Poder, política y cultura

IX CONGRESO INTERNACIONAL Y C.L. DE ANTROPOLOGÍA IBEROAMERICANA  

TEMA CENTRAL: PODER, POLÍTICA Y CULTURA

DATA: 29 DE ABRIL DE 2004, 20:00 HORAS;

LOCAL: SALÓN DE ACTOS DE LA FACULTAD DE CIENCIAS SOCIALES – UNIVERSIDAD DE SALAMANCA

PARTICIPANTE: MARGARIDA CANTARELLI

TEMA DA CONFERÊNCIA: PODER, POLÍTICA E DIREITOS HUMANOS.

 […]

Senhoras, Senhores,

Que as minhas primeiras palavras sejam de cumprimentos aos organizadores deste Congresso e de agradecimento, o que ora manifesto, muito sensibilizada e até mesmo, com emoção, à Universidade de Salamanca e, de modo muito especial ao Diretor do Congresso, Professor Angel Espina Barrio pelo honroso convite que me encaminhou para participar deste “IX Congresso Internacional de Antropologia Iberoamericana”, sobre o relevante e sempre atual tema: “Poder, Política e Cultura”. 

                    E maior se torna a minha honra ao facultar-me falar neste mesmo solo de onde, séculos atrás, lecionou o dominicano Francisco de Vitória, um dos fundadores do Direito Internacional, matéria à qual tenho dedicado toda a minha vida acadêmica. Nesta Universidade de tão profundas contribuições à cultura e, particularmente, ao Direito, num campus que traz o nome de Unamuno não sei se o silêncio respeitoso soaria mais alto do que qualquer palavra que eu possa lhes trazer sobre temas que perpassam e ultrapassam os tempos, os momentos políticos e a consciência de cada povo.

Peço licença para iniciar prestando uma homenagem a Francisco de Vitória que de 1526 até a sua morte em 1546, exerceu a Cátedra de Prima Theologia, nesta Universidade de Salamanca. Considerado como o maior renovador da teologia na Espanha no século XVI deu importantíssimas contribuições também no campo do Direito. A ele, juntamente com Francisco Suarez, Alberico Gentili, Hugo Grotius, Samuel Pufendorf e alguns outros é outorgado o título de fundador e de  decêmviro do Direito Internacional, na expressão usada pelo internacionalista brasileiro Raul Pederneiras. 

                     As posições defendidas por Vitória há quase cinco séculos poderiam figurar em modernos compêndios, não só de Direito Internacional, mas especificamente de Direitos Humanos e de Direito Ambiental as quais, se não exibirmos a data da sua concepção, não destoariam das teses que hoje são debatidas e ainda não plenamente concretizadas – a defesa dos povos indígenas e do seu patrimônio natural. Certamente a partir delas poderemos encontrar as primeiras pedras para alicerçar o nosso pensamento relativo aos Direitos Humanos que iremos abordar.

                      Vitória põe os fundamentos de sua doutrina jurídica na natureza humana e nos fins do homem, que é a felicidade. Pôs em relevo que a comunidade internacional era fundada no Direito Natural, do mesmo modo o era a comunidade política que o Estado (respublica) representava. A legitimidade do poder (dominium), que incluiu tanto o poder civil como a propriedade privada, era independente de um título religioso.

O Direito Natural na concepção de Vitória reconhecia que a comunidade internacional resultaria da sociabilidade inerente à natureza humana que se estenderia a todo o gênero humano a que chamou de orbis – conjunto de Estados, povos e nações. O seu vínculo era o jus gentium. E o Direito das Gentes estaria concebido por Vitória num duplo sentido: como Direito universal do gênero humano, por um lado, na tradição romana; por outro, como Direito dos povos, das nações, nas suas relações recíprocas (jus inter gentes). Fica claro que para ele, embora o Direito das Gentes fizesse parte do Direito Natural, mas a vontade humana, expressa ou tácita, daria origem, por outro lado, a um Direito das Gentes Positivo, visto que o orbis teria o poder de decretar “leis justas e a todos convenientes”.

