Medalha Nilo Coelho

Petrolina, 25 de agosto de 2003.

Outorga da Medalha Nilo Coelho.

Palavras de agradecimento proferidas por Margarida Cantarelli

Sr Prefeito Fernando Bezerra Coelho,

Senhoras, Senhores,

Foi com imensa satisfação que recebi a comunicação de V. Exa. sobre a outorga, a mim conferida, da Medalha Nilo Coelho que, nesta hora, tão generosamente, V. Exa. me faz a solene entrega.

Creio que o gesto de V. Exa. deveu-se mais à expressão de uma velha e pessoal amizade do que a qualquer mérito meu que pudesse justificar a concessão de tão grande honraria.  

                               Desta amizade, como símbolo, gostaria de recordar aquele já distante dia 2 de junho de 1985, quando transmiti a V. Exa., Deputado Estadual no seu primeiro mandato, o cargo de Secretário de Estado, Chefe da Casa Civil do Governo de Pernambuco que eu vinha exercendo, há mais de sete anos, nos Governos Marco Maciel, José Ramos e no curso do de Roberto Magalhães.

Levou-me –  do Palácio do Campo das Princesas para os mais distantes e recônditos grotões deste Nordeste, a minha crença de que este país só conhecerá melhores dias quando educação for efetivamente uma prioridade nacional.  Poucos entenderam o meu gesto, não importa, acostumei-me na vida a lutar por sonhos, mesmo quando aparentemente impossíveis, e muitos terminaram por se realizarem.

Quanto a V. Exa., embora muito jovem, soube com eficiência desembaraçar-se daquele delicado mister de Chefe da Casa Civil, que é contentar a todos, com as mãos quase vazias, mantendo a discrição e assumindo os conhecidos ônus dos desencontros políticos. Fomos maestros de uma orquestra onde não escolhíamos os músicos nem a música, mas ao final tínhamos que oferecer uma perfeita sinfonia. 

Creio que tenha colhido daquele tempo uma boa experiência para enfrentar os muitos desafios que a vida política tem posto no seu caminho e, que sempre, tem se havido com  competência e o merecido sucesso.

Os meus agradecimentos comovidos, na certeza de que procurarei fazer jus ao galardão, à distinção de V. Exa. para comigo, ao Patrono da Medalha, Senador Nilo Coelho, benfeitor desta Região e de Pernambuco, que tive a honra de bem conhecer e a Petrolina.

                               Mas, há tantos outros sentimentos e recordações que não poderia deixar, mesmo que brevemente, de pintar com palavras as memórias que incorporei quase como minhas próprias, de quem tem por esta terra o amor de filho, aliado a uma saudade imensa de não mais poder revê-la, porque já não vê. Refiro-me ao meu marido João Lustosa Cantarelli, ou Yôyô, para os do seu tempo.

Por isso cá me encontro, não como visitante, que chega, espia e passa, muitas vezes sem sequer olhar para trás. Aqui não estou chegando, meu caro Prefeito Fernando Coelho, estou apenas voltando. Volto, sim e entro – entro sem bater, porque não carece bater à porta quando se chega em casa. Abre-se suavemente, como se não se quisesse espantar o passado, sacode-se a poeira do tempo e destampa-se o baú das lembranças. E quantas lembranças, de quantos que não puderam esperar pela volta, pessoas queridas, lugares desfeitos, tempo esvaído.

Recordo-me da primeira vez que vim conhecer os meus sogros – o Major Ulisses Lustosa e D. Maria Emília. Chegamos quase na hora prevista, senhor Ulisses já estava todo pronto na calçada. Foi um grande e inesquecível encontro. Ao ser apresentada, ele me disse: “estava lhe esperando”. E eu me desculpei, um tanto atrapalhada, pensando nalgum involuntário atraso. Ao que me respondeu com a profundidade e um carinho tocante, que só os grandes sabem externar: “estava lhe esperando há muitos anos”. Entendi a mensagem e passei a ter por ele, além de um grande respeito um encanto por um homem legendário, forte, inteligente e sensível ao seu modo. Ganhou-me por completo. Anos depois, indo ao Recife para tratamento médico, passou uns dias conosco, e tive o prazer de, sentada ao seu lado, datilografar na minha Olivetti portátil, os discursos que ele, já cego, de memória reproduzia integralmente: a saudação que fizera na  chegada na D. Avelar Brandão Vilela, o 3o Bispo desta cidade; o discurso quando assumiu a Prefeitura de Petrolina e os muitos como Presidente da Câmara de Vereadores, textos que entrelaçavam amor à terra e compromissos sociais.

Minha sogra, D. Maria Emília, mulher inteligente, hábil e meiga, sem perder a firmeza necessária para conduzir a sua imensa família, a própria e os tantos parentes e aderentes que se acomodavam sob o seu lar, num séqüito infindável de estudantes e visitantes, temporários ou quase permanentes.

