GABINETE PORTUGUÊS DE LEITURA
RECIFE, 10 DE JUNHO DE 2003
Discurso de Margarida de Oliveira Cantarelli
Senhoras, senhores,
Convidou-me o Gabinete Português de Leitura para participar desta celebração, que a cada ano renovamos, da unidade e da identidade das Comunidades Portuguesas, e aqui, especificamente, da Comunidade luso-brasileira. Com muita propriedade, associa-se a data também a Luiz Vaz de Camões, que soube, com o seu gênio, transformar a rica História de Portugal num dos mais belos poemas épicos da literatura.
Devo dizer, inicialmente, que para mim é mais que um prazer, uma honra imerecida. Por isso agradeço, muito sensibilizada, ao convite, consciente das limitações para corresponder à missão que me foi confiada.
Recentemente, num programa de televisão de grande audiência, o jornalista e meu amigo João Alberto Sobral, confesso, deixou-me atrapalhada quando me perguntou: “de onde vem este seu amor tão grande por Portugal?”. Como resposta, na hora, ocorreu-me uma razoável explicação. Justifiquei com a Universidade de Coimbra – a sua Faculdade de Direito que é a mãe de todos nós. Todavia, fiquei eu mesma a matutar. Voltei ao passado, lembranças antigas, e recordei-me que, aos 12 anos, em decorrência de um problema de saúde, fiquei algum tempo sem me locomover. E a busca natural para passar o tempo era a leitura, o meu refúgio de sempre.
Foi naquela oportunidade que, na biblioteca de meu pai, descobri Camões. O dia de hoje, também em homenagem ao Vate, vai permitir-me, antes de adentrar no tema de que me propus ora tratar, fazer um parêntese: Camões épico e lírico. Camões lírico dos sonetos de amor, que eu ainda nem sabia o que era. Mas, ensinou-me uma primeira lição, extraída do mais famoso deles, de que o verdadeiro amor vai além da própria vida:
“E se vires que pode merecer-te
Alguma cousa a dor que me ficou
Da mágoa, sem remédio, de perder-te.
Roga a Deus, que teus anos encurtou,
Que tão cedo de cá me leve a ver-te,
Quão cedo de meus olhos te levou .”
Camões épico, de “Os Lusíadas” e, por eles, vivi com intensidade as navegações, os descobrimentos e as glórias devidas aos portugueses.
“Cessem do sábio Grego e do Troiano
As navegações grandes que fizerem;
Cale-se de Alexandre e de Trajano
A fama das vitórias que tiveram;
Que eu canto o peito ilustre Lusitano,
A quem Neptuno e Marte obedeceram,
Cesse tudo que a Musa antiga canta,
Que outro valor mais alto se alevanta”.
Preparei-me para viver as mesmas aventuras, nos sonhos de adolescente, da viagem ao desconhecido, um novo hemisfério, novas estrelas “que outra terra comece ou mar acabe”. Assim, ouvi, atenta, as admoestações do “Velho de Restelo”:
– “Ó glória de mandar, ó vã cobiça
Desta vaidade a quem chamamos fama!”
Depois das suas profecias aterradoras, “abrimos as asas ao sereno e sossegado vento”.
“Já a vista, pouco a pouco, se desterra
Daqueles pátrios montes, que ficavam;
Ficava o caro Tejo e a fresca serra
De Sintra, e nela os olhos se alongavam.
Ficava-nos também na amada terra
O coração, que as mágoas lá deixavam.
E já de[s]pois que toda se escondeu,
Não vimos mais, enfim, que mar e céu.”
Singramos, passamos pela Mauritânia, depois, pela mão direita, a grande ilha da Madeira “que do muito arvoredo assi[m] se chama”. Ultrapassamos as “Canárias ilhas, que tiveram por nome Fortunadas” , depois “sempre pera o Austro a aguda proa, no grandíssimo golfão nos metemos”. Deixamos a “aspérrima serra Leoa”, vimos o Reino do Congo “por onde o Zaire passa, claro e longo, rio pelos antigos nunca visto”. E assim “já descoberto tínhamos diante, lá novo Hemisfério, nova estrela”, seguimos contornando a África até alcançarmos o “Cabo das Tormentas”, que se tornou da “Boa Esperança”. Lá estava o Gigante Adamastor, uma figura que:
“Se nos mostra no ar, robusta e válida
De disforme e grandíssima estatura;
O rosto carregado, a barba esquálida
Os olhos encovados, e a postura
Medonha e má, a cor terrena e pálida;
Cheios de terra e crespos os cabelos,
A boca negra, os dentes amarelos”
[…]
“E disse: Ó gente ousada, mais que quantas,
No mundo cometeram grandes cousas,
Tu, que por guerras cruas, tais e tantas,
E por trabalhos vãos nunca repousas,”
[…]
Mais ia por diante o monstro horrendo,
Dizendo nossos Fados, quando, alçado,
Lhe disse eu: — Quem és tu? Que esse estupendo
Corpo, certo me tem maravilhado!