Sobre o grande Mestre, bem acentua Barcia Trelles, “todo en Vitória es fuerza espiritual [  ]; no resta del mismo una efigie; pasó entre nosostros como um espíritu; como se presintiese que la estela luminosa que trazó su vida, llena de generosidad, bastase a inmortalizar su recuerdo; fue un alma grande, una conciencia impecable; más que entre las pequeñeces de los hombres, vivió en el mundo diáfano de las ideas […] pasó silenciosamente por la vida, prolongando ésta más allá de la muerte, alargamiento específico de los espíritus predestinados a la eternidad”

Poder, Política e Direitos Humanos 

              O grande jurista Karl Loewnstein, na sua obra traduziada para o espanhol, “Teoria de la Constitucion”, inicia o primeiro capítulo “sobre la anatomia del proceso del Poder Político”, e põe como subtítulo “La enigmática tríada”. Diz ele:

“Los tres incentivos fundamentales que dominan la vida del hombre en la sociedad y rigen la totalidad de las relaciones humanas, son: el amor, la fe y el poder; de una manera misteriosa, están unidos y entrelazados. Sabemos que el poder de la fe mueve montañas, y que el poder del amor es el vencedor en todas las batallas; pero no es menos propio del hombre el amor al poder y la fe en el poder. La historia muestra cómo el amor y la fe han contribuido a la felicidad del hombre, y cómo el poder a sua miseria”.

A bem da verdade, nem sempre o amor ou a fé levam à felicidade humana ou o poder necessariamente à sua miséria. O uso ou o abuso de cada um desses sentimentos ou forças dará o grau positivo ou negativo dos seus efeitos. 

                     Mas, o que podemos constatar ao longo de toda a história da humanidade é a mística do Poder. Por um naco de poder mata-se, destrói-se, desconhecem-se irmãos, brutalizam-se as pessoas, tornam-se irreconhecíveis. A mística do Poder – especialmente do amor ao poder, consubstanciado em dois vetores: na ambição pelo poder e no apego ao poder – têm levado os seus detentores (governantes ou quem os exerça) a extrapolar os seus limites legais e legítimos conduzindo a verdadeiros desastres onde as grandes vítimas são sempre os indefesos, os impotentes ou os oprimidos. Isto quer no plano interno dos Estados, como num âmbito mais amplo da sociedade internacional. 

Mas, o que é o Poder? Loewnstein diz que “cualquier definición ontológica está abocada al fracaso, ya que la capacidad de percepción humana está confinada al resultado externo”. Trata-se de um dos fenômenos mais difundidos na vida social, pode-se dizer que praticamente não existe uma relação social na qual não esteja presente de qualquer forma, a influência de um indivíduo ou de um grupo sobre outro indivíduo ou outro grupo. 

Assim, a partir das mais repetidas e conhecidas noções de Poder, temo-lo como “a capacidade de impor a vontade própria, numa relação social”.  Ou de maneira similar, exprimiu Norberto Bobbio  entendendo “Poder como a capacidade de um sujeito influir, condicionar e determinar o comportamento de outro indivíduo”.

A tipologia clássica, transmitida ao longo dos séculos é a mesma que se encontra em A Política de Aristóteles que distingue três formas típicas de poder, fundando-se no grupo ao qual se aplicam: o poder do pai sobre os filhos; do senhor sobre os escravos e do governante sobre os governados. “São vários os critérios adotados para se distinguirem estas três formas de poder; o próprio Aristóteles assume o critério das pessoas para as quais se exerce o poder: o paternal em proveito dos filhos; o patronal para vantagem do senhor, o político em atenção de ambas as partes, que é o chamado “bem comum”.

Na realidade, embora todas as suas manifestações de poder sejam importantes para as partes envolvidas, tais como pais e filhos; patrões e empregados; mas o campo em que o Poder ganha o seu papel crucial é o da política porque diz respeito não a um grupo, mas a todos. 

