IAHGP – Admissão de novos sócios

INSTITUTO ARQUEOLÓGICO, HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DE PERNAMBUCO

ADMISSÃO DE  NOVOS SÓCIOS

LOCAL: SEDE DO IAHG DE PERNAMBUCO

DATA: 26 DE MARÇO DE 2008 – 17 horas

PALAVRAS DE: MARGARIDA CANTARELLI

Senhor Presidente do IAHG de Pernambuco, Professor Nilzardo Carneiro Leão

Confreiras e confrades do IAHGP,

Amigos e familiares presentes,

Minha colega e amiga  Diva Maria Gonsalves de Mello,

Senhoras, Senhores,

Que as minhas primeiras palavras sejam de agradecimento em nome dos três novos admitidos nesta sessão solene do IAHGP – Diva Maria Gonsalves de Mello, George Cabral de Souza e no meu próprio. Agradecimento, sim, a todos os confrades pela aceitação do nosso nome como sócios e, de modo especial, do nosso concurso a esta Instituição – guardiã, bastião e cenáculo do mais consciente, operoso, profundo e vivo sentimento da História da nossa terra e da nossa gente. Aqui está o verdadeiro Panteão da Pernambucanidade.

Agradeço eu, de modo especial, aos diletos amigos, Nilzardo Carneiro Leão, meu professor na Faculdade de Direito do Recife, e Reinaldo Carneiro Leão, meu colega de juventude (não muito distante), pela iniciativa da minha indicação; a Roberto Motta, companheiro há mais de quarenta anos, pelo entusiástico endosso; a Cristina Cavalcanti, pelo generoso parecer oferecido no meu processo de ingresso e pelo cuidado afetuoso com esta solenidade; e a tantos outros confrades e amigos de tempos d’antanho, igualmente muito queridos.

Tenham a certeza de que viemos para reunir esforços, somar entusiasmo, ajuntar conhecimentos ao muito que aqui já existe consolidado num tempo mais que secular, entranhado nas paredes deste templo, construído pelas contribuições de tantos intelectuais que enobrecem Pernambuco e que não ouso citar individualmente para não incorrer no gravíssimo pecado da omissão. Mas abrirei uma exceção para mencionar o professor José Antônio Gonsalves de Melo, seu presidente por mais de três décadas, e cuja filha, Diva, minha colega no Colégio Vera Cruz, hoje é admitida na ainda viva senda traçada por seu pai, de devoção a esta Casa, que sabemos, também ela, vem nos aportar.

Nunca senti tanta dúvida para escolher um enfoque que deveria dar a uma mensagem. Fazer destas palavras, quase um rito de iniciação. Primeiro, por estar diante de profundos conhecedores da História, principalmente da rica História do nosso Estado e dos guardiões de relíquias do nosso passado; além do que, os meus companheiros, que ora os represento, são, igualmente, eméritos historiadores – doutores e pesquisadores. Eu, com humildade, me considero tão só como uma eterna apaixonada pelo Direito Internacional, e como tal, não poderia desenvolver meus trabalhos sem buscar, dentre as suas fontes materiais: a História, a Geografia, a Arqueologia, a Ciência Política e, pela complexidade do mundo de hoje, tantas outras fontes necessárias para compreendermos o sentido dos tratados e das demais normas que não só regem as relações  internacionais, mas que se inserem, recepcionados, no ordenamento jurídico nacional, no nosso dia-a-dia sem que sequer o percebamos.

Muito sugestivo deste enastrar da História com o Direito Internacional está no título de um livro de Vitor Margueritte, de 1935, na sua tradução para o português: “Tratados – farrapos de papel”, cujo original em francês é: “Le Cadavre Maquillé”. Que estranha tradução, poder-se-ia pensar! O livro, como uma antevisão da 2a Guerra Mundial que se avizinhava, trata da história dos antecedentes e da constatação dos fracassos da Liga das Nações (o cadáver maquilado), criada após a 1a Guerra Mundial, por Tratados de Paz (os farrapos de papel), dentre os quais o seu Pacto constitutivo e o Tratado de Versailles, de 18 de junho de 1919. Isto é a História explicando o Direito ou o Direito retratando a História.