A boca e os olhos negros retorcendo
E dando um espantoso e grande brado
Me respondeu com voz pesada e amara,
Como quem da pergunta lhe pesara:
Eu sou aquele oculto e grande Cabo
A quem chamais vós outros Tormentório,
Que nunca Ptolomeu, Pompônio, Estrabo,
Plínio e quantos passaram fui notório.
Aqui toda Africana costa acaba
Neste meu nunca visto Promontório,
Que pera o Pólo Antártico se estende
A quem a vossa ousadia tanto ofende!”
Seguiu o monstro, depois das pesadas ameaças que fizera, contando as suas dores e desventuras, “cum medonho choro”, mas súbito desfez-se a nuvem negra e “cum sonoro bramido muito longe o mar soou”.
Andei por Mombaça, perigosa; Melinde, mais amistosa, até chegar com Vasco da Gama a Calecut. Acompanhei as tentativas de negociações com o Samorin, do Malabar, o Rei de Cambaia e Cochin. Ouvi notícias de tantas terras então desconhecidas: da Taprobana, nome antigo da ilha de Ceilão, e das muitas ilhas que também guardavam o que de precioso fomos procurar. Da Cauchichina, da China e das ilhas do Japão.
“Mas, entanto que cegos e sedentos
Andais de vosso sangue, ó gente insana,
Não faltaram Cristãos atrevimentos
Nesta pequena casa Lusitana.
De África tem marítimos assentos;
É na Ásia mais que todas soberana;
Na quarta parte nova os campos ara;
E, se mais mundo houvera, lá chegara.”
Eis aqui a resposta verdadeira. Foi por Camões que se deu o meu primeiro alumbramento português e que se fez perene. Pelos seus Cantos, se tornaram encantos.
Amigas e amigos,
Muitos temas vieram à minha mente para lhes falar nesta hora — tantos são os feitos portugueses que poderiam ser exaltados como pontos marcantes dessa Comunidade! Embora dentre eles e na minha opinião, que acredito comungue o preclaro auditório, o maior de todos, sem dúvida e modéstia à parte, foi a construção da nossa gente, este admirável povo brasileiro.
Mas, como não teria sentido vir aqui para uma autolouvação, fui buscar um outro assunto que, a meu sentir, fosse relevante ressaltar. Nas comemorações dos 500 anos do Descobrimento do Brasil, falou-se sobre muitas coisas, houve muitas publicações, inúmeras mostras, até uma réplica das caravelas tentaram lançar ao mar, lamentavelmente sem sucesso. Esperei muito por um tema que me apaixona, tentei desenvolvê-lo na Secretaria de Educação do Recife, mas de lá me afastei, em 1999, para vestir definitivamente a toga. Trago-o, agora, só em breves pinceladas, posto que me parece de extrema importância para a vida dos povos, dentre os notáveis feitos portugueses e que está a merecer, por uma questão de justiça, maiores encômios.
Se eu lhes perguntasse agora o que os portugueses possibilitaram aos povos saborear fartamente? Previsivelmente me responderiam: o bacalhau; o caldo verde, o leitão ou a doçaria: pastéis de Belém, de Santa Clara! Uma longa e deliciosa lista. Não estariam errados. Mas entendo que uma das maiores contribuições que os portugueses deram ao mundo foi, sem dúvida, a oportunidade de conhecermos os legumes e as frutas. Para mim, especialmente as frutas! Surpresa? Não. Todos sabemos da grande empreitada que desenvolveram na trasladação das plantas pelo mundo afora, mas nunca ou superficialmente refletimos sobre a importância desses fatos ou, melhor dizendo, desses feitos.
