Há algumas semanas estava em Belém do Pará, como faço todos os anos, para participar do Círio de Nazaré. É a celebração religiosa mais intensa e completa que já vi no catolicismo. Difícil descrever, é preciso vivenciar cada momento, cada ato com muita fé e emoção.
São dois ou três milhões de pessoas nas ruas, ordeiramente, acompanhando as diversas procissões; mas de quinhentas embarcações de todos os tamanhos, pelas águas da baía do Guajará. A cidade de Belém é toda festa e acolhimento, decorada em branco e amarelo (desde o desembarque no aeroporto, entre a imagem de N.S. de Nazaré ao alegre “carimbó”); em todos os estabelecimentos comerciais, no hall dos edifícios, por todos os lugares, cada um querendo homenagear a Santa que tanto veneram.
Tudo lá me encanta, como a solução turística para as Docas, o Teatro da Paz, o Museu Emilio Goeldi, o Mercado do Ver o Peso, o Mangal das Garças, a Casa das 11 Janelas, o Parque da Residência, a Igreja da Sé, a Basílica de Nazaré, o Polo de criação de São José Liberto, a gastronomia, o rico artesanato, etc.. Mas há algumas coisas que me tocam mais de perto. Vejo, por exemplo, que nos atos religiosos as pessoas parecem expressar mais o seu agradecimento do que pedidos. Saem nas procissões levando na cabeça representação de pequenas casas (um ano cheguei a contar até 600, desisti porque continuavam passando), tijolos, jovens com livros, embarcações, objetos de cera que são recolhidos nos “carros das promessas”.
O que mais me emociona são as crianças vestidas de anjo, levadas nos braços dos seus pais. Quase todas, nota-se, de origem humilde, pela simplicidade das suas vestes. As pequenas asas são feitas com penas brancas de aves domésticas ou de papel crepon coladas numa cartolina! Mas a família está ali agradecendo alguma cura ou até o próprio nascimento, numa expressiva prova de gratidão. Esta é a grande lição dos anjos.
Agora estou em Paris, privilegiadamente num 11o andar próximo à Bastille e vejo da janela a coluna com o deus Mercúrio dourado, reluzindo numa ensolarada manhã de outono. Penso: Será que foi aqui o lugar onde se viveu mais intensamente os lemas: liberdade, igualdade e fraternidade?
Volto a Belém do Pará. Não tenho dúvida que o Círio reúne esses três lemas. A presença de milhões de pessoas nas ruas é um ato da mais pura liberdade. Estão ali porque desejam manifestar o seu sentimento religioso. E juntas não se distingue a idade, o sexo, a raça, a classe social nem a capacidade física de cada uma. Todos são absolutamente iguais. E a maneira generosa, acolhedora e gentil como abraçam os de lá e os que chegam unidos pela fé, é a prova da grande fraternidade que deve prevalecer entre os seres humanos.
Todos lá, como fazemos no Natal, se saúdam sincera e alegremente: Feliz Círio! Feliz a humanidade se em cada lugar se transformasse num Círio de amor e de paz.