ESCOLA DE ADVOCACIA DO RECIFE
SEMINÁRIO SOBRE: O NOVO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO
RECIFE, 11 DE MAIO DE 2001 – ÀS 14:00 HORAS
AUDITÓRIO DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO
MESA PRESIDIDA: JUIZ VIRGÍNIO CARNEIRO LEÃO
TEMA: O CAPÍTULO DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE
EXPOSITORA: PROFESSORA MARGARIDA CANTARELLI
Doutora em Direito, Professora de Direito Internacional da Faculdade de Direito da UFPE e UNICAP e Desembargadora Federal do TRF 5ªRegião.
Sr. Presidente da Mesa de Trabalhos, estimado Juiz Vírgínio Carneiro Leão, a quem dedico uma antiga amizade que remonta aos seus pais – Prof. Nilzardo Carneiro Leão e Rosa; caro amigo, colega de magistério e de tema, Silvio Neves Baptista, Srs. Organizadores e Coordenadores, prezados participantes deste Seminário,
Senhoras e Senhores,
Gostaria, inicialmente, de parabenizar e agradecer aos Organizadores pelo convite que me foi formulado para participar deste Seminário. Estive ontem na solenidade de abertura e pude avaliar a importância e a seriedade do Evento, o nível dos expositores, a atenção e o interesse dos participantes. Estou aqui com muita satisfação, embora não sem receio.
Preocupação decorrente da presença de tão ilustres e eméritos professores da área, além de ficar ao lado do meu amigo de infância e colega de magistério Silvio Neves Baptista – jurista – civilista emérito, advogado e professor, brilhante em todas as atividades a que se dedica.
Mas, animei-me, pelo desafio e importância que o tema desperta e por entender que enfoques oriundos de outros campos do Direito complementam-se pois, como muitos aqui sabem, sou da área do Direito Internacional. E como acredito que a interdisciplinaridade e as multivisões dos problemas ajudam a melhor compreende-los nos dias atuais, aqui estou no puro intuito de trocar idéias, de pensar juntamente como vocês alguns aspectos do nosso tema.
Foi extremamente feliz a idéia de trazer a debate o novo Código Civil, pela importância do que representa para o sistema jurídico de um país, por si mesmo, e por todas as correlações com os demais ramos do Direito. Aqui no Recife pouco tinha sido falado ante a importância de que se reveste. É preciso que todos estejamos atentos as suas inovações, modificações e revogações. Que todos nos preparemos para recebê-lo, propor aperfeiçoamentos e eventuais correções.
Também foi lembrado o tempo que a elaboração deste Código tem se estendido. Recordo-me, entre as minhas lembranças antigas, das verdadeiras peregrinações que fiz, na década de 70, por vários Estados do Brasil, com um grupo de advogadas militantes da nobre causa da situação jurídica da mulher, ante o novo Código Civil. As reivindicações que fazíamos e as conquistas que buscávamos estavam no campo da família, do casamento, do pátrio poder, da filiação,etc. Muitas foram conseguidas, não pelo Código que batalhávamos, este permaneceu hibernando até bem pouco, mas até por Convenções internacionais (por ex.: a Convenção para a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher – ratificada pelo Brasil e que entrou em vigor em pleno Governo João Figueiredo); outras vieram através de leis especiais (como a Lei do Divórcio), mas foram alcançadas, sobretudo, pela Constituição de 1988.
Por tantas razões, entendo que o Código Civil vem em boa hora, respeitando o que havia de bom no Código de 1916, mas também incorporando o novo, de acordo com a realidade do país.
O tema que coube a esta Mesa é o Capítulo dos Direitos da Personalidade, com sub-temas: vida privada, intimidade e honra.
De início, gostaria de dizer que é difícil fazer as subdivisões nos Direitos da Personalidade porque, com freqüência, um direito que diz respeito à integridade física, também tem correlação com a honra ou a intimidade. Apenas com essa observação preliminar, devo afirmar que considero como muito oportuno que o novo Código tenha introduzido esse capítulo, e faço uma segunda ressalva, de que contempla apenas alguns dos direitos da personalidade, pois sabemos que eles são bem mais numerosos do que comportam os dez artigos (do art.11 ao art.21) que lhes foram consagrados.