Este tema me cativa há muitos anos. Estava em Londres, 1990, procurando comprar umas frutas e alguns legumes que soubessem a Brasil. Por prescrição médica, deveriam ser servidos a pessoa da minha família que estava enferma, para, através do paladar, ajudar no seu restabelecimento. Ocorreu-me, então, fazer uma prosaica “sopa de verduras” ou de “legumes”, como chamamos. Adquiridas algumas coisas, notei que faltava o chuchu. Eu não sabia como era chuchu em inglês – e ainda não sei, como iria comprar! Estava com essa preocupação quando os descobri expostos à venda numa pequena quitanda. Fui atendida por uma senhora de origem oriental, talvez filipina. Tudo teria terminado com a compra, se a minha curiosidade não me tivesse levado a perguntar que nome tinha aquilo. A senhora também não sabia em inglês. E continuando o meu questionário, quis saber então como era no país dela. Respondeu-me simplesmente: “tchutchu”. Devo ter feito um ar de espanto e disse-lhe: “que interessante, no meu país é chuchu!”.
Foi naquele instante que, como dizem os jovens de hoje, “caiu a ficha”. Dei-me conta desse grande intercâmbio que Portugal foi um dos mais importantes promotores no mundo e que vai além do sentido de mercadoria, de troca, de compra e de venda, tornando-se um fator de transformação da vida dos povos.
Isto é o que José Mendes Ferrão chamou de “a aventura das plantas”, e para mim é a maravilhosa “salada portuguesa”. É o trasladar as espécies de uma região para outra, a sua aclimatação, a introdução na cultura local, a orientação para o seu aproveitamento e, ao mesmo tempo, permitindo a criatividade e o gosto de cada povo para traçar outros usos. Essa contribuição, que se tornou permanente e indestrutível, tem um valor imensurável na História econômica e social da humanidade.
Basta pensar: o que seria de Pernambuco sem a cana-de-açúcar? Como haveria de ser a nossa paisagem sem o verde farfalhar da palha da cana, qual tapete de esperança cobrindo a topografia ondulada da Zona da Mata, já sem a mata? E a nossa economia sem as moendas dos engenhos, nem os bueiros das usinas? Talvez mais justa! Quem sabe não teríamos os caçacos de engenho ou os severinos de João Cabral de Melo. Pernambuco sem o açúcar poderia até ser melhor, mas certamente não seria igual.
Já pensaram como passar um verão sem uma boa manga-rosa ou espada? Não conhecer o sabor da pinha, nem do sorvete de graviola? Como criar os nossos filhos e netos sem um suquinho de laranja ou uma bananinha amassada? Como, na meia idade, fazer uma dieta sem uma salada verde? Já imaginaram o típico “bolo de rolo” sem a goiabada, e uma “cartola” (tão pernambucana) sem banana e sem canela? Como sentar à mesa para o desjejum, ou “pequeno almoço”, que para nós é mesmo o “café da manhã”, sem o café? Quase impossível!
Como seria pobre o resto do mundo sem o sabor da castanha, do Cajueiro Nordestino tão bem enaltecido por Mauro Mota? Nem entenderiam a magia dos cajus saídos das mãos de Francisco Brennand e que lhe são tão característicos. Que engraçado constatar que a batata inglesa não é da Inglaterra; que o tomate não é italiano; as bananas não são da América Central, nem mesmo a nanica, que vestia a “Chiquita bacana”, é da Martinica, como se cantava em música de antigo carnaval .
Eis o grande capítulo da História que precisa ser resgatado. Se várias razões lançaram os portugueses ao mar, e seria longo analisá-las aqui, convém constatar que souberam vencer os desafios do desconhecido, dos perigos, das incertezas. Se meios faltavam, sobravam-lhes coragem e vontade.
“Navegar é preciso, viver não é preciso” – está dito tudo.
A História Clássica nos ensinou, que interrompido o caminho para o Oriente, via Mediterrâneo e Mar Vermelho (Mar Roxo), em razão da Queda de Constantinopla, tomada pelos otomanos, haveria que se buscar uma nova rota, quer fosse contornando a África, quer fosse pelo ocidente, contornando o mundo.
E tudo começou com a comida – faltavam às mesas européias as especiarias das Índias: a pimenta, o cravo, a canela (e olhem que eles nem conheciam a Gabriela, que sendo cravo e canela, na verdade era mesmo uma pimenta!). A noz-moscada, o gengibre e tantos outros produtos, as drogas medicinais ou as odoríferas que eram imprescindíveis ao consumo europeu da época. Era urgente buscá-los.