        “Emprega-se o termo ‘política’, normalmente, para designar a esfera das ações que têm relação direta ou indireta com a conquista e o exercício do poder último (supremo ou soberano) sobre uma comunidade de indivíduos em um território”. Assim, o vínculo  entre governantes e governados no qual se dissolve a relação política principal é uma relação típica de poder. Tanto vivo este tema desde a Antiguidade, apresentando-se sob diversas formas, que do grego crátos (força, potência) e arquia (autoridade) nascem com as devidas combinações, os nomes das formas de governos ainda hoje usadas: democracia, aristocracia, oligarquia, e as palavras que foram usadas para designar formas de poder político: fisiocracia, burocracia, poliarquia, etc.

O Poder Político tem sido pesquisado, analisado ao longo da História por diversos autores. Contudo neste momento não poderia deixar de me referir à análise hoje clássica do Poder que fez Max Weber. Para este, as relações de mando e obediência que se encontram na política tendem a se basear não apenas em fundamentos materiais, ou em mero hábito de obediência dos súditos, mas também no fundamento da legitimidade. Do Poder legítimo extrai-se o conceito de autoridade. Weber especificou três tipos de poder: o legal, o tradicional e o carismático. O poder legal é característico da sociedade moderna, funda-se sobre a crença na legitimidade do ordenamento jurídico que define a função e os limites do detentor do poder. A fonte do poder é a lei, à qual ficam sujeitos não apenas aqueles que prestam obediência, mas também aquele que manda. “O aparelho administrativo do Poder é a burocracia, com sua estrutura hierárquica de superiores e de subordinados, na qual as ordens são dadas por funcionários dotados de competência específica”. Refere-se, ainda, Weber, ao Poder Tradicional, que se baseia na crença do caráter sacro, do “desde sempre”, e, a fonte é, portanto, a tradição que impõe vínculos aos próprios conteúdos das ordens que o senhor repassa aos súditos. Por fim, o Poder Carismático que está fundado na dedicação afetiva à pessoa do chefe, à força heróica, ao valor exemplar ou ao poder do espírito e da palavra. A fonte do poder se vincula ao que é novo, que não existia e quem comanda é verdadeiramente um líder (o profeta, o herói guerreiro ou um grande demagogo). O aparelho administrativo é escolhido com base no carisma, na dedicação pessoal, não se podendo falar numa burocracia estruturada previamente, nem corpo com funções específicas.

O poder, portanto, é um dos elementos essenciais em todos os setores do estudo da política, desde a análise das burocracias, ou mais genericamente das organizações, visto que é a sua fluidez por entre os seus diversos setores que dá vida às mesmas. Nas relações internacionais é um instrumento privilegiado de interpretação, sem sua análise torna-se impossível compreender o funcionamento, o equilíbrio ou o desequilíbrio do sistema internacional. É também imprescindível na apreciação das relações políticas nacionais e locais, consubstanciando-se num verdadeiro e grande mosaico, plural e multiforme da sociedade em todos os tempos. 

“Foi Joseph Schumpeter quem disse, certa vez, que grande parte das fantasias do espírito e das criações do intelecto desaparecem no espaço que varia de uma sobremesa a uma geração”. Todavia, algumas dessas fantasias são fadadas ao sempre. E têm sido grandes os esforços no sentido de reaproximar a Ciência Política da Teoria Jurídica, por intermédio de abordagens mais abrangentes, dotadas de metodologia própria, em condições de fornecer ao teórico os instrumentos de uma análise mais rica do próprio fenômeno jurídico-político.” Por essa via se terá, talvez, uma abordagem que  permita a síntese do que aqui se está buscando. 

Sendo o tema central deste Congresso  Poder, Política e Cultura, entendo que o seu fecho  deve conduzir à busca da efetividade. Ou seja, chegarmos ao “como” o Poder Político se auto-dotaria de mecanismos de absorção da cultura, em seus vários aspectos ou manifestações, como forma de sua própria legitimação. O ideal seria que  estivesse ínsito  na própria composição do Poder Político, através das respectivas Constituições nacionais, porém  não há uma homogeneidade na sociedade de Estados em que vivemos. Existem grandes diferenças nas variáveis que fazem a composição do poder político e um evidente e longo caminho ainda a percorrer, tanto no âmbito interno de cada Estado nacional quanto na própria sociedade internacional, agravando-se pelas incógnitas do porvir. 

