Câmara Municipal de Lamego

CÂMARA MUNICIPAL DE LAMEGO – PORTUGAL

RECEPÇÃO PELO SENHOR PRESIDENTE

DIA 9 DE JUNHO DE 2008

PALAVRAS DE: MARGARIDA CANTARELLI

Senhor Presidente da Câmara Municipal de Lamego,

Senhor Presidente da Associação dos Amigos do Recife – Antonio Lopes

Caros companheiros do XXV Vôo da Amizade

Senhoras, Senhores (LAMECENSES E BRASILEIROS),

Em nome da Associação dos Amigos do Porto, instituição que tenho a honra de presidir, e de todos os integrantes do XXV Vôo da Amizade,

gostaria, sinceramente, de agradecer a Vossa Excelência pela gentil acolhida  ao nosso grupo, neste belo teatro restaurado recentemente por Vossa Excelência, nesta histórica e aprazível cidade de Lamego.

Como disse, senhor Presidente, este é o XXV Vôo da Amizade promovido, anual e ininterruptamente, pela Associação dos Amigos do Porto, instituição criada há vinte e cinco anos na cidade do Recife e se destina a cultivar os laços de amizade que unem cidades e pessoas, inicialmente as duas cidades geminadas – o Porto e o Recife, e as pessoas: portugueses, seus descendentes e brasileiros amigos de Portugal. Agora podemos dizer, sem sombra de dúvida, que a nossa Associação une o norte de Portugal e o nordeste do Brasil. Se por cá, a cada ano, ampliamos os nossos limites, procurando conhecer novas cidades e fazer novos amigos, do lado brasileiro também, pois neste grupo estão pessoas não só do Recife e Olinda, em Pernambuco, mas da Paraíba e do Rio Grande do Norte.

Seria extensa a lista dos lugares, dos encontros e das descobertas que fizemos aqui em Portugal, ao longo destes vinte e cinco anos, lembrarei apenas alguns poucos: Fátima, onde a fé católica tem a sua expressão mais alta; Guimarães, berço da nacionalidade e sua padroeira, N. S d’Oliveira, sobrenome tão comum entre nós; Braga, a sua Sé; Vila Nova de Famalicão, terra de Camilo Castelo  Branco, cujas obras são muito lidas aqui e como lá, dispondo de um centro cultural muito ativo nas pesquisas literárias; navegamos pelo Douro, até o Peso da Régua, subindo e descendo eclusas,  e ficou gravado em minha mente a força do verde da paisagem  refletido nas suas águas e quase não se percebia onde terminavam as vinhas e começava o rio.

Este ano, graças à fidalguia de V. Excia, temos a alegria de estar aqui para novos encontros, novas descobertas. Já admiramos o caminho, sentimos que deixamos o mar distante e pelas veias do Douro estamos chegando ao coração de Portugal.    

A paisagem exuberante daqui é diferente da nossa, do semi-árido do nordeste brasileiro, que tanto amamos, onde a terra seca, os cascalhos e a vegetação  rala parecem pedir aos céus que mande a chuva para fazer brotar o milho, o feijão e a mandioca pra sua gente comer e a babugem pros bichos que insistem em viver. Mas temos as praias, o mar – o mesmo mar oceano que foi o caminho, há 508 anos para que lá chegassem para o nosso primeiro grande encontro e há exatos 200 anos, toda a família real e nobreza portuguesa também por ele navegaram até o nosso país.

Mas temos semelhanças, por herança cultural, no barroco dos palácios e das igrejas, aqui algumas de tão antigas guardam a arquitetura românica, como Almocave, ou gótica de primeira fase, como a Sé Catedral, na construção primitiva, mas que foram recebendo ao longo dos séculos a contribuição de outros estilos, como o retábulo de São João Evangelista, da Igreja das Chagas, antigo mosteiro das clarissas, ou as Capelas de invocações tão ternas, como Nossa Senhora da Esperança e a de Nossa Senhora dos Meninos, estas três últimas da segunda metade do século XVI, com suas talhas barrocas, colunas roliças e torcidas, dos jacarandás do Brasil, aliado aos azulejos bem portugueses retratando as mais significativas passagens a vida de Maria, e deram quase-vida aos anjinhos alegres e gorduchos que o barroco alimentou.