E este ano de 2008, rico em celebrações especiais, deixa muito clara essa vinculação. Ao lado de um importante fato histórico, há sempre um ato jurídico que o enforma e o conforma. 

                   Comemoram-se, em 5 de outubro, os 20 anos da Constituição Federal de 88 – a “Constituição cidadã”, que reflete, através de um corpo normativo, muito mais do que um conjunto de regras e princípios jurídico-constitucionais, mas, sobretudo, todo o cenário histórico do país de então. Depois de largo período de exceção, é o corolário da redemocratização do Brasil, representando a esperança, cheia de sonhos; o espelho de reivindicações, como instrumento de transformação; inovadora em momentos, conservadora noutros; ousada aqui, incompleta acolá. Mas, acima de tudo, continua sendo a expressão dos instrumentos para uma cidadania plena. 

                     Em 10 de dezembro de 2008, a  Declaração Universal de Direitos  do Homem completa 60 anos. Longe vai o tempo daquela Assembléia Geral das Nações Unidas, ainda em Paris, num frio dezembro de 1948, quando mal haviam se apagado os fornos dos Campos de Concentração, cessado o troar dos canhões nos campos da batalha ou se desfeito no ar os gigantescos cogumelos das bombas atômicas, quando foram proclamados os direitos inalienáveis e sagrados da pessoa humana.  Como reza a parte inicial do seu preâmbulo:

“ Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo;

Considerando que o desconhecimento e o desprezo dos direitos do homem conduziram a atos de barbárie que revoltam a consciência da Humanidade e que o advento de um mundo em que os seres humanos sejam livres de falar e de crer, libertos do terror e da miséria, foi proclamado como a mais alta inspiração do homem.”

                     Esse texto-resposta ao mundo, com apenas 30 (trinta) artigos, tornou-se um símbolo, uma referência da nova visão dos direitos humanos que se esperava erigir na segunda metade do século XX,  pós a hecatombe que a sociedade internacional, ainda não refeita, acabara de presenciar. Era o esforço para recomposição do tecido social através da valorização do ser humano, pela liberdade, pelo reconhecimento da sua dignidade, esperando-se, assim, construir um mundo de paz.

1808 – janeiro, 22/23, há exatamente 200 anos, chegava a Família  Real a Salvador. E quando falamos da vinda da Corte Portuguesa,  associamos  imediatamente a Napoleão, aos ingleses e a tantos fatos que justificaram a  fuga da Coroa de Portugal, deixando não só o comandante francês Junot, literalmente “a ver navios”, já fora da barra do Tejo, mas, iniciando, de forma inarredável, o caminho da nossa independência. 

                      Vários atos jurídicos, da maior relevância, podem ser apontados como contornos desses fatos históricos.  De um lado, a velhíssima ligação entre Portugal e a Inglaterra, cujo primeiro ato formal de que se tem notícia é o Tratado de Aliança de 1373, celebrado entre o rei D.Fernando de Portugal e Eduardo III da Inglaterra, que tinha como objeto a proteção contra Castela. A História mostra, ao longo do tempo, mais de meia centena de Tratados em que estiveram ambos – Portugal e Inglaterra – do mesmo lado.

Da outra parte, o Decreto de 21 de novembro de 1806, assinado por Napoleão, em Berlim – um ato interno, mas com eficácia internacional – instituía o Bloqueio aos portos do Continente Europeu, impedindo-os de acolher navios ingleses e impondo aos respectivos países a expulsão dos súditos ingleses e o confisco dos respectivos bens.

