Sessão Magna para a Celebração dos 108 anos da Universidade

UNIVERSIDADE DO PORTO – PORTUGAL

SESSÃO MAGNA PARA A CELEBRAÇÃO DOS 108 ANOS DA UNIVERSIDADE

CIDADE DO PORTO, 22 DE MARÇO DE 2019

ORADORA CONVIDADA: MARGARIDA DE OLIVEIRA CANTARELLI

Excelentíssimo Senhor Presidente da República, Marcelo Rebelo de Souza,

Magnífico Reitor, Antônio de Sousa Pereira,

Caros Professores e estudantes desta Universidade,

Senhoras, senhores,

É uma grande honra para mim que a voz que se ouve a celebrar os 108 anos desta Universidade venha do outro lado do Atlântico e no mesmo português da nossa língua comum.

E isto traz um conteúdo simbólico muito forte porque graças à coragem e à capacidade desbravadora portuguesa – ó gente ousada mais que quantas, bradava o Adamastor, podemos dizer desde o século XVI – o mar nos une! E mais que o mar, nos une a cultura.

Se isto é uma verdade há mais de cinco séculos, é preciso refletir olhando um pouco mais para trás para perceber a aguda ousadia e senso de oportunidade do povo português. Dentre as suas muitas qualidades, aponto duas que entendo devam ser mais largamente enaltecidas pela relevância dos feitos para todo o mundo.

                     Sobre a primeira, ressalto que cheguei faz uma semana do Irão, melhor dizendo, da velha Pérsia, onde fui fazer um trecho de uma das Rotas da Seda – estive em Meybod, Kashan, Yazd, Shiraz, Esfahan, sem deixar de visitar Passárgada – numa homenagem ao poeta recifense, Manoel Bandeira, e Persépolis – numa reverência à própria História da Humanidade. As atuais estradas seguem exatamente os caminhos do passado, atravessando os mesmos desertos, o que nos permitiu conhecer diversas Caravanserain, pontos de apoio às Caravanas. Algumas simples no adobe da região, outras restauradas com o esplendor e o fausto do seu tempo. Então, tive a exata noção do que significou a interrupção desses caminhos pelos Otomanos e da oportuna competência portuguesa de substituir as rotas terrestres pelas Rotas Marítimas – contornando a África ou contornando o mundo. Os livros escolares, pelo menos os do Brasil, são demasiado simplistas limitando a busca de um novo caminho para as Índias como a necessidade de aquisição de especiarias e que nesse afã, ocorreu o nosso descobrimento. Isto é tão pouco diante do que realmente existia: além de um comércio muito mais amplo, a partir da própria seda e de diversificados e valiosos bens que vinham de muito mais longe, deve ser enfatizado o intenso intercâmbio cultural que as Caravanas transportavam. Ficarei em leves traços do que encontrei – a literatura persa – não só as Histórias das 1001 noites, mas os seus poetas, Hafez, Sadi, Omar Khayan (também matemático e astrônomo) com os versos do Rubayat que se popularizaram por toda parte! Surpreendeu-me identificar traços góticos em Mesquitas e saber que a cúpula do Duomo de Florença, construída por Brunelleschi, teve como modelo a da Mesquita da Sexta-feira (KhajeNizamolMolk), em Esfahan. Para não ir mais longe, inclusive na observação de símbolos do século XIII que ressurgiram na Europa no século XX, lembremo-nos simplesmente das nossas janelas, por onde até hoje o ar e a luz passam ou são retidos através de persianas ou por venezianas! Pérsia ou Veneza! Era uma rota de encontro de dois mundos: oriente e ocidente, de mundialização! E foi este o ponto fundamental que os portugueses não deixaram se esvair – corajosos e safos – assumindo por primeiro os meios de preservá-lo e de ampliá-lo! Foram às fontes: Índia, Indochina, Taprobana, China, ilhas do Japão. Os descobrimentos eram previsíveis e desejáveis – de Sagres, o Infante já começara a rasgar os mares! Pois, se mais mundo houvera, lá chegara!

E vem a segunda qualidade. Estando no Oriente, tiveram os portugueses a percepção de um futuro, que outros povos não se detiveram, de que poderiam eficazmente mundializar algo mais permanente que a seda, os tapetes ou a porcelana. Trasladaram para o seu Império Atlântico, para o qual se voltariam, as plantas que lá encontraram, mudando o cenário, a face e o destino de várias regiões, especialmente do Brasil.

