ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL PARA AS MIGRAÇÕES – BRASILIA – BRASIL
ASSOCIAÇÃO DE JUIZES FEDERAIS – AJUFE
DIA E HORA: 5 DE DEZEMBRO DE 2018, ÀS 14,30 horas
BRASILIA – LOCAL:
PALAVRAS DE: MARGARIDA CANTARELLI
Prezados…. Tarciso Del Maso
I – Agradecimentos pelo convite
II – Cumprimentar o Dr. Tarciso Del Maso pela brilhante e elucidativa conferência. O tema não poderia ser mais atual – as Migrações! Tão atual quanto, lamentavelmente, permanente na História da Humanidade e que agora bate e entra mais fortemente pela nossa porta. Há pouco, eram os Haitianos, agora em quantidade maior, os Venezuelanos.
Eça de Queiroz em “Cartas Familiares e Bilhetes de Paris” tem um texto (um dos Bilhetes de Paris) sobre “As Catástrofes e as Leis da Emoção”, isto no final do século XIX, onde observava a intensidade da emoção em relação à distância (temporal e espacial) do fato. A notícia sobre um desastre na China ou na Hungria onde morreram várias pessoas, mas que só fora publicada uma semana depois em Portugal, já não emocionava tanto quanto a nota sobre uma jovem do mesmo bairro que quebrara o pé e todos os vizinhos a conheciam! Só que no mundo de hoje desapareceram as distâncias repito, temporais e espaciais, que alteravam as emoções. Atualmente, qualquer fato pode ser visto na nossa sala em tempo real. Da mesma forma que vimos emocionados a criancinha morta numa praia da Turquia, as balsas resgatadas no Mediterrâneo, também vemos diariamente os venezuelanos cruzando as fronteiras de Roraima! Todos procurando, sobretudo, sobreviver!
III – Muito oportuno esse Seminário neste mês de dezembro de 2018. Há exatos 70 anos – no dia 10 de dezembro de 1948, durante a 3ª Assembleia Geral das Nações Unidas, ainda em Paris, era aprovada a Declaração Universal dos Direitos Humanos, nascida do sentimento mundial e especialmente europeu ante as graves violações aos Direitos Humanos ocorridas naquela primeira metade do século XX. E uma das evidências era o deslocamento de pessoas e os fluxos migratórios ocorridos então (art.13 e seguintes). Uma questão me vem à mente: o que mudou nestes 70 anos?
IV – Com relação às Migrações, vejo Organismos Internacionais procurando atender aos migrantes; alguns Governos acolhendo os que chegam ao território do seu Estado; um voluntariado dedicado. Mas, os muros e as portas estão muito mais fechadas que abertas ao sofrimento e à dor dos migrantes. O problema é maior do que a capacidade dos receptivos de boa vontade.
V – Os povos nômades eram migrantes permanentes. Depois da fixação dos grupos sociais à terra, da organização da sociedade em Estados, as ondas migratórias – mobilidade humana – sempre ocorreram. As imagens mais antigas que recordamos de filmes históricos, eram aquelas filas indianas de prisioneiros escravizados. E nas imagens atuais? O cenário mudou muito?
VI – No Brasil estávamos acostumados às migrações internas – aos migrantes internos que deixavam uma Região para outra. Algumas ondas foram invisíveis. Quem já ouviu falar nos “combatentes” da borracha? Creio que muitos sequer compreenderam o art.54 das Disposições Transitórias da CF 88 e o art. 54-A, acrescido pela EC 78/2014.
As grandes ondas migratórias de Nordestinos para o Centro Sul, levados por adversidades da natureza (climáticas – as grandes secas), mas, sobretudo, por razões econômicas, para garantir a sobrevivência própria e da família. Estas me são conhecidas! Muitos foram tratados com discriminação: cabeça chata ou chamados pelo nomes do local de sua procedência, depreciativamente: as baianadas, os Paraíba, etc.
Estamos em Brasília, construída por migrantes que até receberam a denominação de “candango”, o que ficou associado à cidade.
VII – O próprio povo brasileiro é um mosaico de migrantes externos, ao longo dos 518 anos do início da colonização, por várias razões: o extermínio da população nativa, o colonizador, os africanos escravizados e, posteriormente, os de várias origens e nacionalidades, ora como mão de obra, ora fugidos de guerras, de conflitos internos, de catástrofes naturais ou por perseguições políticas, étnicas, religiosas. Mas não se pode encobrir, porque não traz novidade, é que dentro de cada uma dessas ondas, perpassam razões econômicas.
VIII – Além das Convenções Internacionais, há as normas internas que regem essas situações em nosso país, inclusive dispositivos da Constituição.
O Estatuto do Estrangeiro, vigente até maio de 2017, (Lei 8.815 de 1980) alterado pela Lei 6.964 de 1981 e regulamentado pelo Decreto 86.715 de 1981, era anterior à Constituição de 1988. Evidentemente que recebeu alterações pontuais para adequá-lo ao texto constitucional e acabou recepcionado pela Carta Maior. Mas, provinha de um período autoritário – um entulho autoritário – que necessitava de profundas mudanças.
As normas relativas à migração devem estar de acordo com o sentimento da sociedade.
Observa-se de início, a diferença de princípios entre a legislação vigente até recentemente e a nova lei. A anterior, tinha na Segurança e interesses nacionais seu fundamento determinante. Desde os seus primeiros artigos, está explicito:
Art. 1º: Em tempo de paz, qualquer estrangeiro poderá, satisfeitas as condições desta Lei, entrar e permanecer no Brasil e sair, resguardados os interesses nacionais.
