TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL
DESPEDIDA DO DESEMBARGADOR PRESIDENTE RIVADÁVIA BRAYENER DE MELO RANGEL
LOCAL: Auditório do TRE-PE
DATA: 31 de outubro de 2007
PALAVRAS DE: MARGARIDA CANTARELLI
Senhor presidente do TRE des. Rivadávia Brayner,
Senhor presidente do TJ-PE des. Fausto Freitas,
Senhor presidente da Assembléia Legislativa, Deputado Gruilherme Uchoa,
Senhores Desembargadores Eleitorais e do TJ – de hoje e de sempre,
Senhor Procurador Regional Eleitoral, dr. Fernando Ferreira,
Senhoras e senhores funcionários deste Tribunal Eleitoral,
Senhoras e senhores juízes, membros do MP – procuradores e promotores de justiça, advogados, jornalistas,
Familiares e amigos do desembargador Rivadávia Brayner,
Senhoras, Senhores,
Recebi, com muita honra para mim, a missão de expressar, ao eminente Desembargador Presidente Rivadávia Brayner, os agradecimentos e, lamentavelmente, também, as despedidas, em nome dos amigos, colegas e servidores desta Casa.
Estava eu, outro dia, escrevendo, entristecida, uma mensagem dirigida a um outro colega que, pela mesma razão, está deixando o Tribunal Regional Federal, e pensando, imaginei o que estariam dizendo os deuses no Olimpo, aos quais a mitologia grega transfere a determinação dos destinos humanos, a respeito da grande perda para o Judiciário com a aposentadoria de magistrados da estirpe de Ridalvo Costa, que também integrou esta Corte, Fausto Freitas e Rivadávia Brayner.
Certamente Thémis, a deusa da Justiça, à noite, na hora que os deuses conversam, lamentava-se porque é sempre responsabilizada por muitos dos males na terra: ora porque não consegue resolver alguns conflitos, perpetuando situações injustas; ora porque é lenta e retarda as soluções desejadas. E, para agravar, continuava ela com sua latomia, muitos dos seus bons representantes, magistrados competentes, que cumprem bem o seu papel, que todos apreciam pela sua capacidade técnica e humana, são afastados, inexoravelmente, de suas funções por Chrónos, o deus do tempo. E, dirigindo-se a Chrónos, pede: “será que não poderias postergar a tua decisão para que alguns ficassem um pouco mais ao meu serviço?”. E veio a esperada resposta: “infelizmente não posso, porque se assim o fizesse, estaria violando um dos teus próprios princípios, que é o da igualdade, pois, passando o tempo mais lento para aqueles escolhidos, estaria sendo eu injusto”. “Realmente, rebate ela, tu és insensível aos meus problemas!”. “Não, estimada Thémis, não queiras transferir para mim uma culpa que é tua”. “Como minha?”, surpreende-se a deusa. “Sim, é tua a responsabilidade por perderes os teus bons magistrados, eu apenas aponto objetivamente os que completam um determinado tempo, setenta anos, e só isto. Mas é tua, porque é a tua lei que os afasta, retirando-os compulsoriamente do teu serviço. Muda a lei, torna-a mais condizente com os nossos dias, onde a expectativa de vida elevou-se e as pessoas permanecem saudáveis, com plena capacidade, podendo te dar valiosa contribuição, fruto de longos anos de experiência, isto não significa que tires as chances dos novos – ampliem-se as vagas que tanto necessitas”. “Tens razão”, disse a deusa, entristecida. Mas, de repente, veio-lhe um brilho no olhar e retrucou: “não sou eu que faço as leis. Apenas inspiro os legisladores para que as elaborem voltadas para o bem comum e dentro dos princípios por mim preconizados para que os meus as possam bem aplicar”. E, baixando a voz, completou: “verdade é que não consegui fazê-los me ouvir, eles estavam tão ocupados com outras coisas menos importantes!”. “Se assim é, sugeriu Chrónos, convoca ‘demos’, o povo, para que cobre, dos seus representantes, leis justas, que atendam à sociedade e a ti, pobre Themis, na tua nobre, porém difícil, missão e arte de fazer Justiça”.
Mas, de quem falavam os deuses e por quem Themis tanto se angustiava em perder o concurso? Perguntavam entre si as Ninfas, com suas vestes diáfanas. Claro que era, sobre os três magistrados referidos e agora, especialmente, sobre Rivadávia Brayner. “E quem é ele? O que fez?” Sussurravam. Fácil e difícil, ao mesmo tempo, descrevê-lo. Fácil, porque tem muitas qualidades e não daria trabalho enumerá-las. Mas, difícil, porque a síntese é um dom para poucos e a tentação de sempre acrescentar alguma coisas rodeia, constantemente, os que fazem da palavra o seu instrumento de trabalho.
Depois de um breve silêncio, ouviu-se um Coro, tão comum no teatro grego, declamando o que era pensamento de todos e, de modo especial, desta sua colega e amiga:
Rivadávia Brayner de Melo Rangel é um exemplo de magistrado e representa o que há de melhor na magistratura pernambucana.