                    Não imagino o meu Pernambuco sem o farfalhar das verdes palhas dos seus canaviais; sem o açúcar que moveu por séculos a sua economia e foi objeto de cobiça por povos que não levaram a cana para lá. Pernambuco sem os Banguês, os Engenhos e as moendas, sem as sinhás e os sinhôs, poderia até ser melhor, mas nunca seria o mesmo porque faltaria o doce cristal que a nossa alma acalanta. Os nossos pomares só teriam a graça dos cajueiros com cajus – amarelos ou vermelhos, sem que se saiba o porquê! Mas lhes faltariam: as mangas perfumadas, de tantas variedades; o mamão; a jaca; a laranja; as pencas de bananas! Sem graviola, sem sapoti, sem tantas delícias que o açúcar e o coco pelas mãos brancas, negras ou nativas transformaram em preciosa doçaria nas cozinhas das Casas Grandes.  Gilberto Freyre, no seu livro Açúcar, que este ano completa 80 anos da sua primeira edição, já o cantava como uma das grandezas da nossa terra. 

                    A História narra guerras, revoluções, alianças feitas e rompidas, ambições descabidas, mas não enaltece suficientemente essa pacífica e definitiva contribuição à Humanidade. A essas e as outras qualidades portuguesas, eu reverencio com profundo respeito.

Mas, vivemos um novo momento na História. Cruzamos várias Idades – ultrapassamos a Modernidade, a Pós Modernidade e agora entramos no que alguns chamam de Pós Verdade. Eu prefiro chamar de Pós Certezas! É um momento de relativização de dois conceitos que tínhamos como certos: TEMPO & ESPAÇO. Esse dualismo que calcava muitas ciências, hoje nos foge qual a água entre os nossos dedos, graças à própria tecnologia, às vezes, desconcertante. 

                          E isto atinge fortemente a nós, pobres juristas, que ficamos procurando substituições para o “quando” e o “onde” que nos permitiam, com segurança, validar atos, contratos, negócios, fixar prazos, responsabilidade, danos e muito mais. Até a assinatura como garantia do cumprimento das obrigações pactuadas e a fidedignidade do ato, agora é aposta eletronicamente por uma senha de algarismos aleatoriamente escolhidos! Como amenidade, mas com um fundo de verdade, digo aos amigos penalistas, que o Princípio da Territorialidade em que tanto se apegavam, evaporou-se! O iter criminis em muitos casos já não é mais possível traçar – o lugar do crime? Nas nuvens, num mundo etéreo? Temos o resultado sem saber de onde proveio o ato!

Mas tudo isto vem a propósito dos 108 anos desta Universidade que ora celebramos. Poderia parecer um tempo curto para que uma Instituição de ensino e pesquisa fosse tão reconhecida nacional e internacionalmente. Mas não o é. Exatamente pelo lado positivo do manejo do binômio tempo & espaço. Pois, ao avaliarmos uma Instituição de tal grandeza é imprescindível inserir outros parâmetros, além do seu caminho secular e luminoso, como: a qualidade e utilidade do que faz e a interconexão com as congêneres. A pesquisa compartilhada multiplica os resultados. A mobilidade e o intercâmbio discente alargam os horizontes. A superação do enclausuramento pela cooperação gera um enriquecimento docente inigualável o que não se cogitava no passado quando cada um pensava que dominava completamente, do cimo da sua cátedra, todo o conhecimento na sua área.

Esta Universidade se adequou aos novos tempos e correspondeu com resultados palpáveis aos desafios atuais – os prêmios ora concedidos são a prova disto! Parabenizamos efusivamente o Reitor desta Casa, todos os dirigentes que formam a sua equipe – numa real congregação de professores, alunos e funcionários em torno dos mesmos objetivos. É assim que se contribui para um mundo melhor onde os compromissos com o todo superam o individualismo e o personalismo. À Universidade do Porto os cumprimentos e a admiração de todos nós.

