ARQUIDIOCESE DE OLINDA E RECIFE
Celebração do Centenário das Dioceses de Garanhuns, Nazaré e Pesqueira
Local: Sé de Olinda
Data: 7 de maio de 2018, às 16 horas
Palavras de: Margarida Cantarelli
Reverendíssimo D. Fernando Saburido, Arcebispo de Olinda e Recife,
Reverendíssimos Bispos das Dioceses de Garanhuns, Nazaré e Pesqueira,
Senhores Padres das três Dioceses homenageadas e desta Arquidiocese de Olinda e Recife, anfitriã,
Amigos que compõem esta mesa, Professores Roberto Motta e Newton Cabral,
Senhoras, Senhores,
Os meus mais sinceros agradecimentos pela honra de participar deste evento tão marcante para a Igreja no nosso Estado, qual seja o centenário da criação de três importantes Dioceses destacadas desta Olinda e que hoje voltam ao berço para uma celebração conjunta de mãe e filhas.
É preciso ter bem presente e clara a relevância da criação das três Dioceses naquele momento histórico no mundo e especialmente no Brasil.
O ano de 1917 teve aspectos destacáveis no cenário internacional, pois estava em curso a 1ª Guerra Mundial (a Grande Guerra), desde 1914 arrastando um legado, uma bagagem de destruição e mortes como nunca visto até então na História da Humanidade. Além de todos os males da guerra em si, é bom lembrar o Genocídio do povo Armênio (mesmo que ainda não se usasse este termo), em 1915, e que foi reconhecido num grande gesto, pelo Papa Francisco.
Mas, o ano de 1917 foi decisivo para o conflito mundial por dois fatos relevantes: 1) a saída da Rússia da Guerra pelo advento da Revolução Bolchevique e 2) a entrada dos Estados Unidos (e outros países menores como o Brasil, naquele mesmo ano). Isto fez os alemães se voltarem para a Europa ocidental num verdadeiro tudo ou nada. Nada obtiveram, senão a derrota com o fim da guerra em 1918. Tantas foram as suas desastrosas consequências que as feridas dela resultantes nunca cicatrizaram. Os Tratados de Paz foram prenúncio de outro conflito.
Aquele quadro clamava aos céus. E não terá sido por acaso que a Senhora Nossa se fez ver, apareceu para pedir orações. Em Fátima, naquele maio que se estendeu a outubro, as mensagens da Senhora se sucederam no mesmo sentido – ORAR! A força da oração e da fé também marcaram indelevelmente o ano de 1917 e a partir de então e cada vez maior é a devoção ao Rosário de Nossa Senhora de Fátima.
Chegando ao Brasil, é preciso voltar no tempo. Aproveito para lembrar que, particularmente em Pernambuco, se celebrava o primeiro centenário da Revolução Republicana de 1817 que teve o seu ideário forjado a partir do Seminário de Olinda – aqui ao lado – com a presença determinante dos Padres que participaram ativamente do Movimento, quando muitos perderam a vida, outros levados ao cárcere. A comemoração do Primeiro centenário recebeu o apoio do Governador de então, Manoel Borba e do Poder Legislativo, quando houve a adoção da Bandeira dos Revolucionários como a Bandeira de Pernambuco como hoje a desfraldamos.
Mas, na linha do tempo, vale destacar um outro fato histórico nos país que trouxe consequências para a Igreja Católica: o fim da Monarquia e a proclamação da República dos Estados Unidos do Brasil, logo uma República Federativa, em 1889. A História ensinada nas escolas tratam deste fato de forma quase pitoresca (anedótica) como se a proclamação da República tivesse sido apenas o resultado de um gesto de Deodoro, contra a sua própria vontade. Na realidade, a Monarquia se esvaia há muito: O Manifesto de 1870, a Questão Política, o receio relativo a uma possível e indesejada influência do Conde d’Eu (marido da Princesa Isabel) quando da sucessão do Trono, Questões Militares, o positivismo que grassava nas Escolas Militares (os cadetes filósofos), a Questão Religiosa, culminando com a abolição da escravidão, razão que encerra em si uma aparente contradição!
O jurista Aliomar Baleeiro, simplificou, dizendo: o povo se cansou da Monarquia! Eu diria diferente: a Monarquia se esgotou.