Mais explícitos são os artigos 2º e 3º:
Art. 2º: Na aplicação desta Lei atender-se-á precipuamente à segurança nacional, à organização institucional, aos interesses políticos, sócio-econômicos e culturais do Brasil, bem assim à defesa do trabalhador nacional.
Art. 3º: A concessão do visto, a sua prorrogação ou transformação ficarão sempre condicionados aos interesses nacionais.
Já a nova Lei de Migração estabelece de forma enfática na Seção II – Dos Princípios e das Garantias:
Art.3º: A política migratória brasileira rege-se pelos seguintes princípios e diretrizes:
I – universalidade, indivisibilidade e interpendência dos direitos humanos;
II – repúdio e prevenção à xenofobia, ao racismo e a quaisquer formas de discriminação
III – não criminalização da migração
IV – não discriminação em razão de critérios ou dos procedimentos pelos quais a pessoa foi admitida em território nacional;
V – promoção de entrada regular e regularização documental;
VI – acolhida humanitária;
E mais a garantia do direito de reunião familiar; igualdade de oportunidade ao migrante e seus familiares; inclusão social, laboral e produtiva do migrante por meio de políticas públicas, etc.
São vinte e dois incisos só no art.3º
No art.4º, diz: Ao migrante é garantida no território nacional, em condição de igualdade com os nacionais, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, bem como são assegurados:
I – Direitos e liberdade civis, sociais, culturais e econômicos;
….. e mais dezesseis incisos!
IX – A Lei de Migração cuida de vários Institutos, impossível tratar de todos, mas tenho me dedicado a refletir sobre três deles: Deportação, Expulsão e Extradição. Dos três, os dois primeiros interessam mais neste momento – Deportação e Expulsão, inclusive porque chegam à Justiça Federal, dependendo da Seção ou Subseção Judiciária, até com muita frequência. A diferença é profunda entre a legislação anterior (Estatuto do Estrangeiro) e a atual Lei de Migração. Observa-se de partida a adequada colocação de cada um dos Institutos no texto da nova Lei, uma vez que a Deportação e a Expulsão estão no Capítulo V, dentre as Medidas de Retirada Compulsória, ao lado da Repatriação. Enquanto a Extradição aparece mais adiante no Capítulo VIII, entre as Medidas de Cooperação.
E o que se destaca, portanto no espírito da nova Lei (especialmente com relação à Deportação e Expulsão): a) o respeito à liberdade (a Lei anterior previa várias hipóteses de prisão, por exemplo, no art.61 da Lei 6.815/80 – o estrangeiro, enquanto não se efetivar a deportação poderá ser recolhido à prisão… ou no art.69- o Ministro da Justiça a qualquer tempo poderá decretar a prisão, no por noventa dias, do estrangeiro submetido a processo de expulsão); b) a ênfase ao contraditório com uma ampla defesa (papel da Defensoria Pública Federal); c) as hipóteses de aplicação da Deportação e, sobretudo, da Expulsão. A legislação anterior previa no art.65 que é passível de expulsão o estrangeiro que de qualquer forma, atentar contra a segurança nacional, ordem política ou social, a tranquilidade ou moralidade pública e a economia popular, ou cujo procedimento o torne nocivo à conveniência e aos interesses nacionais. Texto completamente diferente do art. 54 da nova Lei que trata de crimes previstos no Estatuto de Roma (TPI) ou crimes dolosos com trânsito em julgado, ainda examinadas a possibilidade de ressocialização; d) as hipóteses em que não se procederá a expulsão: o art.75 do Estatuto do Estrangeiro é bem restrito. Igual nas duas legislações em não conceder a expulsão quando inadmitida a extradição. Mas o art.75 é conservador em exigir casamento; em restringir a filho brasileiro, não considerando a adoção. Já o art.55 da Lei de Migração é mais amplo filho sob sua guarda ou dependência econômica ou socioafetiva ou tiver pessoa brasileira sob sua guarda; fala em cônjuge ou companheiro; resguarda a pessoa com mais de 70 anos que resida no país há mais de 10 anos, etc.; e) a nova lei proíbe a repatriação, a deportação e a expulsão coletivas.
X – A minha preocupação – daí a importância deste Evento – é que diante de tantos dispositivos novos – mais que isto, de um novo espírito da Lei -, se os agentes públicos estão a par, conscientes e absorvendo o espírito e os dispositivos da nova Lei. Claro que isto não se aplica à Magistratura, nem ao Ministério Público, à Defensoria Pública ou às Chefias da Polícia Federal. Conheço verdadeiros missionários da Defensoria Pública Federal completamente engajados em cidades de Roraima. Mas os que estão na ponta, nos Postos de Entrada do País, estão suficientemente esclarecidos? E as Políticas Públicas como consequência da boa aplicação da nova Lei, foram adequadamente elaboradas? estão surtindo efeito?
São compreensíveis as dificuldades no caso dos Venezuelanos, pelo grande número (embora bem menor do que nos países vizinhos) e entram através de uma fronteira longínqua. Mas, estamos diante de uma evidente crise humanitária – são seres humanos, nossos irmãos – e não se pode continuar assistindo pacificamente do sofá da sala de cada um de nós, como se fosse apenas um filme de triste ficção.