Aprendi, assim, a ver Petrolina através de João, pela luz dos olhos que, se perderam o brilho, mas não o sentimento, nas descrições cheias de encanto, sobretudo, por esse rio,                             Rio dos Currais, da Integração Nacional, rio  São Francisco, mas para ele era apenas o  seu velho Chico, da sua meninice: do dourado pôr do sol, como se o astro rei mergulhasse para o repouso noturno nas suas tépidas águas; dos banhos sorrateiros, quase escondidos, por causa dos perigos dos redemoinhos traiçoeiros; dos passeios na Ilha do Fogo, de pedras avermelhadas e areias brancas; das narrativas das travessias que o pai, Major Ulisses, fazia  diariamente para Juazeiro, onde estava a sua Casa Comercial, no paquetinho a vela, conduzido pelo “remeiro” sr. Augustinho; dos receios da sua mãe, D. Maria, dos ventos de agosto e das chuvas de fevereiro, esperando no terraço de trás, de onde se avistava o rio e o sinal da chegada.

Pois é, tem toda razão da conhecida canção:

“Na margem do São Francisco, nasceu a beleza,

E a natureza ela conservou.

Jesus abençoou com sua mão divina.

Pra não morrer de saudade, vou voltar pra Petrolina”.

Muitas das histórias por ele  narradas estão ligadas à influência da Igreja, e, especialmente, à vinda de D. Malan, em 1924, depois da elevação a Diocese, como o  1o bispo de Petrolina. Dom Malan, de nascimento italiano, mas filho de franceses, e, como tal, com gosto pelo gótico. É absolutamente surpreendente que na década de 20, em cerca de cinco anos, se tenha erigido uma catedral neo-gótica, neste longínquo sertão, com todas, todas as características do estilo mais puro.  Inaugurada em 1929! A nave em formato de cruz, o transcepto, as rosáceas, os vitrais, os arcos botantes, as capelas em torno do altar mor, as imagens, as telas, as torres pontiagudas, elevadas para os céus como mãos postas a rezar. É uma catedral gótica completa. Aqui não foram coroados os reis de França, como em Reihms, na região de Champagne; nem escondida a cigana Esmeralda, pelo Quasímodo, em Notre Dame de Paris;  nem guarda o segredo da fórmula do azul de Chartres, nunca igualado. Mas esta catedral assistiu a saga de um povo  que lutou contra as intempéries e que provou ser viável esta região, transformando-a num verde oásis do Nordeste que desejamos se estenda a todo o mais. Se da Europa vieram os vitrais e as imagens,  mas foram  as pedras da terra que a ergueram, carregadas nos ombros do seu povo, movidos pela fé; e foram as mãos de sr. Santos que talharam com  maestria: os confessionários, os genuflexórios, os bancos e a porta que se tornou permanente.

                                “Ergamos a casa de Deus e tudo crescerá em seu redor”, dizia D. Malan, quase profético. E foi o que aconteceu.

A matriz que fora elevada de capela, em 1862, tem a sua construção na tradicional herança portuguesa do século XIX, dedicada a Santa Maria Rainha dos Anjos, imagem secular originária da ilha da Madeira, doada pela freguesia de Santa Maria da Boa Vista, da qual fora desmembrada. Subtraída da cidade por seis longos anos, foi devolvida ao povo de Petrolina, em 1980. Estava eu naquela época na Casa Civil, do Governo Marco Maciel, quando também foi devolvida a imagem de N. Senhora do Carmo, padroeira do Recife, igualmente localizada. Inesquecíveis as palavras de D. Avelar, convidado para a festa da volta da imagem a esta cidade. 

“Tu chegaste, Senhora, com as vestes como que esfarrapadas porque o amor que te deram não era o amor de Petrolina. Tu chegaste faminta porque não havia ali o pão da fé que alimenta este povo”.

O novenário que antecedia à festa da Padroeira, de 6 a 15 de agosto, tinha cada noite dedicada a um grupo que enchia a cidade de fé e de festa.

E foi sob os auspícios da Igreja, pela percepção arrojada de D. Malan, que educandários de orientação católica foram criados: um masculino, em 1926, o Dom Bosco e o feminino, Colégio Maria Auxiliadora, de freiras italianas, que o Bispo conseguira trazer para a cidade. A boa educação da juventude, desde a década de 20, é outro notável aspecto desta terra, merecedor da referência pelos desdobramentos culturais que a diferenciavam das demais da Região. Para cá acorriam jovens de vários Estados, desde a vizinha Juazeiro da Bahia, a estudantes do Piauí, da Paraíba e por aí afora. Era o cosmopolitismo já se instalando pela educação.

Inúmeros sacerdotes notabilizaram-se como educadores, mas citarei apenas um, simbolizando a todos: Monsenhor Ângelo Sampaio, padrinho de João e seu incentivador para uma possível vida religiosa, mas faltou vocação ao afilhado.