            Era imprescindível para a Inglaterra encontrar outros portos, não somente do ponto de vista militar, mas também econômico, pois através deles passavam os produtos manufaturados, frutos da revolução industrial, e que reclamavam mercado; como necessitavam  adquirir matérias-primas, à frente das quais estava o algodão. O seu velho aliado era o único caminho. Apesar dos esforços e dos dribles da diplomacia portuguesa, tentando equilibrar-se entre os dois fogos,  da França veio o Tratado de Fontainebleau, assinado em 27 de outubro de 1807, com a Espanha, pelo qual se procedia a partilha de Portugal em três parcelas com destinos distintos, o que foi importante para convencer o Príncipe da necessidade e urgência da transmigração da Família Real para o Brasil. E assim foi.

    Em 28 de janeiro de 1808, portanto cinco dias após o seu desembarque em terras brasileiras, assinou D.João a Carta Régia – um ato jurídico internacional unilateral (ou um ato interno com eficácia internacional), dirigida ao Conde da Ponte, Governador e Capitão Geral da Capitania da Bahia, onde permitia abrir ao comércio com as nações amigas os portos do Brasil. Como dizia o seu texto original: 

“ …Atendendo à representação que fizeste subir a minha real presença sobre se achar interrompido e suspenso o comércio desta Capitania, com graves prejuízos dos meus vassalos e da minha Real Fazenda … e querendo dar uma providência pronta e capaz de melhorar o progresso… : sou servido ordenar interina e provisoriamente que sejam admissíveis nas Alfândegas do Brasil todos e quaisquer gêneros, fazendas e mercadorias transportados, ou em navios estrangeiros de potências que se conservem em paz e harmonia com a minha Real Coroa, ou em navios dos meus vassalos, pagando por entrada vinte e quatro por cento, a saber: vinte de direitos grossos, e quatro do donativo já estabelecido…”.

Como se vê, aí nascia o provisório permanente! E os percentuais oficializados!

Mas, somente em 19 de fevereiro de 1810, é que a situação ficou mais claramente definida, com a assinatura de três Tratados entre o nosso Príncipe D. João e o rei Jorge III, da Inglaterra, sendo o primeiro de Aliança, contendo artigos secretos (posteriormente revelados); o segundo, relativo ao comércio e à navegação (inclusive diminuindo os percentuais de entrada para os ingleses), e o terceiro sobre o estabelecimento de paquetes entre os domínios de Portugal e da Grã-Bretanha.  A estes, acresça-se, uma Convenção anterior, de 1809, sobre um empréstimo de 600.000 libras esterlinas, concedido para compra de armas e munições, tendo como garantias, “os rendimentos da ilha da Madeira” e o produto líquido da venda do pau Brasil que se obrigava o Príncipe Regente a mandar para a Inglaterra, anualmente, vinte mil quintais.

Mas há também nas efemérides habitualmente celebradas por este Instituto, como hoje, a Restauração Pernambucana, um ato jurídico internacional bilateral, pouco conhecido, que é o Acordo de Capitulação, firmado pelas 11 horas da noite, do dia 26 de janeiro, na Campina do Taborda, pelo qual o Governo do Brasil holandês e sua milícia entregavam ao Mestre de Campo General Francisco Barreto todas as praças por eles dominadas no Nordeste, de Pernambuco ao Ceará.

            E, “pela madrugada do dia seguinte – 27 de janeiro – o documento foi rubricado pelos dois membros do Governo e pelo Tenente General das Tropas Holandesas, e, em seguida por Barreto”. Pelo que se depreende das fontes, as assinaturas não foram apostas num mesmo momento, entre vencidos e vencedores, mas isto não retira do ato a sua força cogente. Este assunto está muito bem analisado no livro “A Rendição dos holandeses no Recife”, do mestre José Antonio Gonsalves de Mello, que mereceria uma reedição com a continuação dos trabalhos ali iniciados.

