido como “a teoria brasileira do hábeas corpus”.
A Constituição Federal de 1934 que nos moldes da Constituição de Weimar de 1919, buscou transformar a democracia liberal em democracia social, valorizou os direitos individuais e estabeleceu no art. 113, 33:
“ Dar-se-á mandado de segurança para a defesa de direito, certo e incontestável, ameaçado ou violado por ato manifestamente inconstitucional ou ilegal de qualquer autoridade. O processo será o mesmo do Hábeas Corpus, devendo ser sempre ouvida a pessoa de direito público interessada. O mandado não prejudica as ações petitórias competentes”.
Assim, o Mandado de Segurança, na opinião de Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira é “uma garantia civil contra males da prepotência, com assento e nobreza constitucionais”.
O grande processualista pernambucano, meu mestre Pof. José de Moura Rocha, ensinava: “ constata-se ser o mandado de segurança fruto de evolução sócio-político no que diz respeito aos DIREITOS DO HOMEM” e referentes à garantia individual de se colocar (o indivíduo) contra ato abusivo ou ilegal de autoridade num aproveitamento do muito que tem sido feito em benefício do homem mesmo e pelos homens mesmos, através dos tempos e sem conhecer fronteiras”.
Foi, inicialmente, regulamentado pela Lei 191/1936. Mas, logo em seguida ocorreu o golpe do Estado Novo que excluiu o instituto da Constituição de 1937, ficando tão só na legislação ordinária. Em razão do governo ditatorial instalado no país, houve, evidentemente, uma atrofia do mandado de segurança. O Código de Processo Civil de 1939, regulou-o artigos. 319 a 331.
Com a redemocratização do Brasil, a Carta Constitucional de 1946 cuidou de reinserir o Mandado de Segurança no seu texto, no art. 141 § 24:
“ Para proteger direito líquido e certo não amparado por hábeas corpus, conceder-se-á mandado de segurança seja qual for a autoridade responsável pela ilegalidade ou abuso de poder.”
A Constituição dava uma amplitude maior ao Mandado de Segurança do que a prevista no CPC de 1939, sendo necessária uma regulamentação. Veio, então, a Lei 1533, de 31 de dezembro de 1951, vigente até bem pouco.
A Constituição de 1967 e a EC 69 mantiveram o Mandado de Segurança como garantia constitucional. A Carta de 1988 deu-lhe um tratamento especial procurando consolidar algumas conquistas que a jurisprudência já vinha reconhecendo. Diz o artigo 5º incisos LXIX e LXX:
LXIX – conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por hábeas corpus ou hábeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do poder público;
LXX – o mandado de segurança coletivo poderá ser impetrado por:
- partido político com representação no Congresso Nacional;
- organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados;
Embora a Lei 1.233/51 tenha sofrido diversas alterações legislativas (quer por outras leis ordinárias, pelo novo CPC 1973, pelos Atos Institucionais, pela revogação de tais Atos, etc) foi, sobretudo, enriquecida pelas Súmulas dos Tribunais Superiores e pela jurisprudência de um modo geral que desempenharam papel relevante na utilização do MS pelos operadores do direito brasileiro.
Agora começou a vigorar a Lei 12.016 de 7/8/1009 que revogou no seu art.29 toda a legislação anterior. A nova lei procurou adaptar as normas infraconstitucionais à CF88, num esforço de consolidação do que já estava assente e trouxe algumas inovações, nem todas muito felizes.
Escolhi, para nossa reflexão neste momento, algumas das modificações que terão reflexo no exercício da advocacia. Sei que todos conhecem bem as normas anteriores já que o Mandado de Segurança é ferramenta indispensável na defesa de direitos violados ou negados por autoridades públicas. Assim, vejamos.
As modificações trazidas pelo artigo 1º e seu § 1º são de meros ajuste à Constituição de 88 quando se referem expressamente à possibilidade do seu manejo por órgãos de partidos políticos e inclui as pessoas jurídicas. Mas, a primeira novidade expressiva está no § 2º do art. 1º:
“Não cabe mandado de segurança contra os atos de gestão comercial praticados pelos administradores de empresas públicas, de sociedade de economia mista e de concessionárias de serviço público”.