A força cultural da cidade era visível, se imaginarmos que em 1915 foi fundado um jornal –  “O Pharol”, por  João Ferreira Gomes, ou “Seu Joãozinho do Farol”, como era mais conhecido, e que circulou durante 73 anos. É digno de um especial registro. Éramos assinantes e recebíamos regularmente o Farol, sabia-se das novidades, boas ou tristes. Creio que está a merecer um estudo das suas publicações de onde, certamente, se extrairá um repositório da vida social, cultural e econômica desta terra.

Ou, mesmo antes, em 21 de setembro de 1910, a criação da “Banda Filarmônica 21 de setembro”, que adotou como nome a data da instalação solene de Petrolina, –  21 de setembro de 1895, embora tenha se tornado o município autônomo desde 1893. A banda e seus sucessivos maestros faziam a alegria dos coretos, das festas, da cidade.

O laser existia, adequado ao tempo, eram os passeios nos paquetes pelo rio; as festas nos finos clubes sociais; o Cine Petrolina, de Afonso Cavalcanti; os circos que se instalavam na Praça 7 de setembro.

A Ponte rodo-ferroviária Presidente Dutra, ligando Petrolina a Juazeiro  veio em  1954, marco importante de inserção da cidade, posto que facilitaria não só a mobilidade das pessoas, mas o escoamento dos  produtos, antes na dependência do rio. Os trens da Leste Brasileira começaram a trafegar em maio de 1954, ligando Petrolina a Salvador, embora a inauguração oficial só tenha ocorrido vários anos depois. 

                              É de se lembrar: “que nos tempos de criança, esquisito era a carranca e o apito do trem. Mas achava lindo quando a ponte levantava, e o vapor passava num gostoso vai e vem”.

O comércio, divido entre as duas cidades, não retirava de Petrolina o oferecimento dos bens que a sua população precisava. Quantas histórias ouvi sobre a “Farmácia Cruz Vermelha”, de sr. Álvaro Rocha, a “Casa Modelo”, de Anísio Moura, a “Primavera” de sr. Zequinha, a “Principal”, dos irmãos Antonio e Abdizio Macedo; a Casa Comercial de João Barracão, na esquina da Av. Souza Filho;  a de Zé Moxotó, que tinha de tudo (Armazém enciclopédico); ou a do Dr. Chiquinho. Isto sem esquecer os grandes negócios do Coronel Clementino Coelho, Coronel Quelê, ou os armazéns de Algodão de Cícero Pombo, que trouxe o primeiro carro para Petrolina.

Havia também grandes médicos, como os irmãos Pacífico e Cícero Luz. O primeiro enveredou com sucesso na vida política, mas, como médico, conseguiu evitar o retorno das freiras italianas, assustadas com a morte de uma das irmãs de febre amarela, salvando assim a continuidade do educandário católico para  as moças da Região. Também é sempre referido, o devotado Manoel Possídio, irmão do meu cunhado  Possídio Coelho, este, exemplo de magistrado para quantos queiram seguir o sacerdócio da justiça.

A vinda da estrada asfaltada ligando definitivamente o Recife a Petrolina, graças à visão do grande homem público que foi Nilo Coelho, inaugurado o trecho da PE-82, Cabrobó Petrolina, em abril de 1970, foi mais um passo para dar a infraestrutura necessária ao desenvolvimento de projetos que aproveitassem o potencial da área. 

Os de irrigação trouxeram esta nova face que hoje vemos. Como se poderia admitir seca, ausência de produção, com terras potencialmente férteis à beira de um rio perene e caudaloso? Faltava vontade política de promover a transformação e esta soube muito bem  exercitar o Senador Nilo Coelho, merecedor de todas as reverências. 

Li, no jornal do sábado 22, um artigo sob o título “amarelo-manga”. Este é o nome de um filme, mas como disse o autor, empresário Ricardo Guerra, não era ao filme que ele iria se referir, mas ao milagre de Petrolina e da Região. As frutas que estão fazendo deste vale a diferença e a redenção. Concordo com o articulista, tenho certeza que muitas estão por vir. Este não será apenas o vale das uvas, dos melões, das mangas, dos vinhos. Mas o vale da esperança, da determinação, do futuro.

Senhor Prefeito,

Muito teria a dizer, e até peço desculpas porque me excedi no tempo e abusei da paciência de todos. Mesmo assim, certamente esqueci de mencionar pessoas e fatos não menos importantes. Perdoem-me as omissões, por involuntárias. Mas o que vale neste Vale, é que esta terra já não é mais a “Passagem do Juazeiro”, é própria, tornou-se grande e tem vocação para ser ainda maior. Agora nos cabe continuar a luta da canção dos remeiros que, com a nossa:

“ é o embate

dos que não perdem a fé

dos que têm esperança

dos que firmam os pés molhados nas coxias

de olhos voltados para a frente

[…]

a união nos fará fortes

no vislumbre de novos horizontes

que juntos buscaremos

rio acima

contra a correnteza

e a alma cheia de esperança”.

Muito obrigada a todos.


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