Mas, é necessário que comecemos do princípio: da personalidade para chegarmos aos direitos à personalidade. Como está no Código atual (no art. 2º – Todo homem é capaz de direitos e obrigações na vida civil).
No Projeto de Lei 634-D, de 1975, cuja publicação recebi e agradeço ao ilustre amigo e relator Deputado Ricardo Fiúza, aparece o artigo – numa versão, quase idêntica ao atual – “todo homem é capaz de direitos e obrigações na ordem civil”.
Ontem foi aqui falado, mas, convém frisar, que dentre as Emendas apresentadas, parece-me que a de n. 367, propõe a substituição da expressão “homem” , e oferece a seguinte redação: art. 1 º. Todo ser humano é capaz de direitos e obrigações na ordem civil”. Em vez da palavra homem, utilizaria a expressão: ser humano.
Nas Emendas que foram apresentadas no Senado, foi proposta uma nova alteração ao art. 1 º : TODA PESSOA é capaz de direitos e deveres na ordem civil. E, diz o art. 2 º : A personalidade civil DA PESSOA começa com o nascimento com vida…
Faço esta observação inicial, aparentemente supérflua, para explicar a este jovem auditório, que existe todo um movimento internacional no sentido de mudar a expressão Direitos do Homem , Direitos Humanos, Direitos do ser humano para Direitos da Pessoa. Assim, o novo Código Civil já viria com a terminologia que os referidos movimentos têm, internacionalmente, procurado usar. É evidente que as denominações anteriores expressavam a sociedade de cada época.
E por falar em internacional, quero também lembrar o que está consagrado no art. 6 º , da Declaração Universal dos Direitos do Homem, das Nações Unidas, de1948:
“Todos os indivíduos têm direito ao reconhecimento em todos os lugares da sua personalidade jurídica”.
Contestado o caráter obrigatório da Declaração Universal, por alguns dos Estados Membros da ONU, foi negociado o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, de 1966, que, no seu art. 16, mais ou menos repete o dispositivo, dizendo:
“Toda e qualquer pessoa tem direito ao reconhecimento, em qualquer lugar, da sua personalidade jurídica”.
Qual seria o sentido internacional de tal dispositivo? Dizer que o ser humano é uma pessoa e não uma coisa? Pode parecer óbvio nos dias atuais. Mas, vinha-se do final da Segunda Guerra Mundial, onde as atrocidades e os horrores, que não precisam mais ser descritos, foram praticados contra milhares de pessoas que perderam as condições mínimas reconhecidas aos seres humanos – em razão de deportações para campos de concentração, trabalhos forçados, experiências biológicas, e o extermínio. Além da existência e da persistência da escravidão entre larga faixa da população do mundo, presente em diversos Estados.
Como se não bastasse o dispositivo mencionado, a Declaração Universal de 1948, reforça-o com o art. 4 º:
“Ninguém será mantido em escravatura ou em servidão: a escravatura e o tráfego dos escravos, sob todas as formas, são proibidos”.
No Pacto Internacional de Direitos Civis, da ONU de 1966, aparece no art. 8 º, bem mais detalhado – a proibição da escravidão, o tráfico de escravos e uma melhor definição de trabalhos forçados.
Era preciso que se afirmasse, repito, o que pode hoje parecer óbvio – o ser humano não é coisa, mas é gente, é pessoa, e, por ser PESSOA tem direitos e obrigações. Entenda-se, que não se tem direito a ser PESSOA, SE É PESSOA, TEM-SE PERSONALIDADE e, em decorrência dessa realidade, é que são reconhecidos os direitos e obrigações.
A partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos, as Nações Unidas, através dos diversos organismos especializados e por sua Comissão de Direito Internacional, tem desenvolvido um grande esforço, não parando de promover Pactos e Convenções na área dos Direitos Humanos e do Direito Humanitário. Há compêndios – verdadeiro vade-mecum – contendo tais convenções. Reconhecemos, todavia, que ainda falta muito para atingir o razoavelmente desejado, e, sobretudo, que tais normas internacionais sejam efetivamente respeitadas por todos os Estados signatários dos tratados.