Esta é uma proteção muito grande às Empresas Públicas, Sociedades de Economia Mista e, sobretudo às Concessionárias impondo uma limitação à impetração do Mandado de Segurança quando sabemos que as Concessionárias muitas vezes abusam na gestão comercial em detrimento do interesse dos particulares.
Quanto aos casos de urgência, já estava prevista na lei 1.533/51 a possibilidade de utilização do telegrama ou radiograma como também que poderia o Juiz determinar fosse feita pela mesma forma a notificação à autoridade coatora. Agora, pela nova lei, no art. 4º e seus parágrafos, foram acrescentados o FAX ou outro meio eletrônico de autenticidade comprovada, igualmente ao magistrado é dado utilizar dos mesmos meios. O § 3º do art. 4º estabelece quanto se tratar de documento eletrônico a observância às regras da Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira – IPC-Brasil.
EXPLICAR AS REGRAS IPC- BRASIL
Chamo atenção para o prazo de apresentação da petição original que é nos 5 (cinco) dias úteis seguintes.
Com relação ao não cabimento do Mandado de Segurança, o art.5º da Lei 1533/51 indicava as hipóteses. Na nova lei, coincidentemente, no art 5º além das restrições existentes e mantidas, há uma novidade que amplia as possibilidades de impetração do MS, posto que não foi reproduzido o inciso III da lei anterior que dizia não caber MS:
“III – de ato disciplinar, salvo quando praticado por autoridade incompetente ou com inobservância de formalidade essencial”.
O art.6º da nova lei traz um ponto importante para os advogados, pois diz respeito à petição inicial que necessariamente terá que indicar além da autoridade coatora, a pessoa jurídica que esta integra, à qual se acha vinculada ou da qual exerce atribuições.
Portanto, passa a existir, como regra, um litisconsórcio entre a autoridade coatora e a pessoa jurídica.
EXEMPLO QUE SEJA BOM PARA ARCOVERDE
Dentro dessa nova concepção, o art. 7º, II estabelece que o magistrado ao despachar a inicial ordenará:
“ II – que se dê ciência do feito ao órgão de representação judicial da pessoa jurídica interessada, enviando-lhe cópia da inicial, sem documentos, para que, querendo, ingresse no feito”.
Observo agora outros pontos que são importantes para a parte impetrante e, conseqüentemente, para os advogados, seus patronos. Estão eles, no final do inciso III do caput do art. 7º e nos §§ 2º, 3º e 5º do mesmo artigo.
Está no final do III do caput do art. 7º que fica facultado ao Juiz exigir do impetrante caução, fiança ou depósito, com o objetivo de assegurar o ressarcimento à pessoa jurídica. Portanto, é preciso cuidado para não ingressar com uma lide temerária pois poderá acarretar prejuízos para o autor.
O § 2º, sistematizando e ampliando o contido na legislação anterior (introduzida pela lei 4.348/64 e art.170-A do CTN), traz as vedações à concessão de liminares, tais como: compensação de créditos tributários, a entrega de mercadorias e bens provenientes do exterior, a reclassificação ou equiparação de servidores públicos e a concessão de aumento ou a extensão de vantagens ou pagamento de qualquer natureza.
Quanto à proibição de liminar para a entrega de mercadoria e bens provenientes do exterior, creio que a jurisprudência dará a devida interpretação a este dispositivo uma vez que os casos são mais freqüentes do que se pensa relativamente a bens perecíveis que ficam retidos em armazéns de Alfândega em razão de movimentos grevistas. Além do tempo perdido pelo importador, há que se considerar os altos custos de armazenagem a serem suportados por quem não deu causa ao retardo na liberação.
Quanto ao § 3º, tem importante conteúdo, pois fica estabelecido que os efeitos da medida liminar, salvo se revogada ou cassada, persistirão até a prolação da sentença.
O § 5º é uma maneira oblíqua de ampliar as vedações à concessão de liminares e, portanto, importante para os advogados terem consciência delas:
§ 5º As vedações relacionadas com a concessão de liminares previstas neste artigo se estendem à tutela antecipada a que se referem os artigos 273 e 461 do CPC.
Atenção, senhores advogados, para os recursos cabíveis do indeferimento da inicial de um Mandado de Segurança. Se a decisão for de Juiz do 1º grau, caberá apelação; se for processo originário dos Tribunais, de ato de relator caberá agravo para o órgão competente daquele Tribunal.
