Assembléia Legislativa de Pernambuco
Dia Internacional da Mulher
Recife, 8 de março de 2007
Palavras de Margarida Cantarelli
Exmo. Sr. Presidente da Assembléia Legislativa de Pernambuco – Deputado Guilherme Uchoa
Senhoras e Senhores,
Estava eu do outro lado do mundo, onde o sol nasce primeiro e graças à tecnologia, é possível falar-se para o ontem e obter-se a imediata resposta no amanhã! São as estranhas coisas deste mundo considerado plano mas relações econômicas, mas que continua bem redondo na forma que Deus lhe deu.
Quatorze (14) horas de diferença horária do Recife para Sydney – quando às 6 horas manhã do dia 2 de março, lá na Austrália, e 3 horas da tarde do dia 1o de março, aqui no Recife, Creuza Aragão telefonou-me – com voz clara, claríssima, como se estivesse falando da sala ao lado, dando a notícia que me deixou extremamente feliz, de que havia sido honrada com a “Medalha Mulheres de Tejucupapo”, outorgada por tão ilustres representantes do povo pernambucano.
De tão feliz nem pensei quão imerecida poderia ser a homenagem, fruto tão só da generosidade da Comissão e dos que compõem hoje a Casa de Joaquim Nabuco – dos antigos e dos seus novos membros – todos eleitos pela soberana, democrática e respeitável vontade popular.
À Deputada Eline Carneiro que fez a proposição, e que inicia a sua carreira nesta Assembléia, a quem desejo esteja fadada ao êxito político, e a todos que a acompanharam – pela unanimidade dos pares – os meus sinceros agradecimentos. Entendo que a gratidão é um sentimento que deve ser sempre manifestado para que todos que contribuíram para aquele momento fiquem bem cientes do quanto proporcionaram de felicidade ao homenageado, nem sempre presente no dia-a-dia da vida. Saibam que marcaram muito fortemente o meu coração.
Pensei como preparar uma breve mensagem daquela distância? Viajando para tão longe não levei “note-book” e o hábito de escrever à mão estava já bem desfeito pelo tempo! O jeito foi comprar um caderno e utilizar as longas horas de vôos, às vezes mais de 12 sem escalas, para alinhavar umas palavrinhas ajudada pela memória, enquanto as turbulências provocadas pelos ventos fortes do Pólo Sul não me faziam trocar a caneta pelo terço e o caderno pelas orações! Cheguei ontem à tarde, resolvi não digitar e trazer o caderno da maneira como fiz, com o sentimento que saiu do coração – porque, este nos acompanha para onde formos, desconhece hemisfério e não tem fuso horário. As palavras que ele expressa são a voz da nossa própria alma. Mas, nem eu mesma conseguiria ler. Assim, como o relógio biológico não segue o do espírito, a noite para mim era dia, aproveitei a madrugada insone para digitar.
Esta Medalha, senhoras e senhores Deputados, distintos amigas e amigos presentes, também me tocou profundamente por várias razões, entre tantas, destaco: o gesto generoso desta Casa, a data hoje celebrada e o símbolo nela contido.
O dia 8 de março – Dia Internacional da Mulher – como é por demais sabido, não se trata de um “marketing comercial”, como tantas datas criadas e alimentadas para venda de presentes, movimento das lojas. Não, não é para isso. Tenho-a como uma CELEBRAÇÃO – celebração sim, de várias conquistas alcançadas ao longo do tempo, a duras penas, é verdade, pela coragem de tantas – com suor, sangue e até com a própria vida! Por isso é importante celebrar a mulher anônima que a História Social ainda não foi capaz de valorizá-la, sequer de registrar condignamente a sua importância na marcha e na construção da sociedade.
Mas, é especialmente um momento de REFLEXÃO e de renovação de compromissos, pois longe, bem longe estamos de uma situação sequer aceitável – aqui mesmo entre nós, para não enveredarmos nos caminhos multifacetados das culturas diversas que palmilham este mundo. Fiquemos aqui, já nos basta: a violência doméstica e pública; o desemprego ou subempregos; os salários inferiores; as duplas e às vezes triplas jornadas de trabalho; o descaso de tantos que tinham por dever eliminar ou pelo menos diminuir as injustiças.