Gustavo Tepedino, no seu livro “Tema de Direito Civil”, no capítulo sobre “A Tutela da Personalidade no Ordenamento Civil-constitucional Brasileiro”, lembra muito bem, que “poucos temas jurídicos revelam maiores dificuldades conceituais quanto os direitos da personalidade. De um lado, os avanços da tecnologia e dos agrupamentos urbanos expõem a pessoa humana a novas situações que desafiam o ordenamento jurídico, reclamando disciplina; de outro lado, a doutrina parece buscar em paradigmas do passado as bases para as soluções das controvérsias que, geradas na sociedade contemporânea, não se ajustam aos modelos nos quais se pretende enquadrá-las.”
Portanto, compreende-se sob a denominação de direitos da personalidade, os direitos atinentes à tutela da pessoa humana, considerados essenciais à sua dignidade e integridade
O Código Civil Português, no art. 70 , que trago à guisa de exemplo, protege todos os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral através, nomeadamente, da cominação de responsabilidade civil e da concessão de providências cíveis adequadas às circunstâncias do caso e destinadas a evitar a consumação da ameaça ou a atenuar os efeitos da ofensa já cometidas.
Sobre o mencionado artigo, Capelo de Souza faz comentários perfeitamente cabíveis à nossa situação brasileira, quando diz: “esse tipo de tutela geral da personalidade, embora com características peculiares na nossa ordem jurídica (portuguesa), insere-se na longa e acidentada evolução das relações sociais, econômicas e jurídicas entre os homens e entre estes e os ditames da sociedade no seu conjunto, particularmente, no que respeita ao reconhecimento igualitário da personalidade e da capacidade jurídica de todos os homens, ao âmbito da permissibilidade jurídica das formas ou dos modos de expressão da personalidade humana individualizada e à adoção de mecanismos jurídicos-processuais garantidores dos direitos da personalidade. Evolução essa que não se encerrou, que se encontra numa fase de maturação e de transformação e que importa projetar no futuro, face, v. g., às conseqüências no plano jurídico da utilização pelas sociedades contemporâneas de sofisticada e ambivalente aparelhagem tecnológica, que cada vez mais planetariza a sociedade humana a nível quase de uma aldeia global e lhe introduz ritmos e rupturas diversas, questionando inclusivemente o perfil biológico do homem e a sua inserção ecológica. Por tudo isso a análise da dinâmica e do sentido de tal evolução, nomeadamente ao nível das instituições jurídicas, ajudar-nos-á a situar e a perspectivar melhor os problemas emergentes da tutela geral da personalidade no nosso actual ordenamento jurídico”.
Reconheçamos que a preocupação com a pessoa humana, como já me referi – e não vou fazer digressões pela história política nem das idéias, surgida com as declarações de direitos, se deu a partir da necessidade de proteger o cidadão contra o arbítrio do Estado totalitário; limitava-se, por isso mesmo, à tutela conferida pelo direito público à integridade física, e a outras garantias políticas. Não existia nas relações de direito privado um sistema mais aperfeiçoado ou detalhado de proteção fora dos limites dos tipos penais . Assim, a lesão à integridade das pessoas era matéria do direito público, que asseguraria, com o direito penal, a repressão aos delitos – contra a pessoas (vida, integridade física) contra a honra, contra os costumes, etc.
“Na medida em que a pessoa humana torna-se objeto de tutela também nas relações de direito de direito privado, com o estabelecimento de direitos subjetivos para a tutela de valores atinentes à personalidade, trataram os civilistas de definir a sua configuração dogmática […] cogita-se, nesta esteira, que tais direitos pertencem à categoria dos direitos privados, exatamente porque ‘a vida, a integridade física, a honra, a liberdade, satisfazem aspirações e necessidade própria do indivíduo em si mesmo considerado, e, inserem-se, portanto, na esfera da utilitas privada”.