A República fez a imediata separação do Estado e da Igreja. Há um interessante Capítulo no livro sobre a História Constitucional do Brasil, do Professor Paulo Bonavides, com o título: “O positivismo e o catolicismo em face da Constituinte Republicana”. Apreciando os Memorais encaminhados aos Constituintes, tanto pelo Centro Positivista (que se tornou uma verdadeira seita) como pelo Primaz do Brasil em nome do Clero, constata-se que o embate já existia. A Representação do “Apostolado Positivista” afirmava que “o aniquilamento do prestígio do catolicismo ficou patente quando há vinte anos a ditadura imperial prendeu dois Bispos, sem que isso provocasse qualquer reação popular. O catolicismo como força social, está morto na alma nacional, como a Monarquia”. Já o texto do Primaz externava que “O Clero em nome da nação pedia o respeito à fé e ao exercício do seu culto. A separação absoluta e radical que se estava intentando estabelecer não só entre a Igreja e o Estado, mas entre o Estado e toda a religião, perturbava gravemente a consciência da Nação e era fadada a produzir os mais funestos efeitos… uma Nação separada oficialmente de Deus se tornava ingovernável e rolaria por um fatal declive de decadência até o abismo”. Argumentava contra o casamento civil que considerava uma afronta à Nação e exprobrava a secularização dos cemitérios.
Conclui o Professor Bonavides, “se as relações do clero com a realeza no Segundo Reinado foram tensas a ponto de fazer estalar a ‘Questão Religiosa’, não menos borrascosa se revelou com os Decretos do Governo Provisório que anteciparam as disposições da Carta republicana”.
A laicização do Poder afetou a Igreja Católica em diversas áreas, dentre tantas, no Direito. E é esta a breve reflexão que ora faço, por ser o meu campo de atividade profissional, embora não traga para os Senhores qualquer novidade. Com certeza os demais integrantes desta Mesa apreciarão se a separação foi um mal, ou se permitiu um maior crescimento da Igreja até mesmo pela possibilidade de criar novas Dioceses e ter sua expansão determinada por iniciativa própria sem os vínculos com o Imperador e os limites do orçamento público. Mas houve, indubitavelmente, uma mudança.
O Decreto nº 1, de 15 de novembro de 1889 do Governo Provisório, não faz qualquer referência à Igreja, numa completa omissão.
Normas posteriores cuidaram da questão destacadamente em três Decretos: o Decreto n. 7, de 20 de novembro de 1889; o Decreto 119-A, de 7 de janeiros de 1890 e o Decreto 181, de 24 de janeiro do mesmo.
No primeiro mencionado, o Decreto n. 7 (20 de novembro de 1889), o novo Governo dissolve e extingue as Assembleias Provinciais e fixa provisoriamente as atribuições dos governadores. Há nele duas referências à religião, uma delas a meu sentir fruto de equívoco, quando diz no parágrafo primeiro do art.2 que cabe aos Governadores estabelecer a divisão civil, judicial e eclesiástica do respectivo Estado… Ora, a divisão eclesiástica era da competência do Imperador, através do seu Ministério (A Constituição de 1824, Decreto 2.747 de 16 de Fevereiro de 1861)! e, a segunda referência, sem especificar por qual religião, reza o parágrafo 12 que é atribuição dos Governadores, promover a organização estatística do Estado, a catequese e a civilização dos indígenas…
Mas será no Decreto 119-A, de 7 de janeiro de 1890 que encontraremos explícita a cisão Estado/Igreja, quando enuncia: Proíbe a intervenção da autoridade federal e dos Estados federados em matéria religiosa, consagra a plena liberdade de cultos, extingue o Padroado e estabelece outras providências.
“Art. 1: É proibido à Autoridade Federal, assim como à dos Estados federados, expedir leis, regulamentos, ou atos administrativos, estabelecendo alguma religião, ou vedando-a, e criar diferenças entre os habitantes do país, ou nos serviços sustentados à custa do orçamento, por motivos de crenças, opiniões filosóficas ou religiosas.
Se compararmos este artigo com o art.5 da Constituição de 1824 (do Império), percebe-se a completa diferença entre ambas, diz: A Religião Católica Apostólica Romana continuará a ser a religião do Império. Todas as outras religiões serão permitidas com seu culto doméstico ou particular, em casas para isto destinadas, sem forma alguma exterior de templo.
Há vários dispositivos na Constituição de 1824 que se referem à religião Católica, como no juramento do Imperador (art. 103), do herdeiro presuntivo (art. 106) e dos conselheiros membros do Conselho de Estado (art. 141). Excetua os que não professarem a religião do Estado de serem nomeados deputados (art. 95, III).
Art. 2:A todas as confissões religiosas pertence por igual a faculdade de exercerem o seu culto, regerem-se segundo a sua fé e não serem contrariadas nos atos particulares ou públicos, que interessem o exercício deste decreto.
Art.3: A liberdade aqui instituída abrange não só os indivíduos nos atos individuais, senão também as igrejas, associações e institutos em que se acharem agremiados; cabendo a todos o pleno direito de se constituírem e viverem coletivamente, segundo o seu credo e a sua disciplina, sem intervenção do poder público.