Senhor Presidente,

Senhoras, Senhores,

O meu vínculo de amor e de compromisso com a História de Pernambuco não é recente. Nasceu bem cedo, porque nasceu comigo mesma, e não é fruto apenas do “jus soli”, mas, sobretudo, do “ jus sanguinis”. É de se ressaltar que, para ser pernambucano, não basta ter assento de nascimento num Cartório de Registro Civil deste Estado. Isto lhe confere a condição de pessoa. Ser pernambucano é algo mais forte, vem de um sentimento de respeito e de orgulho do nosso passado. Por isso, ser pernambucano não é ser um saudosista, mas ser um reverente. 

                   E essa reverência estende-se a fatos e a pessoas. A fatos que marcaram os caminhos da independência e da liberdade: em 1654, 1817, 1824, 1848, na campanha abolicionista, até em passado recente, e permanecem acesos, sempre que haja riscos à liberdade. Esses caminhos são permanentes e nunca estarão completamente trilhados, quer chamemos, hoje, Estado de Direito, democracia ou cidadania. A Pessoas, muitas, que lutaram pela afirmação desses ideais, ideais que, de tão fortes, tornaram-se maiores que a própria vida, e muitos, por eles, a perderam.

Desde muito cedo ouvia a exaltação às figuras do Padre Roma e do General Abreu e Lima. Meu pai era trineto de José Joaquim Ignácio Ribeiro de Abreu e Lima (o Padre Roma) e sobrinho-bisneto de José Ignácio Ribeiro Roma de Abreu e Lima (o General Abreu e Lima), já que (meu pai) descendia de João Ignácio Ribeiro Roma de Abreu e Lima, filho do Padre Roma e irmão do General. O João Ignácio Ribeiro Roma de Abreu e Lima era o pai de Maria Leopoldina Ribeiro Roma (que se casou com o português Virgilio de Castro Oliveira) e de João Ignácio Ribeiro Roma (que se casou com Osmida Cesário de Melo).Os descendentes de João Ignácio Ribeiro Roma de Abreu e Lima passaram a usar apenas o sobrenome Roma. Do casamento de Maria Leopoldina e Virgílio de Castro Oliveira, nasceu um único filho que recebeu o nome completo do pai, já falecido quando do seu nascimento – Virgílio; do casamento de João Ignácio e Osmida, dentre os vários filhos, nasceu Clarice. Os primos se casaram e foram os pais do meu pai, meus avós. Assim é que herdei, embora não conste esse sobrenome no meu registro civil, no sangue que corre nas minhas veias, uma dupla dose dos  Roma/Abreu e Lima.

Lembro-me perfeitamente de ter ouvido muitas histórias, na versão familiar, que certamente enaltece bastante os seus ancestrais. Embora o meu pai fosse médico e farmacêutico, mas sempre que tinha a oportunidade de fazer algum discurso, logo, logo, se referia ao Padre Roma, assumindo a condição de descendente de Padre! Minha avó Clarice, muito católica, sempre justificava, enfatizando que o Padre Roma não tinha chegado a se ordenar. Era uma versão pessoal para aplacar os seus sentimentos religiosos! Ouvia atentamente as conversas sobre uma possível trasladação dos restos mortais do General Abreu e Lima para o cemitério municipal ou para a Venezuela, onde tem um lugar reservado no Panteão de Bolívar, com os Heróis da Pátria, em Caracas. E esta mesma avó opinava, sistematicamente, pela permanência no  túmulo do cemitério dos ingleses. “Foi lá que recebeu sepultura, é lá que deve ficar”. Fomos algumas vezes visitar o seu túmulo, antes mesmo do alargamento da Avenida Cruz Cabugá. 

Sempre me impressionou fortemente o fato do capitão José Ignácio (o futuro general Abreu e Lima) ter assistido em Salvador à execução do padre Roma, o seu próprio Pai. Isto me parecia e, ainda me parece, uma cena extremamente dolorosa. Para um jovem, com um temperamento que já denotava um forte sentimento de independência, de liberdade e de justiça, tal fato deve ter ferrado indelevelmente a sua alma, pois o seu pai foi preso no dia 26 de março e executado no dia 29 do mesmo mês. Em três dias, nenhum processo, mesmo por juízo de exceção, pode ter um julgamento justo, sobretudo se condena o acusado à pena de morte.