Portanto, ao lado de tais direitos subjetivos privados, convivem os direitos subjetivos públicos, também chamados direitos civis (Direitos Humanos de 1ª Geração), os quais atentariam às aspirações do indivíduo em face do Estado, para protegê-lo das opressões oriundas da coletividade estatal.
Daí considerar-se que “os direitos humanos são, em princípio, os mesmos da personalidade; mas, deve-se entender que quando se fala dos direitos humanos (enquanto direitos civis – 1ª geração), referimo-nos aos direitos essenciais do indivíduo em relação ao direito público, quando desejamos protegê-los contra as arbitrariedades do Estado. Quando examinamos o direito da personalidade, sem dúvidas, nos encontramos diante dos mesmos direitos, porém sob o ângulo do direito privado, ou seja, relações entre particulares, devendo-se, pois, defendê-los frente aos atentados perpetrados por outras pessoas.
Assim, iremos encontrar sob a égide de direitos humanos, difundidos nos vários ramos do Direito, os direitos da personalidade dispersos. Pois nem pensem que eles se limitam aos dez artigos do novo Código Civil.
Na divisão do tema, que procuramos acertar entre nós, para evitar que nos repetíssemos perante o auditório, coube ao civilista, Professor Silvio Neves Baptista, falar sobre o conceito, os fundamentos, as características e a classificação dos direitos da personalidade, além de, mesmo que brevemente, referir-se a cada um dos inscritos no novo Codigo Civil. Por isso não vou reexaminar as mencionadas características, apenas citá-las para que vocês tenham presente a força que dota e reveste tais direitos: generalidade, extrapatrimonialidade, indisponibilidade, inatos, caráter absoluto, inalienabilidade, imprescritibilidade, impenhorabilidade, entre outros. Disse-lhes, também, que o Projeto do Código, no art. 11, refere-se à intransmissibilidade e a irrenunciabilidade e que o seu exercício não pode sofrer limitações voluntárias, salvo os casos que a lei assim o permita.
A meu sentir, embora o novo Projeto não traga todas as características desses direitos, nem por isso elas deixam de existir e continuam presentes porque são da essência do próprio direito que visam a proteger.
Da mesma forma, com relação à classificação, muitos foram os doutrinadores – grandes juristas, como Pontes de Miranda, Ferrara, Antonio Chaves, Limogi França, Orlando Gomes, que procuraram agrupa-los, procurando dar-lhes um cunho lógico, didático, torna-los mais compreensíveis, até porque, pela natureza desses direitos, eles se voltam para TODAS AS PESSOAS, e, por conseqüência, devem ser bem claros e conhecidos.
Dentre tantas classificações disponíveis, Tepedino, toma por empréstimo, a proposta por Orlando Gomes, distinguindo os Direitos da Personalidade em dois grandes grupos: os direitos à integridade física, nesse grupo compreendendo-se o direito à vida, o direito ao próprio corpo ( que se subdivide em direito ao corpo inteiro, direito a partes do corpo e o direito ao próprio cadáver).
O novo Código Civil destaca três artigos que tratam do direito à integridade física:
Art.13: Salvo exigência médica, os atos de disposição do próprio corpo são defesos quando importarem diminuição permanente de integridade física, ou contrariarem os bons costumes.
Parágrafo único: Admitir-se-ão, porém, tais atos para fins de transplante, na forma estabelecida em lei especial.
Art.14: É válida, como objetivo científico, ou altruístico, a disposição gratuita do próprio corpo, no todo ou em parte, para depois da morte.
Parágrafo único: o ato de disposição pode ser livremente revogado a qualquer tempo.
Art.15: Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos estabelece no art. 3 º : Toda indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.
A Constituição Federal, no art. 5º , “caput”, protege o direito à vida e, de modo indireto, à integridade física, quando afirma no art. 5º ,III, ninguém será submetida à tortura nem a tratamento desumano ou degradante.
Protege, também, quando o Código Penal pune como crime contra a pessoa, o homicídio, as lesões corporais, entre outros tipos penais que estão contidos em leis especiais.