Também é relevante destacar o disposto no § 2º do art. 10, que só admite o litisconsórcio ativo até o despacho da petição inicial. Assim, aqueles casos em que se colocava um impetrante para auscultar a manifestação do magistrado (“boi de piranha”), e, caso favorável, todos os que estavam na mesma situação (“surfistas”) viriam dela se aproveitar, não há mais espaço.
Tem sido uma tendência do legislativo, acatar uma nítida proteção aos interesses da Fazenda Pública. Exemplificarei (não esgotando) com duas vedações em detrimento do particular, explícitas nesta Lei. Uma delas está no § 3º do art. 10:
“ § 3ª A sentença que conceder o mandado de segurança pode ser executada provisoriamente, salvo nos casos em que for vedada a concessão da medida liminar”.
E o outro exemplo está no artigo 15 que mantém o disposto no art.4º da Lei 4.348/64, a conhecida “suspensão de segurança”. O Presidente de um Tribunal, a requerimento da pessoa jurídica de direito público interessada ou do Ministério Público e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas poderá suspender a execução de uma liminar ou de uma sentença. O pedido, se negado, poderá ser renovado, para fins de concessão de efeito suspensivo aos recursos (RESP e RE). E vai mais longe, quando permite a suspensão mesmo que julgado o Agravo de Instrumento pelo órgão fracionário competente do Tribunal (§ 1º do art.15). Isto acirrará os ânimos nos colegiados, onde todos são ciosos da sua função de jurisdição e não aceitam ter suas decisões suspensas, no mesmo grau, por um juízo político discricionário do Presidente.
Quando ao processo coletivo, a nova lei incorpora o que era reconhecido na Constituição, em outros textos normativos, nas Súmulas e jurisprudência.
“Art.21 O mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por partido político com representação no Congresso Nacional, na defesa dos seus interesses legítimos relativos aos seus integrantes ou à finalidade partidária, ou por organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há, pelo me nos 1 (um) ano, em defesa de direitos líquidos e certos da totalidade, ou de parte, dos seus membros ou associados, na forma dos seus estatutos e desde que pertinentes às suas finalidades, dispensada, para tanto autorização especial.
Parágrafo único: Os direitos protegidos pelo mandado de segurança coletivo podem ser:
I – coletivos, assim entendidos, para efeito desta Lei, os transindividuais, de natureza indivisível, de que seja titular grupo ou categoria de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica básica.
COLOCAR UM EXEMPLO QUE SEJA ENTENDIDO EM ARCOVERDE
II – individuais homogêneos assim entendidos, para efeito desta Lei, os decorrentes de origem comum e da atividade ou situação específica da totalidade ou de parte dos associados ou membros do impetrante.
COLOCAR UM EXMPLO QUE SEJA ENTENDIDO EM ARCOVERDE
No art.22 está determinado que a sentença fará coisa julgada limitadamente aos membros do grupo ou categorias substituídos pelo impetrante. E, ainda, o § 1º, é de importância para os advogados, pois o mandado de segurança coletivo não induz litispendência para as ações individuais, mas os efeitos da coisa julgada não beneficiarão o impetrante a título individual se não requerer a desistência de seu mandado de segurança no prazo de 30 (trinta) dias a contar da ciência comprovada da impetração coletiva.
Em razão dos efeitos, da extensão de uma liminar num mandado de segurança coletivo, o § 2ª do mencionada art. 22 impõe que a liminar só poderá ser concedida após a audiência do representante judicial da pessoa jurídica de direito público que deverá ser pronunciar em 72 horas.
Haveria muitas outras observações, como o incabimento de Embargos Infringentes e a não condenação em honorários advocatícios, mas permite a aplicação de sanções no caso de litigância de má fé (art.25).
Creio que para um momento festivo já lhes trouxe muitas preocupações pois, como advogados, manejam o Mandado de Segurança na proteção de direito líquido e certo dos seus clientes. Mas, apesar das dificuldades, não podemos perder vista que se trata de uma garantia constitucional precípuamente voltada para os cidadãos contra o que historicamente macula a vida da sociedades, o arbítrio do poder público.