GABINETE PORTUGUES DE LEITURA
RECIFE, 10 DE JUNHO DE 2003
Senhoras, senhores,
Convidou-me o Gabinete Português de Leitura para participar desta festa, que a cada ano renovamos, de celebração da unidade e da identidade das Comunidades Portuguesas e aqui, especificamente, da Comunidade luso-brasileira.
Devo dizer, inicialmente, que para mim é mais que um prazer, é uma honra imerecida. Por isso agradeço, muito sensibilizada, ao convite sabendo das limitações para corresponder à missão que me foi confiada.
Muitos temas vieram à minha mente, há tantas coisas que se poderia cantar como pontos positivos e identificadores dessa Comunidade. Lourdes Sarmento, a minha amiga irmã, lembrou-me da literatura, ela sabe de algumas simpatias antigas pela poesia portuguesa. Mas, não ousei. Faltar-me-iam “engenho e arte”.
Outro dia, num programa de televisão, o nosso caríssimo João Alberto me fez uma pergunta que, confesso, deixou-me embaraçada. Mas, como toda pergunta merece resposta, na hora sai-me com uma razoável explicação. A pergunta foi: “de onde vem este seu amor tão grande por Portugal?”. Justifiquei com a Universidade de Coimbra – natural, Faculdade de Direito, a mãe de todos nós, a minha vida profissional. Nem João, nem os muitos telespectadores do seu Programa voltaram ao tema. Creio que os satisfiz. Todavia, fiquei eu mesma a matutar. Voltei ao passado, memórias antigas, e lembrei-me que aos 12 anos, em decorrência de um problema no joelho, fiquei algum tempo sem me locomover. E a busca natural para passar o tempo era a leitura, meu refúgio de sempre. Foi nessa oportunidade que me encontrei com Camões, com os Lusíadas e, por eles, com a epopéia portuguesa, as suas navegações, os seus descobrimentos. Cheguei a decorar o episódio do Gigante Adamastor. Foi então o meu primeiro alumbramento português que se fez permanente, pelos cantos e contos que se tornaram encantos.
Pensei nos Lusíadas, pensei também no “Mar Português”, achei que seria interessante enfatizar um dos aspectos, que me parece de extrema importância para a vida dos povos, dentro dos notáveis feitos portugueses e que está a merecer maiores encômios. Entendo até que estando o descobrimento do Brasil dentre os memoráveis do final do século XV, início do século XVI, nossa louvação tenha se voltado para esse fato.
Recordo-me que passando por Lisboa com os meus filhos, a minha filha então com sete anos, levei-os para ver o monumento aos Descobrimentos, perto da Torre de Belém. Procurei dar as explicações accessíveis, quando ela me perguntou: Pedro Alvares Cabral é vivo? Respondi que não, mas tive a curiosidade de saber o por que da pergunta. Ela retrucou, que gostaria de visitá-lo para agradecer o descobrimento do Brasil. Alguns anos depois, levei-a a Santarém, a fim de visitar o túmulo de Cabral para os agradecimentos desejados. Espero que não tenha sido a única visita sincera que ali depositou as suas flores.
Mas, se eu perguntasse agora aos presentes qual a grande contribuição portuguesa à culinária mundial, que me responderiam vocês? Seriam previsíveis: o bacalhau (a Gomes de Sá, a natas, a Zé do Pipo); o caldo verde, o leitão ou a doçaria: pasteis de Belém! Não estão erradas. Mas a maior contribuição foi sem dúvida – a salada de frutas. Como? Creio que num primeiro momento surpresos, vocês exclamariam. Apenas no primeiro momento. Todos sabemos, mas sequer nos lembramos de dar os louros a quem os mereceu. E é isto o que de forma simples pretendo recordar com todos nesta hora.
Sim, é o que José Mendes Ferrão chamou de “a aventura das plantas” e eu sempre chamei de “a salada de frutas portuguesa”. É o trasladar as espécies de uma região do mundo para outra, a sua aclimatação, a introdução na cultura local, orientando o aproveitamento e, ao mesmo tempo, deixando a criatividade e gosto de cada povo traçar outros usos. Essa contribuição tem de um valor imensurável na História econômica e social da humanidade.
O que seria de Pernambuco sem a cana de açúcar? Como haveria de ser a nossa paisagem sem o farfalhar da palha da cana, qual tapete de esperança cobrindo a topografia ondulada da zona da mata, sem mata. Como seria a nossa economia sem as moendas dos engenhos, nem os bueiros das usinas. Talvez mais justa. Quem sabe não teríamos os caçacos de engenho ou os severinos de João Cabral de Melo. Pernambuco sem o açúcar poderia até ser melhor, mas certamente não seria igual.
Já pensaram como passar um verão sem uma boa manga espada? Como criar os nossos filhos sem um suquinho de laranja ou uma bananinha amassada? Já imaginaram o “bolo de rolo” sem a goiabada e a “cartola” sem banana? Ou o queijo com mel, sem mel? Como sentar à mesa para o desjejum, ou “pequeno almoço”, mas que para nós é o “café da manhã”, sem café? Quase impossível!
Como seria pobre o resto do mundo sem o sabor da castanha de caju, do Cajueiro Nordestino de Mauro Mota? Que engraçado, a batata inglesa, não é da Inglaterra, o tomate (pomodoro – a maça de ouro) não é italiano, as bananas não são das “Republic Bananas” da América Central, nem da Martinica.
Eis o grande capítulo da História que precisa ser resgatado. Várias razões lançaram os portugueses ao mar. Seria longo analisá-las aqui além do que outros fariam bem melhor. Só me cabe constatar que içados ao mar venceram os desafios do desconhecido, dos perigos, das incertezas. Se faltavam meios, sobravam coragem e vontade.
“Navegar é preciso, viver não é preciso” – está dito tudo.
A História Clássica nos ensinou, desde os bancos escolares, que interrompido o caminho para o Oriente com Queda de Constantinopla, tomada pelos otomanos, haveria que se buscar uma nova rota, quer fosse contornando a África, quer fosse pelo ocidente, contornando o mundo.
E tudo começou com a comida – faltavam às mesas européias as especiarias das Índias: a pimenta, o cravo, a canela (e olhem que eles então nem conheciam a Gabriela, que embora fosse cravo e canela, na verdade era mesmo uma pimenta!). A noz-moscada, o gengibre e tantos outros produtos que complementavam o consumo europeu da época. Era urgente buscá-los.
Os portugueses já vinham se aventurando pelas costas africanas, com comércio bastante expressivo. A cada viagem, um pouco mais. Cabo Verde. Feitorias no Marrocos, Diogo Cão chega ao Zaire em 1485 e a percepção de que estava perto de encontrar a passagem para o Índico. As viagens de Bartolomeu Dias (1487), Vasco da Gama (1497), Pedro Álvares Cabral (1500), Duarte Pacheco Pereira (1504), Afonso de Albuquerque (1511), Álvaro Coelho (1515), Fernão de Magalhães (1521) conseguem chegar a Calecut – constatam que a pimenta tinha em toda parte; a canela vinha do Ceilão; o cravo (cravinho) e a noz-moscada de cinco pequenas ilhas do sudeste asiático –Ilhas Malucas ou do Maluco, de lá para Malaca e daí para Calecut, o gengibre de Cananor, panos de algodão vinham de Cambaia, etc. etc.
Mas, os navegadores também levaram, ao lado das mercadorias que tinham ido buscar, mudas de plantas e as espalharam por todas as partes do mundo.