APOSIÇÃO NA S.J. DO RN DA PLACA COM O NOME – “MINISTRO JOSE AUGUSTO DELGADO”;
ENTREGA DO PRÉDIO ANEXO DA S.J. DO RN
ABERTURA DO NÚCLEO SECCIONAL DA ESCOLA DE MAGISTRATURA FEDERAL DA 5A REGIÃO
SEMINÁRIO 70 ANOS DO MANDADO DE SEGURANÇA
NATAL, 18 de junho de 2004.
PALAVRAS DE: MARGARIDA CANTARELLI
Senhoras, Senhores,
É com imensa satisfação que volto a esta Seção Judiciária do Rio Grande do Norte. Há poucos dias instalamos a Vara de Mossoró, no ainda provisório Fórum Ministro José Dantas, a primeira fora da capital, neste Estado. Agora, viemos a Natal – digo viemos porque aqui estamos vários integrantes do Tribunal Regional Federal da 5a Região, por múltiplas razões: a primeira delas é para visibilizar a decisão unânime do Plenário daquela egrégia Corte, quando acolheu a proposta dos Desembargadores Luís Alberto Gurgel de Faria e Marcelo Navarro Dantas de denominar este prédio: Ministro José Augusto Delgado; a segunda razão é a entrega do prédio Anexo, cujas obras estão concluídas, iniciadas que foram na gestão do desembargador Geraldo Apoliano, meu antecessor; a terceira é a abertura do Núcleo Seccional do Rio Grande do Norte da Escola de Magistratura Federal da 5a Região, presidida com a eficiência por todos conhecida do Desembargador Luís Alberto; e, ainda, para coroar tão auspiciosos fatos, a realização do oportuno “Seminário 70 anos do Mandado de Segurança”.
Assim, como se torna evidente há razões de sobra para que externe o contentamento de todos que integram o Tribunal Regional Federal e da Justiça Federal da 5a Região.
Interessante relatar que estávamos analisando, Estado a Estado, as propostas de nomes para os Foros que iriam abrigar cada uma das novas Varas que seriam instaladas em 2004, de acordo com a Lei 10. de novembro de 2003, quando chegamos ao Rio Grande do Norte. Tenho por hábito ouvir os naturais dos Estados quando o assunto diz respeito aos seus respectivos torrões, porque cada um, além do conhecimento tem o sentimento da sua terra. Iniciando, por óbvio, pelo Desembargador Ridalvo Costa, o nosso estimadíssimo Decano, que, com a sua conhecida simplicidade, declinara de qualquer referência à sua pessoa, uma vez que se sentia homenageado com o Fórum de João Pessoa. Ridalvo Costa, entendo, é merecedor de todas as nossas homenagens pelo muito que representa, fez, faz e fará pela Justiça Federal. Pensei, devo dizer, inicialmente no nome do Ministro Delgado para Mossoró até porque sabia que ele havia sido Juiz do Estado naquela Comarca. Avançando nas conversas, surgiu a proposta de denominar este Fórum como Ministro José Delgado; o de Mossoró, Ministro José Dantas e o de Caicó, cuja implantação da Vara está prevista para o início do próximo ano (2005), de Arakem Mariz. Confesso que fiquei surpresa ao saber que este prédio ainda não tinha um patrono. Não imaginava, vendo-o tão imponente, que ainda fosse pagão. Evidentemente que a proposta teve da minha parte a mais calorosa acolhida pela justíssima homenagem que representava, o que foi confirmado unanimemente pelo egrégio Plenário. O Ministro José Delgado é digno toda a nossa admiração e respeito. Todavia, não me alongarei nos elogios devidos, que serão sempre menores do que o homenageado, porque esta honrosa missão cabe ao Desembargador Marcelo Navarro, na ocasião do descerramento da placa alusiva, e não quero apropriar-me da incumbência ao mesmo delegada, mas apenas registrar ao em. Ministro José Delgado, o meu apreço e a minha satisfação nesta hora.
A entrega do prédio anexo, segunda razão deste evento,cuja área é de cerca de 3.500 m2, será destinado à Biblioteca, aos Arquivos, ao Núcleo da Escola da Magistratura e aos Juizados Especiais, bem expressa a preocupação com a dignidade das instalações e possibilidade de melhor acolhimento àqueles menos favorecidos que buscam, através dos Juizados Especiais, a casa e mão da Justiça, como a última esperança de ver o seu direito reconhecido. E por falar em Juizados Especiais quero cumprimentar efusivamente os Magistrados e os servidores que os compõem, pelo especial desempenho do mês de maio, uma vez que foi o maior pagamento da Região em junho, com 731 requisitórios, beneficiando 1222 pessoas, no valor total de R$ 7.271.187,52. Tivemos na Região 2.625 Requisitórios, sendo beneficiadas 4.634 pessoas, no total de R$ 22.872.054,92. Expressivo valor, pago nos seis Estados que compõem a nossa 5a Região, pobre e carecedora de recursos. Recursos, friso, que eram devidos, não se tratando de qualquer favor ou beneplácito.
