Discurso Medalha do Mérito

Faculdade de Direito do Recife da Universidade Federal de Pernambuco

Medalha do Mérito

Data: 14 de outubro de 2014, às 19 horas

Palavras de: Margarida Cantarelli

Magnifico Reitor da Universidade Federal de Pernambuco, Professor Anísio Brasileiro,

Sra. Diretora da Faculdade de Direito, Professora Luciana Grassano,

Senhoras e senhores professores,

Minhas amigas, meus amigos,

É uma emoção muito grande receber a Medalha do Mérito da Faculdade de Direito do Recife. Para tanto, sei que mérito não tenho, mas, certamente, a minha ligação com esta Casa é mais do que uma história acadêmica, é uma história de vida!

Aqui ingressei ainda aos 17 anos, recém saída dos Colégios Religiosos onde estudei, quebrando a tradição familiar para a medicina, escolhendo o Direito movida pelo ideal de Justiça – fazer justiça!

Quem sabe, falou mais alto o irredentismo que herdei dos meus ancestrais paternos, o Pe. Roma da Revolução de 1817 e os Abreu e Lima de tantas outras Revoluções aqui e noutras partes da América, sempre na busca da liberdade.

Justiça e Liberdade já seriam suficientes para mover uma vida!

Se nos idos de 1962, muito jovem, aportei nesta Casa  buscando a Justiça, devo dizer que aos 70 anos ainda continuo acreditando nela com o mesmo entusiasmo e a mesma determinação. Creio que é possível, sim, concretizá-la em muitos e muitos casos. E foi aqui que aprendi, e assim pautei a minha vida profissional, desde a velha Assistência Judiciária, como advogada dos pobres, a todo o meu tempo de magistrada.

Quanto à liberdade, desta não é possível apartar-se, sob pena de se perder a própria razão de existir. Liberdade, a mais ampla, que não se restringe à liberdade política, por si imensa, mas que também se irmana à igualdade e à não discriminação. O gênero foi uma das tônicas de muitas afirmações, poucas amargas, mas muitas bem sucedidas. Nesta Faculdade, laborei pela instalação da disciplina de Direitos Humanos, por entender que não é possível uma formação jurídica plena sem que os Direitos Humanos sejam destacados. Embora saibamos que perpassam por todos os ramos da ciência jurídica, como os Direitos Fundamentais, no Constitucional; os Direitos da Personalidade, no Civil; o garantismo no Direito Penal e amplamente no Direito Internacional. Nunca será excessivo estuda-los, especialmente no que diz respeito à efetivação das suas garantias.

Mas, outra força levou-me a outras paragens – o mundo. A paixão pelo mundo, os diferentes povos, as suas culturas, seu passado, seu presente, certamente arrastaram-me para o Direito Internacional. Como foi difícil no começo. Primeiro, porque não estava incluído entre os importantes ramos da nossa ciência, acrescido à falta de material – livros, revistas, informações, e ainda, às poucas possibilidades de utilização no dia a dia profissional. Lembro-me, sempre repito, do Prof. Rosa e Silva, grande mestre do Direito Civil desta Faculdade, quando me pediu, com certo amargor, que orientasse a sua filha, Maria Regina, que tinha preferido o Direito Internacional ao seu Direito Civil: “É, o Direito Internacional é para as mulheres e para os poetas”!

Como o mundo mudou! Nas comunicações, nas informações, não se podia sair de casa para dar uma aula sem ler os jornais. Foi assim que vez por outra rasgava o esquema da aula do dia, pois o jornal noticiava algo inesperado. Como, quando noticiou que a República Popular da China havia ingressado na ONU, inclusive com assento permanente no Conselho de Segurança, pondo para fora a outra China, hoje, Taiwan – a Formosa (nome bem português) – ilha que abrigara Chian Kai Chek, depois da revolução de Mao Tse Tung.  

O Direito Internacional nunca foi uma disciplina repetitiva, com um programa rígido, embora a organização acadêmica o exija. O mundo não deixa. A cada dia nos reserva uma surpresa, muitas tragédias, e cobra reflexões. Ficamos alegres com a notícia que a jovem Malala foi escolhida para o Prêmio Nobel da Paz de 2014. Mas, por que? Porque teve a coragem de, como mulher muçulmana, ir estudar? Porque foi vítima da intolerância religiosa por isto? Então, pensamos quantos milhares de mulheres ainda continuam em condições degradantes! Se nos alegramos pela vitória da jovem e pelo reconhecimento internacional da sua luta, nosso coração ainda traz o travo da tristeza por tantas que não conseguiram o mesmo feito.