Nós também temos muitas e belas igrejas barrocas, decoradas inicialmente por artesãos portugueses que ensinaram a sua arte aos nativos que  a enriqueceram incorporando motivos locais, embelezadas por painéis de azulejos que vinham servindo de lastro nas embarcações da época. São tantas, para lembrar umas poucas, no Recife, a Capela Dourada e a Conceição dos Militares (rococó), Basílica do Carmo, a Madre de Deus (recentemente reaberta depois de longos anos em restauração), a de São Pedro dos Clérigos (muito parecida com a Igreja de Barcelos, com  nave octogonal); em Olinda, citaria o Mosteiro de São Bento cujo altar mor, todo desmontado, foi  para Nova York, para uma exposição no Museu Gugennhein, sendo a peça mais visitada da exposição sobre o Barroco no Brasil, e numa excepcionalidade teve o prazo da exposição prorrogado; a pequena capela  de N.S da Misericórdia (rococó), além das erguidas nas cidades de Goiana, de Igarassu onde está a primeira igreja edificada no Brasil, em 1529, devotada aos Santos Cosme e Damião.

Visitaremos aqui, além da Sé Catedral, o Santuário de N. S. dos Remédios, cuja construção durou dois séculos e meio (1748 – 1905), com suas escadarias de 686 degraus – estilo Rocaille. Para subi-los, certamente não nos faltaria fé, mas talvez já nos falte joelhos, que o tempo desgastou. É lá, onde, a cada  setembro, na “Romaria de Portugal”, reacende-se a fé tão forte do povo português.

Mas aqui encontrei uma outra raiz  que estava guardada no baú das velhas lembranças, esmaecidas, da infância de cada um de nós. Do tempo das nossas mães-pretas, caboclas ou mulatas, fruto da miscigenação que a colonização portuguesa proporcionou e que deu origem ao inconfundível povo brasileiro, que nos contavam na hora de dormir. Eram histórias de príncipes, princesas, fadas madrinhas, reis e tesouros. Narravam coisas que seus olhos mortais jamais viram, mas com uma precisão que vem da pureza dos olhos da alma. “Era uma vez…” e lá iam contando e cantando histórias que ficavam sem fim porque adormecíamos antes do beijo que quebraria o feitiço. Era um tempo anterior à massificação das histórias infantis, de uns ratos e patos alienados, mas que conquistaram as crianças pela proeza tecnológica de dar animação aos desenhos, e vieram os “games” com figuras aterrorizantes e de nomes impronunciáveis para nós, mas que nossos netos conhecem e distinguem todos. Tenho dúvida se ajudam a florescer o imaginário infantil.  Pois é, amigas e amigos, especialmente os que são do meu tempo/etário, quem não se lembra da história das mouras encantadas?

Era uma vez um Castelo de um rei mouro que temendo ser destronado por D. Afonso Henriques, resolveu fugir com a sua fada-feiticeira. Mas, sem poder levar suas lindas filhas, a fada as encantou com o bálsamo do encantamento de duração eterna, do qual só viriam a despertar quando o pai retornasse. Para preservá-las e ao seu tesouro, o rei mandou construir três túneis e colocou na porta de cada um, uma legenda – a peste, o tesouro e o encantamento, mas com uma advertência “cuidado, as legendas estão trocadas”.  Viajaram o rei e fada, mas vindo a morrer em Tagira, não mais retornaram permanecendo até hoje as três mouras encantadas, a espera de um cavalheiro corajoso que enfrente os riscos, para salvá-las.

Não sei se de outros Castelos se contam esta mesma história, mas sei que é no de Lamego que ela é repassada às novas gerações. 

Senhor Presidente,

Renovando os nossos agradecimentos, partiremos para novas descobertas, também da Serra das Meadas onde divisaremos o Douro serpenteando entre os plateau e suas vinhas; saboreando um bom bacalhau, provaremos o vinho espumante famoso desta região, e voltaremos ao Porto sabendo que nos enriquecemos com tudo que aqui vimos e acrescentamos muito mais  a esta nossa cruzada que completa vinte e cinco anos de afeto, de solidariedade e de comunhão entre os nossos países, mas, sobretudo, entre os nossos povos irmãos. 

Obrigada a todos pela atenção.


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