Os portugueses já vinham se aventurando pelas costas africanas, com comércio bastante expressivo e descobrindo novas terras. A cada viagem, um pouco mais: Madeira, Cabo Verde, feitorias no Marrocos. Diogo Cão chega ao Zaire, em 1485, e tem a percepção de que estava perto de encontrar a passagem para o Índico. As expedições de Bartolomeu Dias (1487), Vasco da Gama (1497), Pedro Álvares Cabral (1500), Duarte Pacheco Pereira (1504), Afonso de Albuquerque (1511), Álvaro Coelho (1515) e Fernão de Magalhães (1521) chegaram a Calecut. Constatam que a pimenta tinha em toda parte; a canela vinha do Ceilão; o cravo (cravinho) e a noz-moscada de cinco pequenas ilhas do sudeste asiático –Ilhas Malucas ou do Maluco, de lá para Malaca e daí para Calecut; o gengibre de Cananor, os panos de algodão vinham de Cambaia e assim por diante.
Em “Os Lusíadas”, no Canto Segundo, estrofe 4ª, um mensageiro do Rei de Mombaça, armando uma cilada para Vasco da Gama, faz referência aos interesses que os portugueses tinham com a expedição:
“E se buscando vás mercadoria
Que produze o aurífero Levante,
Canela, cravo, ardente especiaria,
Ou droga salutífera e prestante;
Ou se queres luzente pedraria,
O rubi fino, o rígido diamante,
Daqui levarás tudo tão sobejo
Com que faças o fim a teu desejo.”
Igualmente no Canto Nono, estrofe 14, Camões descreve o que Vasco da Gama levava das Índias para Lisboa:
“Leva pimenta ardente, que comprara;
[. . .]
A noz, e o negro cravo, que faz clara
A nova ilha Maluco, com a canela,
Com que Ceilão é rica, ilustre e bela”
(versos 4,6-8)
No último canto de “Os Lusíadas”, novamente há descrição das especiarias nas estrofes 132 e seguintes:
132 “As árvores verás do cravo ardente,
Co sangue Português inda compradas.”
133 “Olha de Banda as Ilhas, que se esmaltam
Da verde noz tomando seu tributo.
Olha também Bornéu, onde não faltam
Lágrimas no licor coalhado e enxuto
Das árvores, que cânfora é chamado,
Com que da Ilha o nome é celebrado.”
134 “Ali também Timor, que o lenho manda
Sândalo, salutífero e cheiroso” (…)
Mas, os navegadores também carregavam, ao lado das mercadorias que tinham ido buscar, mudas de plantas e as espalharam por todas as partes do mundo. Se outros povos também participaram de tal façanha, devo ressaltar a dos portugueses, especialmente no que se relaciona com o Brasil.
Diz, com propriedade, Mendes Ferrão: “que os portugueses não fugiram a essa regra geral no seu peregrinar no mundo durante a época dos Descobrimentos e nos períodos que se lhe seguiram. Porém, o contacto com um meio novo e diferente, deu-lhes a conhecer outras plantas, próprias dos locais descobertos, de que procuraram tirar vantagens. Com uma perspicácia notável, conseguiram juntar a tradição à novidade. Por um lado, adaptaram nas novas regiões as plantas que já conheciam e utilizavam e, por outro, tiraram partido daquelas que conheciam pela primeira vez, transformando umas e outras em fonte de progresso e de fomento”.
Embora muitas tenham sido as plantas que foram espalhadas pelo mundo, tomemos só umas poucas à guisa de referência e curiosidade.
Pita, na sua obra publicada em 1730, em Lisboa, “História da América Portuguesa, de 1500 a 1634”, apresenta uma extensa lista de frutas estrangeiras já trasladadas para o Brasil: “pêssegos, pêros, marmelos, pêras nas capitanias do Sul[…] melancias seletas, regalados melões e em sumo grão fermosa”. Segundo França, em 1585 as hortaliças européias já estavam abundantemente difundidas no Brasil. Pitta as enumera: “alfaces, couves de várias castas, repolhos, nabos, rabanos, pepinos, espinafres, abóboras d`água, cebolas, alhos, bredos, mostarda, tomates” (de referir que o tomate é do México e aparece entre as hortaliça da Europa), berinjela de duas castas, favas, ervilhas, grãos, feijões, lentilhas; e faz uma outra lista de “ervas cheirosas”: hortelã, coentro, salsa, mangirona, endro, manjericão, alecrim e arruda”.