O mundo vive um momento de transformações marcantes. Não só o desenvolvimento tecnológico que encurtou o tempo e o espaço, chegando neste muitas vezes até a eliminá-lo, como no mundo virtual. Novos meios de comunicações e informações nos levam a desafios inimaginados. Por isso, mas não só por isso, tais transformações avançam na estrutura da sociedade de Estados, atingem a sua institucionalização ou  marcham para a sua desinstitucionalização. 

            A vida ou a morte do Estado nacional, o surgimento de um super-Estado ou qualquer que seja uma possível nova forma de organização político-jurídica da sociedade internacional não elimina alguns dos elementos essenciais ao tradicional Estado nacional, pois são inerentes à própria sociedade e suas relações básicas. Se o território pode ser transformado (por anexação, fusão, etc.) a População – isto é, as pessoas com toda a sua carga de história e de cultura , e o Poder (desde o nível mais local até à soberania) como a relação governante versus governados, permanecerão sempre. Então, as questões que se põem são: de que forma? Como compatibilizar o Poder Político instituído ou a instituir-se com a salvaguarda para o povo dos seus marcos culturais?  Onde ficam as fronteiras da cultura? “Macdonaldizar-se” o mundo seria um genocídio cultural de tamanha gravidade quanto os demais crimes  praticados contra a humanidade.

               A solução buscada para esses desafios quer na realidade vigente, quer para um futuro ainda não claramente delineado só a vejo através do Direito. Reconhecemos que a composição do Poder Político no sentido da legitimidade, vem sendo gradativa – com avanços e retrocessos, nesta ou naquela parte do mundo – ao longo dos últimos séculos. E só estará suficientemente embasado se consolidado pelo Direito. Por isso comecei evocando Francisco de Vitória e sua obra, reconhecendo-o como um precursor. Será a norma jurídica o caminho da efetividade da cultura na essência do poder, quer ao enunciar os seus princípios, quer a garanti-los e, até mesmo a punir as violações feitas. As Cartas Constitucionais são o caminho mais seguro no âmbito interno do Estado nacional, e vejo no Direito Internacional dos Direitos Humanos pela sua dinâmica, pela chama sempre acesa que trás consigo, e pela sua força da permanente construção, indubitavelmente, o melhor veículo condutor para essa transfusão a nível internacional.  

Quando falamos em Direitos Humanos poderíamos tomar vários pontos de partida. Se aqui fiz, no campo doutrinário, uma justa referência à precursora e ousada obra de Francisco de Vitória, mas quando queremos buscar o ponto de partida normativo, na positivição, quase sempre nos fixamos nas Declarações de Direitos do final do século XVIII, tanto a Declaração de Direitos do povo da Virgínia de 1776,  como a Declaração francesa de Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, embora reconheça outros antecedentes remarcáveis.

Tais Declarações têm grandes méritos se analisadas com os olhos do seu tempo, mesmo em se tratando de normas nacionais, expõem ao mundo um sentido inovador e profundamente revolucionário da condição humana e da natureza do Poder Político. Com relação a este último, a meu sentir, trata-se da primeira grande conquista das Declarações oitocentistas, quando reconhecem o povo como o detentor originário do Poder Político. Diz a  Declaração da Virgínia:

“Sección 2 Que todo poder está investido en el pueblo y consecuentemente deriva de él: que los magistrados son sus mandatarios y servidores y en todo momento responsables ante él.