Bem descreve a poesia de João Cabral de Mello Neto:

“ Ao capitão Abreu e Lima

concederam estranha honra:

ele foi convidado a ver

fuzilar o pai, Padre Roma.

O capitão Abreu e Lima

Ante a distinção concedida

Se foi de quem a concedeu:

O rei e o vice da Bahia.

Se foi para a Venezuela,

Vestir a farda de Bolívar:

Não era a sua, mas pregava

Uma independência com vida”.

Era eu Secretária de Estado, titular da Casa Civil de Pernambuco, em 1981, no Governo de Marco Maciel, quando me coube organizar a visita ao nosso Estado do então Presidente da Venezuela, Luís Herrera Campíns. Dentre as solenidades, a comitiva precursora destacava a visita ao túmulo de Abreu e Lima e pedia que fosse convidado o maior número possível de parentes para que vissem a homenagem, com palavras e flores, que o Presidente iria prestar em nome do povo do seu país. Compareceram muitos familiares, de várias profissões, de todas as idades, até mesmo dois primos, sempre antagônicos politicamente, mas, naquela hora, unidos pelo sangue comum, João Roma e Paulo Cavalcanti.

Durante a visita, o Presidente Herrera Campins, trouxe um significativo presente para Pernambuco: uma estátua de Bolívar, mas com uma condição, que fosse colocada, em tal posição, que ficasse, mesmo que com alguma distância, mirando o túmulo de Abreu e Lima.  E assim foi feito, encontra-se no início do Complexo de Salgadinho, mas do lado do Recife, antes do canal que o separa de Olinda.

Indo à Venezuela, em 1995, participar de um Seminário na cidade de Mérida, encravada nos Andes, resolvi parar alguns dias em Caracas. Pretendia, como de fato fui, conhecer o Panteão e ver a placa referente a Abreu e Lima, num túmulo vazio. Depois, no centro da cidade, dirigi-me a uma livraria e perguntei a um velho livreiro que me atendeu se havia alguma obra sobre o General Abreu e Lima. Tomou o cidadão um ar muito solene, quase perfilado, respondeu: “sim, fiel ao nosso Libertador”. E dirigindo-se a uma estante, voltou com um exemplar do livro de Vamireh Chacon, publicado em espanhol. Quando lhe disse que era descendente por linha colateral do General, o livreiro, com visível emoção, não aceitou o pagamento, era um “regalo”.

Em dezembro passado (2007), estava em Buenos Aires, assistindo à posse da nova Presidenta da Argentina, Cristina Kirschner, solenidade no melhor estilo latino-americano, quando usa da palavra o atual Presidente da Venezuela. E qual não foi a minha surpresa, ao ouvi-lo citar como exemplo da possibilidade de solidariedade entre os “hermanos” do continente, o pernambucano (não disse brasileiro) general Abreu e Lima, a quem teceu os maiores encômios. Por alguns brevíssimos segundos, reconheço, rendi-me a Chavez.

Mas, ao lado dos feitos, das tragédias e dos heroísmos, há a vida real e comum. Todas as famílias têm também as suas características, traços físicos (os fisionômicos do General são facilmente identificáveis em vários parentes), como também marcas de temperamento. Dizem sobre os Abreu e Lima/Roma que os homens são eméritos conquistadores e que as mulheres têm gênio forte. Quanto à parte masculina, a grande prole de um Padre já denota uma certa veracidade da história, não precisamos buscar mais exemplos. Quanto às mulheres, recordo-me que o meu pai, quando tinha alguma raiva, o que era raro, sempre concluía: “sou bisneto de D. Antonia”, como um símbolo de brabeza. E eu sempre pensava, quem terá sido essa D.Antonia? Recentemente, olhando uns papéis que recebi da prima Marluce de Abreu e Lima, lá encontrei a D.Antonia, como a única irmã (mulher) do General e filha do Padre. Aí entendi de onde vinha tanta valentia.