Para o Nordeste, de modo especial para Pernambuco, vale uma referência à cana sacarina ou cana-de-açúcar, como chamamos. É originária do sudeste asiático. As primeiras notícias na Europa descreviam-na como: “uma espécie de bambu que produzia mel sem intervenção das abelhas, servindo para preparar uma bebida inebriante”. Foram levadas por generais de Alexandre Magno no regresso da expedição à Índia, em 327 a. C. Os árabes introduziram a cultura no século X no norte da África e na Europa mediterrânea. No território português, teria chegado antes da nacionalidade.
O Infante D. Henrique viu no açúcar uma fonte de recursos para o financiamento dos Descobrimentos, pelo menos até se dobrar o Cabo da Boa Esperança, ensina Ferrão4. Na ilha da Madeira, a cana desenvolveu-se muito bem. De lá para Açores, Cabo Verde, São Tomé e na costa de Angola.
Pio Correia defende o ano de 1502-1503 como o da introdução da cana sacarina no Brasil, proveniente da Madeira, e acrescenta que, trinta anos mais tarde, vieram mais canas para a Capitania de S. Vicente por ordem de Martin Afonso de Souza, seu donatário. Daí a suposição de alguns que só em 1530 ocorreu a chegada da cana ao nosso país. Ora, há notícias que em 1516, a “Casa da Índia”, em Lisboa, procurava encontrar uma pessoa perita no fabrico do açúcar para enviar ao Brasil. Em 1518, já existiam aqui vários engenhos e, segundo Gilberto Freyre54, entre 1520 e 1526, figuravam na Alfândega de Lisboa direitos sobre o açúcar proveniente de Pernambuco.
A atividade açucareira na época colonial brasileira desenvolveu-se a tal ponto que, durante o domínio espanhol em Portugal, atraiu a cobiça da Holandesa Companhia das Índias Ocidentais que promoveu uma invasão visando ao seu comércio e chegando, em 1645, a existir duas centenas de engenhos que laboravam mais de um milhão de arrobas de açúcar.
A história do açúcar, na nossa região, é bastante conhecida, pois traçou não só a sua própria saga, mas o destino de um povo.
As bananeiras, por sua vez, também vieram de fora. Ficaram conhecidas como de duas categorias: a bananeira pão, cujos frutos são consumidos cosidos ou assados, e a bananeira fruta, que reúne um conjunto enorme de variedades e consome-se ao natural, como fruta.
Sabe-se que as bananeiras são originárias do sudeste asiático. Os árabes devem ter difundido a planta pela África oriental e no Mediterrâneo. Nos baixos-relevos da Assíria (se depois de tão terrível guerra, ainda restou algum!) e do Egito há representações de bananeiras, o que demonstra a sua importância para a população.
Gaspar Frutuoso, nos fins do século XVI, narrando sobre a fruta que encontrara na ilha de Santiago, na costa ocidental da África, faz sua descrição detalhada — mas é evidente que o relato era feito por quem nunca vira a fruta antes para quem também não a conhecia. Diz ele: “tem muitas bananeiras que dão uns figos de feição de pepinos que chamam bananas e são como pepinos, verdes e tortos”. “Quando é maduro tem a cor amarela, [é] cheirosa [e] saborosa. Há muitas castas, uns melhores que outros; colhendo-os verdes, tem-se doze ou quinze dias; comem-se crus, assados, cozidos, fazem deles outros manjares”. Não tem caroço, nem espinho.
Há informações de que os portugueses levaram as bananeiras do Mediterrâneo para São Tomé e para a África Ocidental. Gabriel Soares admite que no Brasil talvez houvesse uma espécie nativa da banana, a “pacova” (pacovã), como fruto natural, mas a bananeira-figo foi aqui introduzida pelos portugueses, trazidas de São Tomé. Descreve-as como “mais curtas que as pacovas, mais grossas e de três quinas, têm a casaca da mesma cor, o miolo mais mole e cheiram melhor”.
Atualmente é grande a produção mundial de bananas, sendo o Brasil um dos maiores produtores da banana-fruta (figo) ao lado outros países da América Central e do Sul. Quanto à banana pão é mais cultivada na África (Ruanda, Nigéria, Togo, Zaire, Zâmbia).
Os cítricos, dentre eles as laranjas, igualmente vêm do sudeste asiático subindo pela China, embora cada qualidade possa ser de região distinta: Butão, Birmânia (Myamar), Malásia. Enfim, da Cochichina e da China.
Sabe-se que também foram difundidos pelos árabes e através do Mediterrâneo teriam chegado à Península Ibérica (incluindo Portugal), mesmo antes dos Descobrimentos. Todavia, é farta a bibliografia dando conta de que a laranjeira doce foi introduzida pelos portugueses, trazidas da China. Inclusive os autores fazem referência a D. Francisco de Mascarenhas que mandara vir algumas dessas mudas da China, por Goa, para Lisboa, no ano de 1635, para plantar no seu Jardim de Xabregas.