Como havia registrado, as obras se iniciaram na gestão do Desembargador Geraldo Apoliano, as recebi bem adiantadas, e dei a devida continuidade, de tal maneira que hoje poderemos ver o prédio concluído. O importante entre nós é o espírito de continuidade, que nem sempre há nas esferas políticas, mas que deve ser dado às obras públicas que não têm donos, mas pertencem ao povo que as paga com os seus impostos, suor dos seus rostos. Devo elogiar, até porque foi anterior à minha gestão, o projeto moderno, marcado pela preocupação com as pessoas e com o ambiente, aproveitando desta terra a forte luminosidade que a faz brilhante e a brisa, docemente soprada, que vem lá do morro do Tirol.
Quanto à abertura do Núcleo Seccional da Escola de Magistratura Federal, idéia do Desembargador Luís Alberto, é mais uma conquista, extremamente positiva que, com muita satisfação, colaciono à gestão do Tribunal. A Escola de Magistratura, sob a sua Direção, tem desenvolvido atividades, não só na sede em Pernambuco (como o Curso para os Juizes Substitutos nomeados em decorrência do último concurso; o Encontro recente de todos os magistrados da Região; e a continuação da publicação da Revista), como também, através dos Núcleos já instalados em várias Seções Judiciárias, sendo o primeiro, o de Sergipe, bastante ativo, com diversas realizações, em cooperação com a Escola Estadual de Magistratura e a UFS. Tenho certeza que também este Núcleo do Rio Grande do Norte desempenhará papel de relevo na atualização dos nossos magistrados, além de poder servir à comunidade jurídica deste Estado.
Quanto ao Seminário que neste momento damos por iniciado, devo dizer que foi muito feliz a escolha do tema: 70 anos de Mandado de Segurança. Vi atentamente a programação e constatei que o assunto foi dissecado da melhor forma e escolhidos grandes expositores. Pensei então o que poderia adicionar, mesmo que brevemente, quando tudo já estava tão bem disposto!
Mas, se estamos celebrando os 70 anos do Mandado de Segurança, creio, “puxando a brasa para a minha sardinha”, que merece uma palavra a sua mãe, a Constituição de 1934, apreciada no seu duplo contexto histórico, nacional e internacional.
No primeiro, podemos vê-la como decorrente das aspirações que impulsionaram as Revoluções de 30 e de 32. Assim também entenderam Ronaldo Polleti, Waldemar Ferreira e Araújo Castro, o que não se distancia do pensamento do Prof. Paulo Bonavides. Quanto à Revolução de 30, ninguém nega a sua influência já que o seu lema era justiça e representação. Quanto à de 32, embora haja os que a vejam como Revolução Constitucionalista, mas há também os que a chamem de Revolução separatista.
Polleti diz que as “ideais mestras que governavam os espíritos dos homens com influência nos trabalhos constituintes, eram, de um lado, o binômio da propagando da Revolução de 30; do outro, a constitucionalização do país, cobrada por uma revolução derrotada pelas armas, mas cuja força espiritual iria marcar de forma indelével a política nacional”.
Na época falava-se em República Velha e República Nova, mas para que esta última pudesse tornar-se concreta era preciso uma Constituição que fosse fiel ao espírito e às aspirações nacionais.
No campo internacional, o mundo vinha de acelerar as suas transformações. O século XX (cronológico) se iniciara com a prevalência da técnica e da ciência sobre a cultura e a filosofia. Não tardou que a 1a Guerra Mundial, com suas conseqüências nunca antes imaginada, mostrasse a fragilidade do cientificismo. No campo político e econômico constatava-se que o “mundo do Estado liberal começara a ruir”, tomara-se consciência de que a felicidade imaginada por abstrações liberais não correspondia à realidade. E mais, a Revolução Soviética de 1917 surgiu com uma nova proposta de Estado, com um partido disciplinado, uma economia planejada e a presença da massa trabalhadora no poder (o que sabemos hoje não ocorreu efetivamente, mas era a proposta da época).
No campo jurídico podemos apontar a Constituição de Weimar, de 1919, que foi um dos paradigmas da Constituição de 1934, e que substituía a democracia liberal, institucionalizando a democracia social, onde a presença do Estado era maior. Do mesmo modo a Constituição da República Espanhola, de 1931.
Esse, em brevíssimas pinceladas, era o espírito que foi o berço da Constituição de 1934, por conseqüência grandes haveriam de ser as mudanças com relação à Constituição Republicana de 1891.