Sección 3 Que el gobierno se insdtituye, o debería serlo, para el provecho, protección y seguridad comunes del pueblo, nación, o comunidad; que de todos los varios modos o formas de gobierno, es el mejor aquel que es capaz de producir el mayor grado de felicidad y de seguridad y está más eficazmente asegurado contra el peligro de mala administracíon: y que, cuando un gobierno resulta inadecuado o contrario a estos principios una mayoría de la comunidad tiene el derecho indiscutible, inalienable e irrevocable de reformarlo, modificarlo o abolirlo, en la forma que se juzgue más conveniente al bienestar público.

A Declaração francesa de Direitos do Homem e do Cidadão,  é direta quando proclama no artigo 3:

“El principio de toda soberanía reside esencialmente en la Nacíon. Ningún cuerpo, ningún individuo puede ejercer una autoridad que no emane de ella expresamente.

E sobre a condição humana, reconhece:

Artículo 2 La finalidad de toda associaón política es la conservación de los derechos naturales e imprescriptibles del hombre. Estos Derechos son la liberdad, la propiedad, la seguridad y la resistencia a la opresión”.

Mas, a Declaração francesa não ficou apenas  em dizer que o Poder Político máximo – a soberania – era reconhecida como residindo no povo e não mais de origem divina (ou aceita como o poder tradicional, de Weber),  acresceu-lhe o direito de exigir as contas pela administração que em seu nome exercia. Embora governantes, mas mandatários do povo, este o verdadeiro detentor do poder político.

Artículo 15 La sociedad tiene el deber de pedir cuentas de su administración a todo funcionario público.

E foi além quando no artigo 16 estabeleceu os parâmetros maiores para o Estado, o Poder Político e a Constituição:

Artículo 16 Toda sociedad en la que no está asegurada la garantía de los derechos ni determinada la separación de los poderes no tiene Constitución”.

“As declarações de direitos, tomadas como universais ofereciam a promessa desejada de estabilidade na tutela de bens considerados primordiais, além de balizar o processo necessário de alteração das leis. Obviamente, a própria evolução dos Direitos Humanos se encarregaria de situar esta estabilidade na história, superando-se, por esta via, a tradição do jus naturalismo que procurava fundamentar os próprios Direitos Humanos a partir da ambigüidade oferecida pelo conceito de natureza humana”.

Costumam os doutrinadores chamar os Direitos Humanos consagrados nas Declarações oitocentistas de “primeira geração”. Expressão que vem sofrendo críticas acres de muitos autores e apresentadas outras substitutivas, como “primeira dimensão”. Na realidade, para mim, em nada altera o conteúdo o rótulo que se lhes dê, continuará sendo um conjunto de direitos individuais universalizados pela doutrina liberal que marcam a emancipação do poder político, a superação do Estado absoluto e religioso. Contendo as liberdades – políticas e civis (religiosa, de comunicação do pensamento e de opiniões, de falar, de escrever, de associação, entre outras) que se caracterizam exatamente pelo dever do Estado de apenas garanti-las, abstendo-se de interferir no seu exercício e sendo responsabilizado pelos excessos que venha a cometer. Nasceram com ela, princípios que foram consagrados em textos positivos posteriores, como o da igualdade entre os seres humanos, o da legalidade, o da presunção da inocência, o da capacidade contributiva, entre outros com bastante atualidade.

Ao longo do século XIX vê-se o surgimento de uma classe operária e de legiões de deserdados surgidas na esteira do modelo capitalista de desenvolvimento econômico que buscará a generalização de expectativas por igualdade social desencadeada por um novo processo de repercussões histórico-universais. Dessa cena nascerá uma segunda geração dos Direitos Humanos também conhecidos como os direitos sociais ou à igualdade como créditos do indivíduo em relação ao Estado e à coletividade, tais como: direito ao trabalho, à educação, à saúde, entre outros. “Tais direitos, econômico-sociais e culturais, estendiam a perspectiva de universalização ao usufruto de riquezas e bem-estar produzidos coletivamente”. Esses direitos exigiam uma nova postura do Estado, não mais absenteísta , mas agente, promotor .