Como ser humano, tem uma belíssima história de vida, da qual muito se orgulha. Natural da Paudalho, na mata pernambucana, tem fortíssimas raízes telúricas, tão bem retratadas no discurso que proferiu quando da inauguração do Fórum da Justiça Eleitoral, naquela cidade, e que, por todos os méritos, ostenta o nome de sua genitora. Filho de pais que lutaram para criar a sua grande prole, aprendeu com eles, e desde cedo, o valor da ética, do sacrifício para obter os bens da vida e da solidariedade entre irmãos.
Fez parte dos seus estudos em Nazaré da Mata, no Ginásio São José, dirigido pelo Padre Mota, graças ao esforço de sua irmã – que relembra com emoção – para mantê-lo naquele educandário.
Casou-se cedo, como ele próprio reportou, ainda sem emprego certo, mas com a firme disposição de constituir sua própria família, de fazer Bezinha e os seus filhos felizes, vieram cinco. E assim, ele próprio também alcançava a felicidade. Hoje, podemos vê-lo rodeado pelos os seus – filhos, noras, netos e bisneta. Vi as noras disputando qual era a mais querida, isto significa que o sogro é gente boa!
Vencendo cada obstáculo, logo arrumava forças para enfrentar o desafio seguinte. Assim, começou o seu curso de Direito na Universidade Católica de Pernambuco, deslocando-se diariamente para a capital, inicialmente, na sua Rural Willis. Recordou-se, outro dia, das enchentes década de setenta, do Recife, quando, numa delas, teve que assistir aula de um professor ranzinza retornando para casa quando as águas já estavam em Camaragibe. Para vencer a enxurrada, dirigindo então a sua Variante, que tinha motor na parte traseira, seguiu o conselho do patrulheiro, aproveitado o vácuo do leque, nas águas, aberto por um caminhão que passava, seguiu-o e pedindo a Deus que o da frente não estancasse, para não ser tragado pelas águas revoltas.
Para meu orgulho, sempre conta que foi meu aluno, mas esta afirmativa é mais um gesto do seu conhecido cavalheirismo, pois, com fidalguia, nunca diz o ano. O que poderia ensinar eu a quem já era doutor da vida. Apenas posso garantir que, se nada lhe pude transmitir de Direito Internacional, que naquela época, no dizer do mestre do Direito Civil, Professor e desembargador Rosa e Silva Sobrinho, “o Direito Internacional é para os sonhadores – as mulheres e os poetas”, também não fui eu quem, por caturrice, o fez se arriscar nas águas caudalosas do Capibaribe.
Formando-se em Direito em 1973, foi escrevente na Comarca de Paudalho. Mas, resolveu realizar seu grande sonho – a magistratura. Ao ser aprovado no concurso em 1975, constatou que ganharia bem menos se assumisse o cargo de Juiz. Aconselhou-se com o velho desembargador Feliciano Porto e fez a opção ditada por sua vocação, a magistratura, à qual dedicou o melhor de si, exercendo-a com dedicação, competência, equilíbrio e o mais profundo sentimento humano e de justiça. Juiz Substituto de Carnaíba e de Passira, onde se titularizou. Juiz de Direito de Carpina, da Capital, na 4a. Vara de Família e Registro Civil, Juiz Auxiliar da Corregedoria. Desembargador em dezembro de 1999 (coincidentemente dez dias depois que também eu assumia no Tribunal Regional Federal), Membro do Conselho da Magistratura e da Comissão de Organização Judiciária.
Escolhido pelos seus pares para este egrégio Tribunal Eleitoral, foi eleito presidente pela própria Corte. E exerceu a presidência com espírito de harmonia, com a cautela dos prudentes, com a firmeza dos fortes e a competência dos sábios.
Conseguiu, em tão pouco tempo de mandato, muito realizar e o seu timbre ficará impresso não apenas nas placas das obras inauguradas, que mesmo perenizadas no bronze, não guardam calor, são frias e o tempo as despersonaliza. Mas, no sentimento dos que conquistou com a sua nobreza de caráter, lealdade e espírito público. Por isso e muito mais, nós, com emoção, lhe agradecemos.
Respeitado e admirado por todos, é, para mim, de modo especial, um amigo a ser preservado.
É lamentável que, por força de um tempo marcado pela lei, meramente cronológico, que nada representa em termos da sua capacidade e da contribuição efetiva na função de magistrado, percamos os seus constantes, sábios e prudentes ensinamentos. O Brasil e o Poder Judiciário, em particular, não podem se dar ao luxo de prescindir do concurso de magistrados como Rivadávia Brayner, Fausto Freitas, Ridalvo Costa, como recentemente perdeu Macedo Malta e muitos outros que vejo nesta ilustre platéia.
A presença de V. Excia, permitam-me agora o tom informal – querido amigo Rivadávia – ficará entre nós, sua voz tranqüila, ecoará entre as paredes deste Pleno que foi por si trazido da “Casa Rosada” e aqui instalado definitivamente, e o seu exemplo deverá ser seguido pelos que têm ouvidos na alma e igual compromisso com o Direito, a sociedade e, sobretudo, com a Justiça.
Obrigada a todos pela atenção.