Mas o dia 8 de março não foi uma data aleatoriamente escolhida – 8 de março de 1857, em Nova York, mulheres que a Revolução Industrial haviam tirado dos seus teares domésticos e levadas às insalubres e longas jornadas de trabalho das fábricas têxteis, ousaram buscar condições menos desumanas para o seu labor, diminuir de 16 para 12 horas a jornada que lhes era imposta. Por tal ousadia, mais de 130 tecelãs, pagaram com a vida em incêndio criminoso no galpão onde se abrigaram. Em memória a tão marcante fato, o III Congresso Internacional de Mulheres realizado em Kopenhagem, no início do século XX, fixou esta data com o DIA INTERNACIONAL DA MULHER.
Bem representa o sofrimento da TECELÃ, que a data homenageia, a bela poesia de Mauro Motta, escrita em 1957, que lhes trago breves trechos:
“Toca a sereia da fábrica,
e o apito com um chicote
bate na manhã nascente
e bate na tua cama
no sono da madrugada.
….
Deixas chorando na esteira
Teu filho de mãe solteira
Levas ao lado a marmita
Do meio de todo o dia,
A carne seca e o feijão.
……
Teces tecendo a ti mesma
Na imensa maquinaria
Como se entrasse inteira
Na boca do tear e desses
A cor do rosto, dos olhos
E o teu o sangue à
Estamparia.
…..
A multidão dos tecidos
Exige-se esse tributo
Para ti nem sobra ao menos
Um pano preto de luto.
Vestes as moças da tua
Idade e dos teus anseios
Mas livres da maldição
Do teu salário mensal,
Com o desconto compulsório,
Com os infalíveis cortes
Da uma teórica assistência
Que não chega na doença
Nem chega na tua morte.
….
Teces toalhas de mesa
E a tua mesa vazia.
…….
Há muita gente na rua
Parada no meio fio
Nem liga importância à tua
Blusa operária aos pedaços
Vestes o Recife e voltas
Para casa, quase nua. Mauro Motta, 1957
A outra razão que me envaidece é ter sido esta Medalha criada em 2001, por proposição da então Deputada, hoje Conselheira do Tribunal de Contas, Tereza Duere, valoroza e lutadora da causa da mulher pernambucana, que sugeriu, e esta Casa aprovou, como “Mulheres de Tejucupapo”.
A História de Pernambuco é muito rica em exemplos de coragem, de pioneirismo, de competência, de heroísmo mesmo, da mulher da nossa terra, embora distante no tempo, mas bem viva na memória e na reverência que nos merecem, como as Mulheres de Tejucupapo. Em 1646, já ia avante a Insurreição Pernambucana e aos holandeses já faltava comida e ainda assolava o escorbuto. De Itamaracá, onde se encontravam mais de 600 homens, decidiram rumar para o norte buscando as plantações da mandioca que lhes daria a farinha e os cajus contendo a “vitamina C”, remédio para a cura da tal doença. Soube-se, em Tejucupapo, que holandeses pretendiam atacar a Vila no domingo porque os homens estariam fora comercializando os seus produtos. Além do que, os nossos eram não só inferiores em número e em armas, ao invasor.
Mas o inusitado foi a participação das mulheres, arregimentadas por senhoras locais, sem as armas convencionais, nunca foram treinadas para a luta, mas munidas com paus, pedras, água fervente com pimenta, que jogavam nos olhos, no rosto dos invasores, surpreendendo-os, impedindo-os de avançar. Não lhes faltaram criatividade, coragem e determinação, e assim, salvaram suas famílias e seus lares dos ultrajes que certamente sofreriam. Eu me orgulho de tê-las como guia nas lutas em outras trincheiras, com a obstinação que é a marca da vitória da mulher.