Mas, também se sabe que os portugueses já haviam trazido os cítricos para o Brasil, bem antes, pois o Pe. Manoel da Nóbrega, numa das cartas escritas em 1549, refere-se à fundação da cidade de S. Salvador e à existência no Brasil de uvas, “cidras, laranjas e limões que dão em muita quantidade”.
A laranja também foi introduzida pelos portugueses em Cabo Verde, São Tomé e na ilha de Santiago, embora na costa africana os árabes já tivessem feito a difusão. Na viagem de Vasco da Gama encontrara a fruta em Mombaça e Melinde, sendo muito desejada pelos doentes de escorbuto (evidentemente, em razão do teor de vitamina C que contém).
A mangueira também é originária do Oriente, proveniente da Índia, estendendo-se a Myamar (Birmânia), Malásia e ilhas vizinhas, e Pio Correia circunscreve a sua origem à Cochichina.
Tudo faz supor que a mangueira já era uma espécie muito importante quando os portugueses chegaram à Índia. Da mesma forma, vários autores afirmam que foram os portugueses que disseminaram a fruta por todo o mundo, primeiro pela costa oriental da África, passando para a ocidental, e daí a trouxeram para o Brasil.
Compreendendo a importância da fruta, eles tornaram Goa um lugar de reputação internacional pela qualidade e variedade dos frutos ali produzidos.
Além do consumo como fruta fresca, no Oriente se conhece a farinha desidratada de manga (amchur), fatias em conserva para “pickles”, o famoso e sofisticado “mango chutney”, além de sucos, néctar, “squash” de manga e o doce na forma de compota.
Pio Correia fixa a introdução da mangueira no Brasil por volta de 1700, em Itamaracá (mas chama de Baía). Pimenta Gomes confirma a época, e indica que as primeiras mudas de mangueira indiana foram para a Baía. Há informações mais antigas de que o Vice-Rei da Índia, Francisco de Távora, na nau São Francisco Xavier, enviou em 1683 cerca de 30 pés da fruteira para o Rio de Janeiro.
No Brasil, adaptou-se muito bem, multiplicando-se não só na quantidade, mas na variedade da fruta. Seria impossível dizer quantas são: espada, rosa, maranhão, Itamaracá, sapatinho, manguito, abacate, bourbon, carlota, coração de boi, etc. Hoje há, também, aquelas espécies modificadas geneticamente para favorecer as exportações e agradar ao mercado consumidor: Mangas Tommy, Aden e outras mais.
Como árvore é muito comum nos arruamentos das cidades. Em Belém do Pará, as mangueiras estão espalhadas por toda parte: ruas, praças, formando verdadeiros túneis vegetais que ajudam a melhorar o calor do verão. Em razão dessa exuberante arborização, Belém recebeu o epíteto de “cidade das mangueiras”. Mas, em grande parte do Brasil, norte, nordeste, sudeste, difícil encontrar uma grande cidade que não tenha pelo menos um bairro chamado “Mangueira”. Temos um aqui no Recife, em Aracaju e no Rio de Janeiro, que, além de bairro, é também uma parada de trem: Estação Primeira da Mangueira, que deu nome a uma famosa Escola de Samba, cujas cores correspondem exatamente à mangueira frutificando: verde e rosa!
Hoje, além do aproveitamento tradicional, tornou-se importante produto na pauta das exportações do Nordeste, especialmente do Vale do São Francisco, e tem atingido o mercado europeu e norte-americano.
Ainda haveria muito e muito por lembrar: a pinha, a graviola, a jaca, a goiaba, como também do labor das rotas inversas, do continente americano para o resto do mundo levando o caju, o abacaxi (ananás), o maracujá, o milho, a batata, entre muitos outros. Ou da África vindo o dendê, o inhame e o café —este talvez nos tenha chegado pela Guiana, não sei se lenda ou verdade, mas com uma história interessante envolvendo até um romance adúltero. Entretanto, já me alonguei bastante, tomando-lhes o tempo precioso e a paciência generosa, e só perdão receberei, porque chamei outro poeta, Fernando Pessoa, para me ajuda a terminar:
……….
Fosse Acaso, ou vontade, ou Temporal
A mão que ergueu o facho que luziu,
Foi Deus a alma e o corpo Portugal”