Ou o comando do art. 199 § 4º , CF, quando estabelece: “a lei disporá sobre as condições e os requisitos que facilitem a remoção de órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e tratamento, bem como a coleta, processamento e transfusão de sangue e seus derivados, sendo vedado todo tipo de comercialização”.
No segundo grupo trata dos direitos à integridade moral, quais sejam, direito à honra, à liberdade, ao recato, à imagem, ao nome e direito moral do autor.
No novo Código os art. 16:Todas as pessoas têm direito ao nome, nele compreendido o prenome e o nome patronímico;
Art. 17: o nome da pessoa não pode ser empregado pôr outrem em publicações ou representações que a exponha ao desprezo público, ainda quando não haja intenção difamatória.
Art. 18: Sem autorização, não se pode usar o nome alheio, em propaganda comercial;
Art.19: O pseudônimo adotado para atividades lícitas goza da proteção que se dá ao nome;
Art.20 Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão de palavra, ou a publicação, exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se destinarem a fins comerciais. Parágrafo único: Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteçào o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes.
Art.21: A vida privada da pessoa física é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma.
A Constituição Federal contempla muitos desses direitos, direta ou indiretamente. É direta, quando diz no art. 5º, X: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”; ou no inciso XI: a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, pôr determinação judicial; ou, ainda, no inciso XII: é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações, salvo no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”.
Na Declaração de Direitos Humanos da ONU, o art.12, estabelece:
“Ninguém sofrerá intromissão arbitrária na sua vida privada, na sua família, no seu domicílio ou na sua correspondência, nem ataques à sua honra e reputação. Contra tais intromissões ou ataques toda a pessoa tem o direito a proteção da lei”
Sabemos que todos os direitos inscritos no novo Código, são da maior importância para a pessoa. Embora, alguns possam até parecer supérfluos nos dias de hoje, como – todo pessoa tem direito a um nome (prenome e patronímico).
Se eu disser a vocês, que aqui, a menos de duzentos metros de onde nos encontramos, existe uma Comunidade carente – antes conhecida como Favela do Rato, hoje, graças ao trabalho ali realizado, chama-se Comunidade N. S. do Pilar, e não foi só mudança de nome, mas decorreu de um esforço para o desenvolvimento da comunidade. Ali, quando implantamos o “Programa da Bolsa Escola”, exercia a minha anterior função de Secretária de Educação do Recife. A equipe encarregada de fazer o levantamento das crianças que poderiam vir a ser beneficiadas, por preencherem as clausulas do Programa, encontrou dezenas delas sem nome. Digo sem nome porque nem prenome tinham. A Escola as acolheu imediatamente, mas tivemos dificuldades para que elas pudessem receber os benefícios a que passaram a fazer jus, uma vez que as mães (quase todas só tinham mãe conhecida) embora fossem chamadas por um nome, também não tinham o Registro Civil. E sem documentos não poderiam identificar-se no estabelecimento bancário credenciado a fazer o pagamento e assim receberem a importância da bolsa. Mas, posso assegurar-lhes que este era um caso muito mais de natureza social e econômica, de pobreza absoluta, do que propriamente jurídico. Encontramos um bom final, com o apoio do Tribunal de Justiça do Estado, e hoje todos têm nome – prenome e patronímico.
Como já foi referido, os direitos da personalidade já vinham sendo, de um modo ou de outro, reconhecidos por outros mecanismos jurídicos. O que tem sido efetivamente ampliado é dar-lhes a tutela civil, aplicando-se medidas como, a recomposição da situação anterior, o ressarcimento ou a fixação de indenizações. A Constituição de 1988, como já citado e as convenções internacionais das quais o Brasil é signatário, vinham sendo as verdadeiras guardiães desses direitos.