A minha avó Clarice, que não fugia à característica familiar feminina, quando alguém lhe perguntava: “D. Clarice a senhora é braba”? Respondia, do alto do seu explícito matriarcado: “eu não sou braba, eu sei querer”. Lição de primeira.   

Recentemente, reunimo-nos, alguns primos – Benedito e Roberta de Abreu e Lima, Élio Wanderley Siqueira e eu para examinarmos uns documentos guardados por Benedito, que vinham do seu pai, o conhecido médico Ângelo de Abreu e Lima.  Num tubo havia um grande pergaminho, levado por uma Comissão de Senadores Venezuelanos à Embaixada do Brasil em Caracas, em 1969 e, pelo Embaixador, enviado ao nosso Ministro das Relações Exteriores, então, Deputado José de Magalhães Pinto.

O documento veio a ser entregue ao Governador Nilo Coelho e, por este, à família. É relativo a uma homenagem prestada pelo Senado da Venezuela no transcurso do primeiro centenário de falecimento do General Abreu e Lima. Ressalta o documento ter sido o ilustre pernambucano “um dos mais preciosos vínculos históricos, intelectuais e morais entre o Brasil e a Venezuela”. Assinala, ainda, que “Abreu e Lima serviu à causa da emancipação sul-americana sob as ordens de Bolívar, Paez, Sucre e Montilla, tendo participado de inúmeros episódios históricos no período compreendido entre 1818 a 1831”.

Entendemos que o pergaminho referido deverá ficar disponível aos interessados na vida do General Abreu e Lima e na História da América do sul e do Brasil, por isso, Benedito de Abreu e Lima se dispõe a doá-lo a este Instituto, já que aqui são guardados tantos outros  documentos relativos à vida e à obra do nosso antepassado. Igualmente a família pretende oferecer meios para a realização de um concurso de monografia, visando a reacender o interesse dos jovens por essa figura da história da nossa e de outras terras, mas que pertence, antes de tudo, a Pernambuco.

Senhoras, Senhores,

A coragem do nosso povo, a força dos nossos ideais e a firmeza das nossas atitudes tiveram um alto preço que Pernambuco pagou. Pelos nossos movimentos independentistas, fomos sendo mutilados no nosso território. Em 1817, D. João VI, através de um Aviso Régio, em 29 de abril,  nos tirou a Comarca de Alagoas, dando-lhe autonomia e pelo Decreto de 18 de março de 1818, desliga o Rio Grande do Norte de Pernambuco. Em 1824, o inconstitucional decreto de D. Pedro I, de 7 de julho, que mais parecia um libelo, ferindo o art.2o  da Constituição de 1824, por ele mesmo outorgada, sacou “a bella Comarca denominada de Rio São Francisco” do território da Província de Pernambuco, inicialmente entregando-a a Minas Gerais. Mas, em 15 de outubro de 1827, numa burla à Constituição, repassou-a, provisoriamente, à Província da Bahia, até que se fizesse a organização das Províncias do Império, o que nunca ocorreu.

Este é mais um provisório que se tornou definitivo!

Os versos bem descrevem a retaliação do território pernambucano:

O pescoço fica para Minas,

Para a Bahia este braço,

Para Alagoas esta perna,

Para o Piauí fica o baço.

Mesmo esquartejado, Pernambuco, como canta João Cabral:

Só vai na horizontal

Nos mapas que o mutilaram

Em tudo é vertical:

Dos sobrados e bueiros da mata

                    ……..

Aquela horizontal

É enganosa, está só nos mapas

E não diz de sua história

E muito menos de sua casta

Assim, embora mutilado, permanecemos bem vivos, pois, não conseguiram retirar de nós a coluna, da verticalidade, da coragem e da altivez; a cabeça, dos ideais, da sabedoria e da inteligência; nem o coração, do humanismo,  da cultura e do amor.

Aqui termino como D. João começou a sua Carta Régia de 1808:

“A todos envio muito saudar”!


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