Art. 4: Fica extinto o padroado com todas as suas instituições, recursos e prerrogativas.
A Constituição de 1824, em razão do Padroado, reconhecia que o Imperador como chefe do Poder Executivo, tinha atribuições (art. 102, II) para nomear Bispos e prover os Benefícios Eclesiásticos, como também conceder ou negar beneplácito aos Decretos dos Concílios, Letras Apostólicas e quaisquer outras Constituições Eclesiásticas…. (art. 102, XIV).
Art.5: A todas as igrejas e confissões religiosas se reconhece a personalidade jurídica, para adquirirem bens e os administrarem, sob os limites postos pelas leis concernentes à propriedade de mão-morta, mantendo-se a cada uma o domínio de seus haveres atuais, bem como dos seus edifícios de culto.
Propriedade de mão-morta se trata de um peculiar regime jurídico – mortuamanus, pelo qual a Igreja era proprietária de bens mas com limitações, uma mão livre para adquirir e a outra morta para alienar. D. Pedro I, em 9/12/1830 estabeleceu normas sobre tais bens e pela Lei 556, Código Comercial Brasileiro de 1850, eram considerados como coisas fora do comércio, insuscetíveis de alienação). Integraram-se ao Instituto da Enfiteuse, no Código de 1916.
Art.6: O Governo Federal continua a prover a côngrua, sustentação dos atuais serventuários do culto católico e subvencionará por um ano as cadeiras dos seminários; ficando livre a cada Estado o arbítrio de manter os futuros ministros desse ou de outro culto, sem contravenção do disposto nos artigos antecedentes.
Este Decreto foi recepcionado pela Constituição republicana, e continua vigente no que não tiver sido expressamente revogado por normas subsequentes (constitucionais ou de legislação ordinária).
O terceiro foi o Decreto 181, de 24 de janeiro de 1890, que promulgou a lei sobre o casamento civil. Este assunto mereceu a indignação do Primaz, e foi uma antecipação da Constituição e do Código Civil, sobre o qual falaremos mais adiante.
Veio, então, a própria Constituição republicana de 1891. Não incluiu no seu Preâmbulo qualquer invocação religiosa: “Nós os representantes do povo brasileiro, reunidos em Congresso Constituinte para organizar um regime livre e democrático, estabelecemos, decretamos e promulgamos a seguinte: Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil”.
A Constituição de 1824 iniciava com invocação à Santíssima Trindade. Fora a Constituição republicana, apenas a Constituição de 1937 (Constituição outorgada no Estado Novo, conhecida como a Polaca) não faz qualquer referência a Deus. Nas demais Constituições brasileiras, o nome e a proteção de Deus estão presentes – no Preâmbulo da Constituição de 1934 (Nós os representantes do povo brasileiro, pondo a nossa confiança em Deus, reunidos…); na de 1946 (Nós os representantes do povo brasileiro, reunidos sob a proteção de Deus, em Assembleia…); na 1967/EC 1/69 (O Congresso Nacional, invocando a proteção de Deus, decreta…); como na Constituição 1988, a atual Carta Magna (Nós, representantes do povo brasileiro… promulgamos, sob a proteção de Deus…).
A Constituição republicana, como as Constituições a partir do final do século XVIII, também traz uma Declaração de Direitos que está contida no seu art.72. Dentre eles, cinco parágrafos merecem destaque:
- O parágrafo terceiro confirma a plena igualdade das confissões religiosas: Todos os indivíduos e confissões religiosas podem exercer pública e livremente o seu culto, associando-se para esse fim e adquirindo bens, observadas as disposições de Direito Comum.
- Parágrafo quinto: os cemitérios terão caráter secular e serão administrados pela autoridade municipal, ficando livres a todos os cultos religiosos à prática dos respectivos ritos em relação aos seus crentes, desde que não ofendam a moral pública e as leis.
Sabe-se que aconteceram muitos problemas em razão da negação de sepultura a determinadas pessoas, como a maçons. É conhecido um caso de relevância histórica ainda mencionado atualmente, de negação de sepultura no Cemitério Bom Jesus da Redenção (denominação oficial do Cemitério Santo Amaro, no Recife), ao General Abreu e Lima, falecido em 8 de março de 1869. O General foi sepultado no Cemitério dos Ingleses, necrópole que existe desde 1814, no Recife, em terreno doado pelo Presidente da Província ao Consul inglês por ordem do Príncipe Regente.
- Parágrafo sexto: será leigo o ensino ministrado nos estabelecimentos públicos
- Parágrafo sétimo: nenhum culto ou igreja gozará de subvenção oficial, nem terá relações de dependência ou aliança com o Governo da União, ou dos Estados; Deixei por último e de propósito, invertendo a ordem: o
- Parágrafo quarto: A República só reconhece o casamento civil, cuja celebração será gratuita.