Celso Lafer mostra uma certa contradição entre as duas categorias ou gerações de direitos, enquanto está claro que na primeira se buscava uma limitação dos poderes do Estado, os da segunda geração trazem como pressuposto uma ampliação desses mesmos poderes.

Norberto Bobbio lembra que “`as primeiras, correspondem os direitos de liberdade, ou um não-agir do Estado; aos segundos, os direitos sociais, ou uma ação positiva do Estado. Embora as exigências de direitos possam estar dispostas cronologicamente em diversas fases ou gerações, suas espécies  são sempre – com relação aos poderes constituídos – apenas duas, ou impedir os malefícios de tais poderes ou obter seus benefícios”.

Enquanto os direitos incluídos nas primeiras Declarações começaram a ser incorporados aos textos constitucionais por todo o século XIX (direitos políticos e civis), os de segunda geração só conseguiram inserir-se no século XX, a partir da Revolução Russa, de 1917 (com a Declaração de Direitos do povo trabalhador e Explorado); da Constituição Mexicana; da Constituição de Weimar, de 1919. No caso brasileiro, tais direitos só passam a ser formalmente reconhecidos com a Constituição de 1934.

             Devemos reconhecer, a evolução do constitucionalismo moderno alargando os capítulos relativos aos direitos humanos (de individuais a coletivos e difusos; de civis e políticos a sociais e culturais) a cada nova Constituição, especialmente naquelas que são fruto de um processo de redemocratização, sem esquecer das garantias necessárias à sua salvaguarda, com  ocorrido no Brasil com a Constituição de 1988, que ficou cognominada de “Constituição cidadã”.

Há, ainda, os Direitos Humanos de terceira geração, os chamados direitos difusos, de solidariedade. São direitos que têm como titular não o indivíduo, mas grupos humanos, como o povo, a nação, a coletividade regional ou étnica e a própria humanidade. Estariam entre eles o direito à autodeterminação dos povos, ao desenvolvimento, ao meio ambiente saudável e o direito à paz.

Mas, o desenvolvimento da bio-ciência, aliada à tecnologia, tem feito pensar em direitos de quarta geração, como os direitos e obrigações  decorrentes da manipulação genética  ou o controle de dados informatizados. Este é um campo que muito ainda há por percorrer.

No plano internacional o marco foi a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas, que trás um conteúdo abrangente de direitos humanos das duas primeiras gerações, dentro do possível e aceitável naquele ano de 48, tão próximo do final da 2a Guerra Mundial com toda a carga de tragédias humanas e modificação na divisão de áreas de influência e do poder político europeu e internacional.

Sendo uma Declaração teve o seu caráter cogente questionado ou mesmo negado por diversos Estados, que a consideraram apenas uma exposição de anseios indicativos, não obrigatórios. Daí ter partido as Nações Unidas para a negociação dos Pactos Internacionais, um de Direitos Civis e Políticos, de 1966, com 53 artigos, onde estão consagrados os direitos às liberdades (locomoção, consciência, religião, de expressar suas opiniões e à segurança, à reunião pacífica, à associação), direito à igualdade, à vida privada, à família, ao domicílio, à correspondência. Estabelece também os princípios da legalidade, da irretroatividade da lei penal, da presunção de inocência, a proibição de tortura, de penas desumanas, de prisão arbitrária. Reconhece o direito à igualdade das partes no processo, a serem ouvidas publicamente, e julgadas dentro de prazo razoável em processos conduzidos por um juiz dotado de imparcialidade e de independência. Estabeleceu a proibição da escravidão, servidão ou trabalhos forçados.

Mas, no seu artigo 27 deixa expresso:

“En los estados en que existan minorías étnicas, religiosas o lingüísticas, no se negará a las personas que pertenezcan a dichas minorías el derecho que les corresponde , en  común con los demás miembros  de su grupo, a tener su propia  vida cultural, a profesar y practicar su própia religión y a emplear su propio idioma”.