Mas, apesar de tantos desafios do mundo pós-certezas, há algumas PERMANÊNCIAS posto que inerentes à natureza humana, como – os SENTIMENTOS. E é, sobretudo, o sentimento que me move nesta hora. Venho do Recife, cidade irmã do Porto, geminadas não só por deliberação dos seus dirigentes há 35 anos, mas por vontade de sua gente, desde sempre. Isto muito se deve à proveniência do Norte de Portugal, da maioria dos portugueses que foi se plantar no Recife, em Pernambuco. Usei propositadamente o verbo PLANTAR, não disse se estabelecer, nem mesmo residir. Porque plantar é criar raízes, é crescer, é dar frutos, inserir-se no ambiente com harmonia, identificando-se plenamente. E vejam como uma palavra explica e mostra a diferença. Quando nos referimos aos italianos ou japoneses em São Paulo, dizemos que há uma grande Colônia Italiana, com bairros quase exclusivos ou que a Colônia Japonesa comemorou há pouco os 100 anos do início da imigração; quando falamos no Paraná, podemos afirmar que no centro de Curitiba há Missas celeradas em Polonês para atender à Colônia Polonesa ali residente. No Recife não se diz assim – se fala na COMUNIDADE PORTUGUESA! Até porque nos orgulha que a primeira mulher governante nas Américas, tenha sido D. Brites de Albuquerque, esposa do donatário da Capitania de Pernambuco, Duarte Coelho Pereira. Considerada uma grande administradora, na sua bagagem trouxe uma variedade de cana conhecida na Índia sob o nome de “Puri” e que encontrou no nosso “massapê, o solo ideal para a sua floração”, aumentando a produção; que o primeiro Engenho pernambucano completo tenha sido instalado por Jerônimo de Albuquerque, seu irmão, no mesmo ano que lá chegaram (1535)!

                  Orgulha-nos que daqui do Porto tenha ido Dias Cardoso lutar contra o invasor holandês e que usou pela vez primeira na Batalha do Monte das Tabocas, a estratégia hoje conhecida como guerra de guerrilha, levando à derrota um Exército bem maior em número de combatentes e mais forte em armamentos. Por tão extraordinário feito, passou ao imaginário popular que a vitória fora de Santo Antão, cuja devoção veio com o fundador da vila, Antônio Diogo de Braga, natural da Ilha de Santo Antão, em Cabo Verde.  Assim, reza a lenda, que a figura encoberta que à noite distribuía saquinhos de pólvora aos nossos soldados, só poderia ser o padroeiro Santo Antão! E por firmemente acreditarem, foi acrescentada ao nome da vila, a palavra vitória: Vitória de Santo Antão, como ficou denominada para sempre.

Orgulha-nos que depois da Faculdade de Direito do Recife, de 1827, foi o Gabinete Português de Leitura, de 1850, a Biblioteca aberta ao público fora dos Conventos, permanecendo até os dias de hoje e que muito contribuiu para a formação cultural dos estudantes e pesquisadores locais. Que o Real Hospital Português de Beneficência em Pernambuco, de 1855, que todos na cidade tratam afetivamente apenas como “o Português”, seja o maior hospital do norte e nordeste do Brasil.

Se as cidades do Porto e do Recife se assemelham pela forte atividade portuária do passado e que as fez crescer; por terem cada uma o seu rio: aqui o Douro, lá o Capibaribe, que as cortam serpenteando entre suas margens, cruzados por pontes altas ou baixas que ligam lugares e pessoas, como não estariam unidas por suas Universidades?

E esta identificação que fortalece os sentimentos e os saberes, há 24 anos, dentro dos sonhos de alguns, levou a que se buscasse uma rota inversa, criando uma Casa de Pernambuco na Universidade do Porto. Projeto arrojado, grande entusiasmo no momento da Pedra Fundamental. Mas, com o passar do tempo, mudaram os dirigentes e a percepção do empreendimento; deterioraram-se as condições econômicas da nossa parte. E o Projeto teria caído no esquecimento se não fosse a obstinação e o altruísmo do empresário Zeferino Ferreira da Costa que tomou a si o encargo de concluir a obra.

Agora temos a Casa prestes a ser inaugurada. E há um excelente projeto para a sua utilização e gestão, traçado pela competente equipe do Reitor Antonio de Sousa Pereira. Embora se guarde a alma original de Casa de Pernambuco, e assim o será, é de se ampliar o seu escopo para abarcar um sonho maior e mais ambicioso, de torná-la um espaço compartilhado e dedicado à nossa mãe comum, a LINGUA PORTUGUESA. Temos a consciência de mais esse grande feito de espalhar o nosso idioma por todos os quadrantes da terra, e que nós brasileiros contribuímos com 220 milhões de falantes. A Casa será mais um ponto de estudos e difusão da unidade na diversidade da nossa cultura lusófona. Os nossos autores, antigos e modernos, a nova produção literária que vem se destacando por sua boa qualidade, tornar-se-ão mais acessíveis em livros físicos ou por outras mídias. Será um espaço para a troca de saberes, de sonhos e de consolidação de um legado. E assim, virá ao encontro do nosso destino comum – que a LINGUA PORTUGUESA, como o MAR, nos unirá para sempre. 


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