Devo fazer um parêntese para chamar atenção, especialmente neste Estado de Rio Grande do Norte de tão expressiva participação das mulheres do movimento sufragista, que a Constituinte de 1933 foi a primeira a ter representantes do sexo feminino, cujo direito de votar havia sido consagrado, pouco antes, pelo Código Eleitoral de 1932. Na eleição para os Deputados constituintes foi eleita Carlota Pereira de Queiroz, por São Paulo, ficando a líder Bertha Lutz (que havia sido assessora da Comissão de anteprojeto) na suplência pelo Distrito Federal, então no Rio de Janeiro. Mas, uma peculiaridade da Constituinte de 33, era a de que, além dos deputados eleitos, foi a única no Brasil que teve representação de 40 deputados classista, sendo: 17 representantes dos sindicados patronais; 18 dos sindicatos dos trabalhadores; 3 profissionais liberais e dois funcionários públicos. Dentre tais estava mais uma mulher – Almerinda Farias Gama, representante do Sindicato dos Datilógrafos e Taquígrafos, da Federação do Trabalho do Rio de Janeiro.
Como mencionei, a Constituição de 34 trazia como sua característica mais forte a introdução do constitucionalismo social, da democracia social, com alguns dos preceitos do que viria a ser chamado “welfare state”, ou como preferem alguns, do “Estado-social de direito”. Isto vale dizer, que além do Título relativo à Declaração de Direitos que estava consagrada nas duas Constituições brasileiras anteriores (1824 e de 1891) como em todas as Constituições desde o final do século XVIII (Declaração de Direitos da Virgínia e a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão) – os Direitos Políticos e Civis (hoje chamados Direitos Humanos de 1a Geração, ou 1a dimensão), havia mais dois Títulos – um sobre a “Ordem Econômica e Social” (do art.115 ao art.142) e o segundo “Da Família, da Educação e da Cultura”( do art.144 ao art.157).
O Prof. Paulo Bonavides observa que “pela primeira vez na história constitucional brasileira, considerações sobre a ordem econômica e social estiveram presentes. Uma legislação trabalhista garantia a autonomia sindical, a jornada de oito horas, a previdência social e os dissídios coletivos. A família mereceria proteção especial, particularmente aquela de prole numerosa. O Deputado Prado Kelly foi em larga medida o responsável pela inclusão de um outro item social, até então inédito: um capítulo especial sobre a educação”.
Como se depreende, mesmo antes da sua consagração definitiva no pós 2a Guerra Mundial, os direitos sociais, econômicos e culturais que apareciam na Constituição de 34, configuram os Direitos Humanos de 2a Geração, aqueles que exigem a ação afirmativa do Estado.
Neste quadro é bem próprio que o Título relativo à Declaração de Direitos seja subdividido em dois capítulos: um sobre os Direitos Políticos (nacionalidade, capacidade eleitoral, etc.) e o outro sobre os Direitos e as Garantias Individuais. Não bastaria que fossem reconhecidos direitos se não houvesse as correlatas garantias ao seu efetivo cumprimento, ao restabelecimento da situação anterior ou, ainda, a punição pela deliberada violação. Sem as garantias não passariam de textos retóricos, expressão de anseios, contudo faltando-lhes a possibilidade de torna-los efetivos.
O próprio Estado, por suas autoridades, não poderia ficar imune à apreciação dos seus atos se o espírito constituinte ia ao encontro do Estado democrático e de Direito.
Neste contexto é que dentre as garantias prevista no capítulo, está o Mandado de Segurança no art. 113, 33. Diz ele:
“Dar-se-á mandado de segurança para a defesa de direito, certo e incontestável, ameaçado ou violado por ato manifestamente inconstitucional ou ilegal de qualquer autoridade. O processo será o mesmo do habeas corpus, devendo ser sempre ouvida a pessoa de direito público interessada. O mandado não prejudica as ações petitórias competentes”.
Esta foi uma conquista fundamental no campo jurídico. Na verdade a Constituição de 34 manteve os avanços da Constituição de 1891 e ignorou a reforma de 1926 que, entre outras coisas, havia restringido a aplicação do Habeas Corpus.
Entendo, que se a Constituição de 34 teve efêmera vida, por força do advento do Estado Novo que outorgou a Constituição de 1937 (a Polaca), deve-se mais ao contexto internacional (especialmente europeu) da segunda metade da década de trinta, vésperas da 2a Guerra Mundial, período de autoritarismo crescente, do que aos seus utópicos (talvez) preceitos sociais.
No balanço das suas contribuições ao Direito brasileiro, vejo um saldo muito positivo, pois se perdeu a vigência pela força da violação às suas normas democráticas, deixou frutos indeléveis – como o Mandado de Segurança que hoje celebramos – e que ficaram impressos, cravados na consciência nacional, junto aos ideais de liberdade, de igualdade e de justiça social que continuamos permanentemente burilando com o cinzel das nossas ações e decisões impregnadas de compromisso com o presente e o futuro do nosso país.