Na mesma data do Pacto anteriormente referido (16 de dezembro de 1966) foi votado pela Assembléia Geral das Nações Unidas, o Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Todavia, quanto à parte cultural mostrou-se modesto, com referências genéricas, tomando cultura quase exclusivamente como forma de manifestação literária ou artística. Salvo no art. 13, 1, relativo ao Direito à Educação, vai mais além, quando diz:

“Convienen asimismo en que la educación debe capacitar a todas las personas para participar efectivamente en una sociedad libre, favorecer la comprensión, la tolerancia y la amistad entre todas las naciones y entre todos los grupos raciales, étnicos o religiosos, y promover las actividades de las Naciones Unidas en pro del mantenimiento de la paz”.

Ao longo desses anos que nos separam dos textos a que nos referimos houve, a bem da verdade, conquistas com o reconhecimento  feito quer de forma direta quando asseguravam determinados direitos, ou indireta quando proibiam discriminações e recomendavam a tolerância entre os diferentes.

A Carta dos Direitos Fundamentais da União Européia utiliza as duas formas de reconhecimento. Estabelece diretamente, no art. 22:

“Art.22. Diversidade cultural, religiosa e lingüística

A União respeita a diversidade cultural, religiosa e lingüística”.

No art.21, sobre a  “não discriminação” é mais descritivo:

Art.21.1. É proibida toda discriminação fundada notadamente sobre o sexo, a raça, a cor, as origens étnicas ou sociais, as características genéticas, a língua, a religião ou as convicções, as opiniões políticas ou qualquer outra opinião, a vinculação a uma minoria nacional, a riqueza, o nascimento, a incapacidade, a idade ou a orientação sexual”.

                         Mesmo assim, ainda são insuficientes tais conquistas tanto no campo interno da maioria dos Estados nacionais, quanto na própria sociedade internacional para que a cultura esteja definitiva e indiscutivelmente inserida na composição do Poder Político. Embora longo este é o caminho a percorrer.

Senhoras, Senhores,

Foi difícil falar sobre esses temas num momento em que o mundo entre perplexo e atordoado parece descrer de princípios e valores que vinha cultivando com respeito e esperança, na busca da paz social e da paz entre as nações. Felizmente creio que esta ainda permanece  como o grande anseio da maioria dos povos da terra.  A sabedoria milenar extraída da mitologia nos conforta quando apresenta Eirene (Irene), a deusa da Paz, como filha de Themis, a deusa da Justiça. A paz, portanto, é filha da Justiça.

                Norberto Bobbio apregoava que “Direitos do homem, democracia e paz são três momentos necessários do mesmo movimento histórico: sem direito do homem reconhecidos e protegidos, não há democracia; sem democracia, não existem as condições mínimas para a solução pacífica dos conflitos. Em outras palavras, a democracia é a sociedade dos cidadãos, e os súditos se tornam cidadãos quando lhes são reconhecidos alguns direitos fundamentais; haverá paz estável, uma paz que não tenha a guerra como alternativa, somente quando existirem cidadãos não mais apenas deste ou daquele Estado, mas do mundo”.

É preciso continuar crendo, se comecei evocando Francisco de Vitória, me despeço com Unamuno e como ele também lhes digo:

“Id com Dios!

Aqui os entrego, a contratiempo acaso,

Flores de otoño (primavera), cantos de secreto.

!Cuántos murieron sin haber nacido,

desejando, como embrión, un solo verso!

¡ Cuántos sobre mi frente y so las nubes,

brillando un punto al sol, entre mis sueños,

desfilaron como aves peregrinas,

de su canto al compás llevando el vuelo,

y al querer enjaularlas yo en palabras

del olvido a los montes se me fueram!

[….]

Id con Dios, cantos mios, y Dios quiera

Que el calor que sacasteis de mi pecho,

Si el frio de la noche os lo robara,

Lo recobréis en corazón abierto,

Donde podáis  posar al dulce abrigo

Para otra vez alzar, de dia, el vuelo.

Idos con Dios, heraldos de esperanzas

Vestidas del verdor de mis recuerdos;

Idos con Dios, y que su soplo os lleve

A tomar en lo eterno, por fin, [un] puerto.


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