Esta regra Constitucional traz dentro de si outras decorrências de igual magnitude, quais sejam os efeito do casamento com relação à filiação, à situação jurídica dos filhos havidos do casamento ou fora dele, os impedimentos e os respectivos registros de nascimento.
O Decreto n. 181, de 24 de janeiro de 1890 (com 125 artigos e muitas disposições transitórias) relativo ao casamento civil, também foi recepcionado pela Constituição até entrar em vigor o Código Civil de 1916, feitas as adequações necessárias.
É bem verdade que o Registro de Nascimento e o de óbito não surgiram com a Constituição republicana, são anteriores. A Lei 5.604 de 25 de abril de 1874 normatizava as atividades de Registro Civil no Brasil. Antes mesmo, o Decreto Lei 3.069 de abril de 1863 regulava os registros dos não católicos em livros de assentamento em Prefeituras e até mesmo em Paróquias. O que não havia era a obrigatoriedade, tendo valor jurídico os assentamentos nos Livros das Igrejas.
Vale a pena observar que em 1º de Janeiro de 1889 – portanto antes mesmo da proclamação da República, entrou em vigor o Decreto de Lei 9.886 que instituía a obrigatoriedade do registro de nascimento, óbito e casamentos em serventias cartorárias do Estado, deixando de ser uma atribuição exclusiva ou preferencial da Igreja Católica. Em toda cidade brasileira, deveria ter pelo menos um Cartório de registro civil das pessoas naturais. É de se constatar que depois da abolição da escravidão, os escravos deixavam de ser “coisa” e passavam a ser “pessoa natural”, consequentemente passaram a ter direito aos registros relativos à personalidade jurídica que adquiriram. Esse fato abriu espaço para o Poder Público assumir tal encargo, inclusive para a estatística populacional.
Prezado D. Fernando, Senhores Bispos, Senhores Padres, senhoras,
O passar do tempo, igual para todos, é uma das constatações da grande sabedoria Divina (se estamos sofrendo ou se estamos felizes) mas temos que reconhecer que a quantidade e a velocidade das informações que recebemos atualmente nos dá a sensação de um mais rápido transcurso dos dias. Por isso pode parecer aos olhos de hoje que duas décadas e meia seriam longo tempo para apontarmos fatos ocorridos no final do século XIX e que ocasionaram estas transformações político-jurídicas do Brasil com incidência sobre a Igreja Católica como um dos pontos (evidentemente não o único nem o mais importante) a tornar necessárias e bem-vindas as novas Dioceses. Benéfica uma maior descentralização, levando com a presença dos Bispos, a ampliação das atividades religiosas a outras regiões do nosso Estado.
Percebe-se esta importância até extraída do que ficou no dizer popular de anos atrás: “vá se queixar ao Bispo”, quando não há mais a quem recorrer; ou “hoje passou o Bispo”, quando a comida apresentava um sabor de queimada, pois a passagem do Bispo teria feito quem fosse responsável por ela deixar os seus afazeres para vê-lo passar!
Com a abertura a todos os cultos e a possibilidade de estabelecimento de Missões religiosas estrangeiras, tema este para os demais integrantes desta Mesa, mas por um outro viés profissional meu não poderia deixar de ressaltar a importância das novas Dioceses para a Educação e, especialmente, a Educação feminina. Em Garanhuns, foi instalado o Colégio Santa Sofia, da Congregação das Religiosas (Damas) da Instrução Cristã, desde 1912, a convite do Monsenhor Afonso Pequeno, com autorização do Arcebispo de Olinda, e muito bem acolhido por Dom João Tavares de Moura, o primeiro Bispo, visando oferecer educação católica. Naquela época já existiam um Seminário Evangélico e uma Escola Mista, e não é por acaso se chama XV de Novembro, data da proclamação da República.
Em Nazaré a mesma Congregação, em janeiro de 1923, a convite do Bispo D. Ricardo Vilela fundou o Colégio Santa Cristina.
Em Pesqueira, foi a Congregação das Irmãs de Santa Doroteia que instalou em 1919, o Instituto Santa Dorotéia, a convite do Bispo Dom José de Oliveira Lopes.
Esses educandários deram grande contribuição para a Educação feminina uma vez que o interior do Estado não oferecia muitas oportunidades de instrução.
Prezado D. Fernando,
Estas são as considerações que gostaria de deixar aqui registradas como a percepção de uma leiga sobre a necessidade, a importância e os bons frutos que as Dioceses plantadas há cem anos distribuíram pelo nosso Pernambuco.
Muito grata pelo convite e a todos pela atenção.