Sou canhota, assumida. Daí tenho dificuldade de escrever nos quadros negro, verde ou  branco, quer com o velho giz (que rangia), quer com as canetas (chamadas – pincel atômico!). Hoje deve ter um nome em inglês – ink qualquer coisa! Com a minha precária didática, optei por preparar folhas de cartolina, com o esquema da aula, que colava no quadro, com fita “durex”. O mesmo com os mapas. Evolui para o “álbum seriado” que era colocado em cima da mesa e íamos passando as folhas, além de ter na capa de trás um “flanelógrafo”, onde  montávamos os esquemas, organogramas com tiras coloridas que eram fixadas por pequenos ímãs. Mas era pesado para carregar. Avancei para o retroprojetor e as transparências. Comprei o meu pessoal que o bedel levava por camaradagem até as salas. Hoje a mágica do power point, faz bem melhor, na forma e na praticidade, levado num pen drive, contem os textos, imagens, mapas, vídeos, tudo. É tão pequeno que prendo a uma fita colorida para não o perder entre as miudezas de uma bolsa feminina.

E assim, tive o privilégio de acompanhar várias gerações de alunos, estudantes, sob este teto, algumas vezes sob outros tetos, por empréstimo. Mas, espero que tenha contribuído pelo menos com o meu entusiasmo para colocar uma pequena pedra nos alicerces da formação de cada um. É sempre um prazer reencontrá-los nas diferentes atividades profissionais, noutras cidades e até fora do país. Vez por outra algum comenta: não me esqueço do que você dizia… ou, sempre me lembro que você falava… e eu fico em suspense pensando: meu Deus, o que será que eu disse! Felizmente nunca foi um despropósito.

Senhora Diretora,

Chegou a hora dos agradecimentos: ao Magnífico Reitor, pelo acatamento da proposta de outorga desta medalha e que, dentre os seus tantos afazeres, veio a esta solenidade num gesto de consideração e grandeza acadêmica.

        À querida amiga Luciana, amizade que nasceu da grande ligação com a sua família e que temos continuado. 

Fico feliz de estarmos neste salão, palco de tantos atos relevantes para a cultura jurídica; nesta Casa, tão heroica e determinadamente recuperada pela sua tenacidade e competência. Parabéns e obrigada, Luciana.

Ao querido Claudio Brandão pela generosidade das suas palavras, também fruto de uma grande estima. Claudio que tem o privilégio de ter quatro mães: sua mãe biológica, sua avó, que já não está mais conosco, Irmã Mirian e eu!

Aos colegas professores que compõem o Conselho desta Faculdade e que aprovaram a concessão desta Medalha, com muita estima.

Não posso deixar de fazer um agradecimento especial aos meus mestres de quem recebi não só ensinamentos jurídicos, mas tiveram uma grande influência no meu modo de pensar e de ser. Para não cometer o pecado da ingratidão, citarei quatro nomes, por ordem alfabética: Everardo Luna, José de Moura Rocha, Nelson Saldanha e Nilzardo Carneiro Leão. 

Aos que aqui vieram, meu filho, parentes e amigos – antigos e novos – mas, todos amigos, saibam me deram muita alegria em compartilhar com vocês, este momento.

Senhora Diretora,

Esta Casa tem história. Não se vive de passado, é verdade, mas se o temos, devemos enaltecê-lo e reverenciar os que contribuíram na trajetória. Em termos de Brasil, uma instituição de ensino superior criada em 1827, que caminha para o seu bicentenário, viveu muitos momentos não só do nosso Estado, mas do país. Para cá acorriam estudantes de todas as partes na busca não apenas do ensino jurídico, mas como polo que irradiava cultura e formava uma elite jurídica, política e administrativa. Aqui floresceu a “Escola do Recife”, de Tobias Barreto, Silvio Romero, Arthur Orlando, Martins Junior, Clovis Beviláqua, José Higino e tantos outros, que seria um rosário a desfiar nomes e nomes, mas devo incluir Nelson Saldanha. Não vou falar nos movimentos políticos e sociais que ecoaram dentro destas paredes e daqui se espalharam para a sociedade.

Quero apenas, ao finalizar, relembrar quantas vezes subi as escadarias desta “Casa de Tobias”, com a rapidez que a juventude permitia. Hoje, mesmo com o peso do tempo, ainda as subo, como se entrasse num templo para depositar aos pés de Themis, as minhas flores em forma de palavras, renovando a mesma fé no Direito e na Justiça.


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