XV CONGRESSO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE MULHERES DE CARREIRA JURÍDICA – ABMCJ
TEMA GERAL:”O DIREITO SOB A ÓTICA SOCIAL DO FUTURO”
JOÃO PESSOA, 14 de novembro de 2003 – 8:30 hs.
TEMA: “A MULHER E O DIREITO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS”.
PALESTRANTE: MARGARIDA CANTARELLI
I – Cumprimentar a mesa e as participantes
Agradecer sensibilizada o convite/ parabenizar as organizadoras/
Importância do Congresso/ Certeza do êxito.
- Pertenço à ABMCJ há muitos anos: advogada, MP, profa., magistrada e tenho presente a causa da mulher, especialmente, da profissional do Direito.
II – Inicialmente é de se reconhecer a permanência (embora em menor grau) da discriminação em relação à mulher (ser mulher e ser canhota!):
- Trinômio: 1. o fato (existe); 2. os Instrumentos (legais e institucionais disponíveis) e 3. a nossa ação (possível e desejável – a aplicação da norma ao fato).
III – Procurei dentro do tema geral do Congresso um enfoque de acordo com a minha área de estudos – DI e DH (DIDH)– alguns dos aspectos relativos à mulher, num caráter informativo e também de reflexão;
– é de se dizer que a obrigação relativa aos DH é de âmbito interno dos Estados/ DI subsidiariamente.
IV – O DIDH – reconhecimento como ramo do Direito é RECENTE
- O DIP desde a sua formulação no século XVI e seguintes era visto como um Direito dos Estados (sociedade de Estados/ único sujeito do DIP);
- Está mudando a ótica em razão da transformação da sociedade internacional (novo conceito de soberania, novos entes/agentes, etc.)
V – DH: Declaração da Virgínia – 1776 (do bom povo)
Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, 1789;
- Liberdades/ secularização do poder – soberania popular – HOMEM
- Declaração de direitos da mulher, 1791 – Olympes de Gouges (vozes Condorcet)
- Evolução da participação da mulher na sociedade pelos séculos XIX e primeira metade do XX (liberdades e igualdade) – Revolução Industrial – 1a Guerra Mundial – sufragismo (participação no poder de decisão – poder político);
- Constitucionalismo (constitucionalização): absorção constitucional dos Direitos do Cidadão/ qualquer outro nome
- Artigo na Folha (Jornal de Resenhas), sábado 8/11/03 – Émilie, Émilie, a ambição feminina no século XVIII –Elizabeth Badinter – O Espírito não tem sexo – a história de duas mulheres ambiciosas na França do século XVIII(1. desejo veemente de alcançar aquilo que valoriza os bens materiais ou o amor próprio (poder, glória,riqueza, posição social,etc.); 2.desejo ardente de alcançar um objetivo de ordem superior; 3. aspiração) – Dicionário Francês: cobiça, avidez, desejo imoderado de honra e glória. – Émilie du Châtelet (Principia Mathematica- Teoria de Newton) que viveu (inteligente amante) com Voltaire (Elementos da Filosofia de Newton); Louise d’Épinay – amiga dos Enciclopedistas Diderot, enfrentou J.J. Rousseau, livro sobre educação, posições pioneiras.
VI – Mudanças de percepção após a 2a Guerra Mundial:
- DIP – transformações na sociedade internacional – novos sujeitos OI / indivíduos – valorização da PESSOA HUMANA;
- DH – confirmação das LIBERDADES políticas e CIVIS
- afirmação dos DIREITOS SOCIAIS (igualdade)
VII – Instrumentos jurídico-internacionais pós 2a Guerra Mundial: GERAIS a)
- Carta das Nações Unidas – 1945 “Nós, os povos das Nações Unidas, Resolvidos a preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra, que por duas vezes no espaço da nossa vida, trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade, e a reafirmar a fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor do ser humano, na igualdade de direitos dos homens e das mulheres, assim como das nações grande e pequenas, e…”
- “à proclamer à nouveau notre foi dans les droits fondamentaux de l’homme, dans la el la valeus de la personne humaine, dans l’égalité de droits des hommes et des femmes, ainse que des nations, grandes et petites”.
