Lições de Tracunhaem

Quando voltei da Holanda no início dos anos 70, já começava a moda no Recife de conjuntos para feijoada feitos em cerâmica ou mesmo de barro. Resolvi mandar fazer um para usar na minha casinha em Fazenda Nova onde gostava de receber os amigos, especialmente na Semana Santa.

Alguém me sugeriu ir encomendar em Tracunhaem que começava a ser reconhecida como um polo de artesanato em argila: Lídia, Nuca, Zezinho, entre outros. Lembrei-me do tempo que o meu irmão Virgílio, recém-formado em Medicina, começava sua vida de magistério na Faculdade de Odontologia de Caruaru. Meu pai algumas vezes ia levá-lo no nosso carro (as famílias só tinham um veículo) e eu integrava a comitiva. Enquanto esperava o fim da aula para almoçarmos carne de sol no Hotel Centenário (acho que era o único), passávamos o tempo, Papai e eu, na Feira. Papai ia direto na banca de Vitalino que também não era muito conhecido. Conversavam bastante e sempre voltávamos cheios de peças, sobretudo quando o Mestre dizia que o movimento estava fraco. Até hoje guardo um touro de Vitalino comprado numa dessas andanças.

Mas, voltando a Tracunhaem, fiquei maravilhada com os santos de barro. Encomendei a Zezinho o conjunto completo para feijoada com minhas iniciais MO (Margarida Oliveira, meu nome de solteira) riscadas no barro e quando fui buscar, não resisti ao Presépio e a uma versão popular da Nossa Senhora, de Lídia.

Aí então, eu, com toda a minha pós-graduação europeia, recebi as lições da sabedoria daquelas pessoas tão simples. Zezinho me mostrou o conjunto da feijoada pronto e me chamou para um canto, quase cochichando para os outros não ouvirem, disse: “só não botei as letras da senhora na farinheira”. Por quê? Perguntei sem entender. Resposta: “a farinheira é uma galinha e não fica bem as letras da senhora num bicho desse”!

Em seguida fui à casa de Lídia pegar o Presépio. Observei que o galo era enorme, gordo, maior que o camelo. Perguntei como era aquilo. Resposta: “o galo eu sei como é, acorda a gente, se come. O camelo eu nunca vi”! Passei à Nossa Senhora, toda em barro, com uma saia bem rodada, um manto na cabeça e o Cristo descido da cruz no colo, como uma criança. Uma versão da Pietá! Chamou-me atenção a desproporção do tamanho do Cristo nas imagens da Pietá para aquele feito por Lídia. Perguntei a razão. E mais uma resposta que me trouxe uma sábia lição. “A senhora num sabe porque é solteira, mas pra mãe, todo filho é sempre pequeno”


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