Vários outros episódios poderiam ser citados, como as “Mulheres da Casa Forte”, que em 17 de agosto, quase na mesma época de Tejucupapo, expuseram a vida para que os nossos não recuassem na tomada do Engenho onde se encontravam os holandeses já vencidos, mas buscando resistência e afrontando as mulheres pernambucanas.
Muitas outras também deveriam ser individualmente lembradas, dentre tantas que se destacaram escolhi apenas uma, do século XIX, temendo o grande pecado da omissão, ao citar várias e deixar esquecida alguém que merecesse referência. Mas não era possível, na Casa de Joaquim Nabuco, deixar de me referir a Olegarina Mariano, esposa de José Mariano, que participou da luta abolicionista ao lado do marido, acolhendo negros cativos em sua casa no Poço da Panela, com a maior dedicação. Apelidada como “Mãe dos pobres” ou “mãe do povo”. Pernambuco deve-lhe maior tributo.
A todas essas mulheres que a História registrou ou não, nos cabe honrar essa legenda. É hora de reafirmar compromissos, estender as mãos, superar diferenças que não passam de meros enfoques, em nome de uma causa maior; de lutar juntas contra a VIOLÊNCIA e, acima de tudo pela EDUCAÇÃO. Pode parecer estranho que eu como profissional do Direito não ponha as LEIS em primeiro lugar. Não que as desconsidere, ao contrário, elas são a base onde fincaremos solidamente as plataformas de luta. Mas, somente com elas pouco caminharemos. É preciso mais políticas públicas, mas ações afirmativas ou compensatórias pelo tanto que foi negado ao longo do tempo. Contra essas inadmissíveis discriminações temos que renovar o nosso compromisso, especialmente as que tiveram o privilégio de vencê-las. É a nossa dívida social que temos o dever de resgatá-la diuturnamente.
Da minha parte tenho me empenhado desde que iniciei as minhas funções no Tribunal Regional Federal em superar o que considero uma gravíssima injustiça, ou seja, o não reconhecimento da condição de trabalhadora rural a milhares de mulheres deste Nordeste que a Previdência Social com freqüência lhes nega. Mulheres que vivem nas suas pequenas roças, tirando das pedras o mísero dos míseros bocado para não morrerem nem deixarem os seus morrer de fome; que carregam, por léguas, latas velhas de água suja para não morrerem nem deixarem os seus morrer de sede! Se neste Nordeste faltam água e comida, muito mais falta, a determinação de por fim ao calvário dos nossos irmãos.
A elas são exigidos documentos e mais documentos, pelas normas da Previdência, certamente elaboradas por quem nunca viveu a realidade de uma seca no Sertão. As provas que elas têm, se não preenchem o rigor formal dos regulamentos, ou adaptem-se os regulamentos ou sejam substituídos por visitas aos locais. Porque, não são essas pobres mulheres que fraudam papeis, nem remetem divisas sujas para o exterior, causando os rombos tão conhecidos por todos. As provas que têm a nordestina sertaneja estão nas rugas que o sol escaldante fazem envelhecer precocemente os seus rostos e nos calos feitos pelo cabo da enxada que roubam para sempre a maciez da mão feminina. Estas são para mim as grandes provas do sofrimento de uma vida severina que o destino lhes reservou e nada foi feito para dela livrá-las.
À mulher trabalhadora rural do meu Nordeste – do Ceará a Sergipe, âmbito da minha jurisdição, cujos processos às centenas ou mesmo milhares pude julgar, divido comovida esta homenagem como emblema de que Deus colocou nas minhas mãos a oportunidade de lhes reconhecer a cidadania, fazendo-lhes Justiça.
Parafrazeando Milton Nascimento, estendo também esta homenagem a todas as Marias, mulheres que merecem viver e amar como qualquer outra do planeta. Maria, é a dose mais forte e lenta, de uma gente que ri quando deve chorar e não vive, apenas agüenta. Mas, é preciso ter força, é preciso ter garra, quem traz no corpo a marca, mistura a dor e a alegria. É preciso ter sonho sempre.
Somos todas Maria e permita-nos Deus que continuemos sempre com a garra de possuir a estranha mania de ter fé na vida.
Sigamos juntas, muito obrigada.