Discurso amigos do Porto

Tribunal Regional Federal da 5ª Região

Data: Recife, 14 de abril de 2003.

Local: Sala do Tribunal Pleno

Palavras de: Margarida Cantarelli – Desembargadora Federal – Presidente

Prezadas Senhoras e Senhores da Associação dos Amigos do Recife e  da Associação dos Amigos do Porto,

É com grande satisfação que os recebo  – amigos do Recife, amigos do Brasil; amigos do Porto, amigos de Portugal, nesta Corte de Justiça que tenho a honra de presidir, pela generosa escolha dos meus Pares.

Permitam-me que, malgrado o aspecto solene próprio deste local – a Sala do Plenário deste Tribunal, lhes dê um tratamento menos formal, e que lhes transmita mais do que as boas-vindas protocolares.

Esta visita toma um sentido especial porque é o primeiro grande grupo – após a minha recente posse em 31 de março passado, que  vem a este Tribunal, e, especialmente por ser este Grupo do Porto e outras localidades do Norte de Portugal. Tão fortes são os nossos laços que nem sei se os considere visitas, pois os sinto como irmãos que vivem distantes, mas apenas no espaço. Separados por esse imenso mar, que logo mais iremos descortinar na sua amplidão, por onde há muitos séculos nossos antepassados – de vocês e meus – corajosamente o cruzaram para permitir tantas descobertas maravilhosas e, também, por que não? Para que hoje estejamos aqui nesta confraternização irmã.

Este intercâmbio de sentimentos e de pessoas que as nossas Associações – Amigos do Recife e Amigos do Porto promovem, tem um grande valor e deve ser incentivado por todas as Instituições, públicas ou privadas, dos dois países.

No mundo de hoje, temos o dever de apoiar os gestos de solidariedade, de cooperação e de amizade quando parece que tais sentimentos estão fadados a ser comprimidos pela força das armas e pelo desamor. Hoje chorei vendo as imagens do incêndio que destruía a Biblioteca de Bagdá, queimando livros que eram verdadeiros tesouros da cultura universal.

Tenho ido, sempre que posso, a Portugal e já participei de várias caravanas promovidas pela Associação dos Amigos do Porto. Como me sinto bem por lá e na sua Região norte onde tenho muitos amigos. Não pretendia agora particularizar, indicar localidades, contar fatos encantadores, visitas inesquecíveis para não cometer o que eu chamo o pior dos pecados que é o da omissão. Mas caí na tentação, pela vontade de lembrar – do Porto, com o Douro deslizando sob as suas pontes altivas – e ai está um dos pontos da irmandade das nossas duas cidades – os rios, lá o Douro, aqui o Capibaribe serpenteando pelo Recife; e mais, a Ribeira, os barcos rabelos e as suas adegas; o Palácio da Bolsa com o seu inigualável Salão Árabe; a Sé, a Igreja de São Francisco e a Estação de São Bento com seus azulejos; ah! Que saborosas são as tripas à moda e do movimentado São João, com suas sardinhas fumegantes espargindo um cheirinho tão bom quanto apetitoso.

   Mas, também não poderia esquecer da impressionante procissão em honra ao mesmo Santo, em Braga, onde parece que entramos no túnel do tempo passado, vendo as senhoras ostentando incontáveis cordões de ouro ao pescoço, o que seria impensável nas grandes cidades tão violentas de hoje e as crianças vestidas de anjos ou santos desfilando pelas ruas como se a fé houvesse estancado a agitação da vida atual. Sai da velha Sé que guarda relíquias da arte sacra e a pequena cruz da 1a. Missa do Brasil. Tem mais de religião católica no entorno, como o Bom Jesus do Monte e a N.S. do Sameiro.

      Mas, se descrevesse apenas a Povoa do Varzim, numa homenagem a Eça de Queiroz, e  Vila do Conde, terra de muitos amigos, e não me referisse a Viana do Castelo, onde as saboreia um delicioso cabrito e depois subir Santa Luzia para avistar até o mar; se contasse de Guimarães, berço da nacionalidade, com o seu Castelo e sua Padroeira, N.S. d’Oliveira, cuja invocação é o meu patronímico, e não fizesse menção à Igreja de nave octogonal de Barcelos e de sua feira; se falasse em Vila Nova de Gáia e suas praias e esquecesse de Matosinhos; se não contasse que me deliciei com os rojões à moda do Minho em Santa Maria do Bouro; e que me encantei, apenas apreciando, as jóias no estilo celta fabricadas por artesão de Ponte de Lima! Falar em Vila Real, ah! Miguel Torga, e esquecer o Peso da Régua, certamente estaria sendo muito injusta com os que não me referi, o que eu não gostaria. 