- “reafirmar la fe en los derechos fundamentales del hombre, en la dignidad y el valor de la persona humana, en la igualdad de derechos de hombres y mujeres y de las naciones grandes y pequeñas”
- “to reafirm faith in fundamental human rights, in the dignity and worth of the human person, in the equal rights of men and women and of the nations large and small, and”
b) Declaração Universal dos Direitos Humanos – 1948 DUD do Homem- Brasil
Art. 2o Todo homem tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza …
Declaração Universal dos Direitos do Homem – Portugal
Art.2o Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades proclamados na presente declaração, sem distinção alguma, nomeadamente de raça, cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião política…
c) Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos – 1966 – vigor no Brasil em 1992
Art. 2o – 1. Os Estados partes do presente Pacto comprometem-se a respeitar e a garantir a todos os indivíduos que se achem em seu território e que estejam sujeitos a sua jurisdição os direitos reconhecidos no presente Pacto, sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, situação econômica, nascimento ou qualquer outra condição.
Art23 – 2. Será reconhecido o direito do homem e da mulher de, em idade núbil, contrair casamento e constituir família.
3. Casamento algum será celebrado sem o consentimento livre e pleno dos futuros esposos.
4. Os Estados partes do presente Pacto deverão adotar medidas apropriadas para assegurar a igualdade de direitos e responsabilidades dos esposos quanto ao casamento, durante o mesmo e por ocasião de sua dissolução. Em caso de dissolução, deverão adotar-se disposições que assegurem a proteção necessária para os filhos.
Art.24 – 1. Toda criança terá direito, sem discriminação alguma por motivo de [raça], cor, sexo, língua, religião, origem nacional ou social situação econômica ou de nascimento, às medidas de proteção que a sua condição de menor requerer por parte da família, da sociedade e do Estado.
d) Proclamação de Teerã – 1968 (Proclamação pela Conferência Internacional de Direitos Humanos, em 13 de maio de 1968, em Teerã ( para examinar os progressos alcançados nos vinte anos desde a aprovação da DUDH:
“item 15: A discriminação de que continua sendo vítima a mulher em várias regiões do mundo deve ser eliminada. O fato de que a mulher não goza dos mesmos direitos que o homem é contrário à Carta das Nações Unidas e às disposições da DUDH. A aplicação cabal da Declaração sobre Eliminação da Discriminação contra a Mulher é uma necessidade para o progresso da humanidade”.
VIII – Instrumentos pós 2a Guerra: REGIONAIS GERAIS
- âmbito europeu – Convenção Européia, 1950.
art.14: Proibição de discriminação; “O gozo dos direitos e liberdades reconhecidos na presente Convenção deve ser assegurado sem quaisquer discriminações, tais como as fundadas no sexo, raça, cor, língua, religião, opiniões políticas ou outras, a origem nacional ou social, a pertença a uma minoria nacional, a riqueza, o nascimento ou qualquer outra situação.
- Carta dos Direitos Fundamentais da União Européia (dezembro de 2000 – Nice): Capítulo III – igualdade
- Art.21 Não discriminação
- 1. É proibida toda discriminação fundada notadamente sobre o sexo, a raça, a cor, a origem étnica ou social, as características genéticas, a língua, a religião…
Art.23 Igualdade entre homens e mulheres
A igualdade entre os homens e as mulheres deve ser assegurada em todos os domínios e compreende matéria de emprego, de trabalho e de remuneração.
O princípio da igualdade não impede a manutenção ou adoção de medidas previdentes de vantagens específicas em favor do sexo sub-representado.
- No âmbito continente americano: Pacto de San José, 1969 (Brasil 1992)
Art. 1. 1. Os Estados partes nesta Convenção comprometem-se a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qq outra condição social.
Art.17 proteção à família/ liberdade de casamento.
VII – Instrumentos pós 2a Guerra: ESPECÍFICOS (âmbito ONU ou Regionais)
Observações: Muitos Tratados versam sobre DH e, por óbvio, também dizem respeito à mulher enquanto meeira da humanidade, como por exemplo: Três grandes exemplos: Convenção eliminação da discriminação racial; convenção contra tortura; Convenção sobre os Direitos de criança.
É importante observar que o Brasil, especialmente na década de 90, ratificou inúmeras dessas Convenções, inclusive algumas já assinadas, outras ainda não, e aceitou em 1998 a jurisdição da Corte Interamericana de DH.
a) Convenção sobre a eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher – 1979 – Brasil 1984
“O principal documento internacional de proteção aos direitos da mulher hoje existente é a Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher, adotada pela AG da ONU em 1979. Tal Convenção foi incorporada ao ordenamento jurídico pátrio através de sua aprovação pelo Decreto Legislativo n. 93, de 14 de novembro de 1983 – HOJE COMPLETANDO 20 ANOS e promulgação pelo Decreto n. 89.406, de 1o de fevereiro de 1984. Como se percebe, percorreu todos os trâmites exigidos para que vincule o país signatário não só perante a comunidade internacional, como também internamente” (Proteção Internacional do Direito da mulher – Nádia Araújo, p .700).
- status de norma constitucional – art.5o § 2o CF ou norma infraconstitucional? Tratados internacionais de DH
- Convenção: Preâmbulo (p.210)
30 artigos, dispostos em 6 Partes
Art. 1o – conceito de discriminação contra a mulher
Art. 4o – admite a “ação afirmativa”, “discriminação positiva” ou “medidas compensatórias” – “medidas especiais de caráter temporário destinadas a acelerar a igualdade de fato entre o homem e a mulher”
( alguns pequenos exemplos – a Lei 9.504 de 30/9/1997 – reservou o mínimo de 30% vagas para candidatura de mulheres – lei das quotas; Lei 9.799 de 26.5.1999, dispõe sobre o acesso da mulher ao mercado de trabalho – parágrafo único do art.373 A da CLT permite a discriminação positiva).
– Que direitos mais reconhece? II Parte: – participação na vida política do país; emprego e remuneração; profissão; nacionalidade e representação do país; assuntos relativos ao casamento e às relações familiares; e muitos outros direitos políticos, civis, econômicos e sociais.
b) Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher – Convenção de Belém do Pará
- Sistema Regional especial de proteção aos direitos humanos. Aprovada na AG da OEA, 9/6/94 foi incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro com a promulgação pelo Decreto 1.973 de 1o /8/96.
- Preâmbulo – objetivo da Convenção, afirma: “a violência contra a mulher constitui uma violação dos direitos humanos e das liberdades fundamentais e limita total ou parcialmente à mulher o reconhecimento, gozo e exercício de tais direitos e liberdades… é uma ofensa à dignidade humana e uma manifestação das relações de poder historicamente desiguais entre mulheres e homens”
- Art.1o – definição de violência contra a mulher: “qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público como no privado”.
- Capítulo II – elenco de direitos protegidos (à vida, integridade física e moral; direito à liberdade e segurança pessoais; direito a não ser submetida a tortura; respeito à sua dignidade e que se proteja a sua família; direito a igual proteção da lei; direito a recurso simples e rápido perante tribunal competente; direito de livre associação.
- Organização Internacional do Trabalho (OIT) – em termos históricos, antes do chamado sistema internacional de proteção aos direitos humanos, desde 1919, já existia um órgão constituído para melhorar as condições de vida e de trabalho das pessoas, mediante os esforços conjuntos de governos, patrões e trabalhadores.
A Conferência Internacional do Trabalho, um fórum mundial sobre as questões sociais e laborais, já aprovou mais de 180 Convenções e 190 Recomendações: Convenção 29 sobre Trabalho Forçado, 1930; Conv. 87 sobre liberdade sindical, 1948; Convenção 98, sobre Direito de Sindicalização e de Negociação Coletiva, de 1949; Conv. 100, sobre Igualdade de Remuneração, de 1951; Convenção 111, sobre a discriminação (emprego e ocupação), 1958.
Há, contudo, várias Convenções que são específicas sobre a mulher: n. 103, proteção à maternidade, de 1919; n.89, trabalho noturno, de 1948; n.174, trabalho em tempo parcial, 1994; n. 177, trabalho em domicílio, de 1996, entre outras.
VIII – Conclusão:
Concluindo quero deixar bem claro que entendo que um dos pontos mais importantes para o futuro da humanidade, com desenvolvimento sustentável, democracia e paz, passa sem dúvida por um adequado reconhecimento da participação e da liderança política, econômica e social das mulheres. Esse é um aspecto crucial do desenvolvimento com liberdade.
Se nós estamos muito longe, longe ou perto de atingirmos esse patamar, só o tempo dirá. Da minha parte continuarei obstinadamente o caminho da afirmação feminina porque também eu, como aquela Maria de Milton Nascimento, continuo com a estranha mania de ter fé na vida.