                         Por isso não posso descer para Aveiro, passear na ria e comer os ovos moles, nem parar em Coimbra, para visitar a Universidade e a sua Faculdade de Direito, nosso eterno referencial nas ciências jurídicas, ver a queima das fitas, pesquisar na Biblioteca Joanina. Coimbra, dos Pasteis de Santa Clara, do Penedo da Saudade, dos Choupais, do Mondego e do seu entorno; da Quintas Lágrimas – D. Inês de Castro e seu amor infeliz; nem Conimbriga e suas magníficas ruínas romanas; não vou a Montemor o Velho, comer arroz malandrinho ou a Mealhada dissecar um suculento leitão; subir ao Buçaco , passando pelas águas do Luso; não vou em Espimho, Esposende, Figueira da Foz, porque certamente me lembrarei de uma deliciosa sardinhada na Praia de Mira! É melhor terminar essas andanças afetivas pensando em Fátima, rezando a N.Senhora, cuja imagem que já havia no meu Gabinete de Juíza agora foi entronizada também na Presidência, para que acompanhe os meus passos e não permita que  as minhas mãos cometam injustiças.

                     Como estão vendo, devo ter deixado de lado tantos lugares e tantas coisas lindas, como Óbidos, Batalha, Alcobaça, Tomar, Nazareh e as mulheres das sete saias; Santarém, as belíssimas igrejas e o impressionante milagre da hóstia ensangüentada ou mesmo fazer uma visitinha a Pedro Álvares Cabral para agradecer-lhe pelo descobrimento do Brasil; passar em Almeirim onde se serve uma saborosa sopa da Pedra; na Serra da Estrela, a paisagem para os olhos e o queijo para o paladar, mas, ainda bem que este se pode saborear em qualquer lugar. Não vou passar por Évora, nem chegar a Lisboa, pois senão subiria a Alfama  para  ouvir os ecos da voz da Severa que o tempo não apaga, nos fados imortalizados por Amália Rodrigues.  Como eu gostaria de saber cantar: “Ai, Mouraria” ou “Nem às Paredes Confesso”!

O Recife, tenho certeza, os recebe de braços abertos. Aliás, Pernambuco inteiro, pois sei que estiveram em Caruaru, na nossa feira famosa, foram à Nova Jerusalém, viram a Paixão de Cristo, um espetáculo que comprova o esforço de um povo para reapresentar a cada ano a história mais bela da cristandade. Será que provaram da nossa carne de sol? Devem também ter visitado as nossas praias de águas mornas, tomado água de coco –  a água que batiza os visitantes e os traz sempre de volta. Passearam pelo Recife antigo, antigo para nós, para vocês nem tanto e as nossas Igrejas barrocas, que lhes são tão familiares. Quem sabe, subiram as ladeiras de Olinda – viram São Bento, a Sé onde está sepultado o nosso D. Helder Câmara, ou foram a Igarassu visitar o Convento de Santo Antonio, restaurado por Instituição portuguesa e a Igreja de Santo Cosme e Damião, a primeira edificada no Brasil em 1529. Certamente estiveram na Oficina do ceramista Francisco Brennand e no Castelo do primo Ricardo Brennand, que transformaram o bairro da Várzea num centro cultural. Vêm de visitar o Real Hospital Português, orgulho nosso, que contribui para elevar o Recife à condição de segundo Pólo médico do país, graças ao trabalho abnegado de tantos portugueses, como o sr. Alberto Ferreira da Costa, aqui presente.

Agora estão aqui e eu os cumprimento também em nome da Justiça Federal do Nordeste brasileiro, dos seis Estados que compõem esta 5a. Região –  aqui vêem as seis bandeiras que representam cada um deles: Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas e Sergipe. A nossa jurisdição se estende por uma larga área geográfico, com cerca de 25 milhões de habitantes, e com amplas atribuições, especialmente voltada para as questões federais.

Esta, Senhoras e Senhores, é uma Casa da Justiça, e como tal deve ser a Casa de todos que a procuram buscando assegurar  os direitos que têm ou procurando os que se consideram destinatários. Fazer justiça é o nosso mister.

A presença de vocês é um bálsamo para aliviar as preocupações, as tensões do trabalho incessante aqui desenvolvido. Fico feliz por recebe-los e espero que sintam em nosso Estado a mesma calorosa sensação que sentimos em Portugal, de estar entre amigos e de encontrar novos irmãos.

Sejam todos muito bem-vindos.

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