Em quase todas as Sessões de Julgamento, da 1ª Turma deste Tribunal, que integro, decidimos sobre pedidos de indenização por danos materiais e/ou morais causados a particulares por medidas ou atitudes tomadas, abusiva ou erroneamente, por Órgãos Públicos Federais, inclusive impondo o restabelecimento de situações (como a determinação de exclusão do nome do autor dos órgãos de restrição ao crédito, por exemplo); determinando o estorno de importâncias indevidamente cobradas, ou fixando o pagamento de indenização (casos, por exemplo de cheques devolvidos quando havia provisão de fundos e que levaram o emitente a situações vexatórias, constrangedoras). As partes invocam como fundamento do pedido a própria Constituição Federal. Não quero dizer que todos os pedidos mereçam a guarida da Turma, há os que requerem sem que o seu direito tenha sido efetivamente violado pelo Órgão apontado com réu.
Nessas situações novas, relativas aos direitos da personalidade, o Judiciário terá um importante papel de aperfeiçoar os mecanismos de proteção, de criar e fixar jurisprudência , de procurar dar celeridade na solução dos casos, de tal sorte a tornar acessível a justiça ao cidadão comum.
Os desafios aparecem mais fortes nas situações que advêm do desenvolvimento científico e tecnológico. quando nos deparamos de um dia para outro com uma possibilidade científica que não tinha sido sequer imaginada. O mundo surpreendeu-se com o anúncio internacional – que o desenvolvimento nos meios de comunicações permite chegar imediatamente a todas as partes – da clonagem de uma ovelha – “Doly”. Daí, todos os desdobramentos bioéticos e biojurídicos (biodireito) que advieram estão bem longe de se ter uma resposta para as situações que venham a surgir. É preciso estudar, refletir, socorrer-se de outras ciências.
Assim, na impossibilidade de examinarmos cada um dos direitos da personalidade inseridos no novo Código – isso seria conversa para muitas outras oportunidades -, escolhi alguns casos referenciais, que, a meu sentir, têm relevante interesse, para uma reflexão e envolve, ao mesmo tempo, o direito à integridade física, o direito à intimidade, e alguns aspectos conexos:
Trata-se da obrigatoriedade ou não de ser um indivíduo submetido a teste de DNA, ou seja, a possibilidade de se exigir do réu, na ação de investigação de paternidade, que se submeta ao exame de DNA, mesmo contra a sua vontade.
Vê-se, com freqüência, pela mídia, pessoas famosas se submetendo a tais exames, alguns com resultados positivos, o caso Pelé e sua filha; outros têm resultados negativos, como o relativo a uma possível filha Ayrton Sena. Artistas, políticos, pessoas famosas ou pessoas comuns, poderão defrontarem-se como uma situação similar, vir a ser compelido a fazer o exame de DNA . O tema é relevante porque do outro lado da causa está a busca da identificação da verdadeira paternidade que também é um direito do pessoa, e está claramente expresso no Estatuto da Criança e do Adolescente.
É claro que a grande maioria dos casos é resolvida no âmbito da Justiça dos Estados, mas trouxe, à guisa de reflexão, dois julgamento, que foram submetidos ao Supremo Tribunal Federal: o Habeas Corpus – HC 71373-4-RS, julgado em 10 de novembro de 1994 (DJU 22.11.96, p.45.686) e o Habeas Corpus – HC 76060/SC, julgado em 31 de março de 1998 (DJ 15/05/1998).
No primeiro caso, tendo em vista decisão do Juiz monocrático do RS, que determinou a realização do exame, decisão confirmada pelo Tribunal de Justiça daquele Estado, O Supremo Tribunal Federal, por maioria, manifestou-se pela concessão da ordem, portanto, contrariamente à obrigatoriedade do exame contra vontade do réu.
O Relator para o Acórdão foi o Ministro Marco Aurélio , vencido o relator do Processo, Ministro Francisco Resek, cuja Ementa transcrevo:
“INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE – EXAME DNA – CONDUÇÃO DO RÉU “DEBAIXO DE VARA”. Discrepa, a mais não poder, de garantias constitucionais implícitas e explícitas – preservação da dignidade humana, da intimidade, da intangibilidade do corpo humano, do império da lei e da inexecução específica e direta de obrigação de fazer – provimento judicial que, em ação civil de investigação de paternidade, implique determinação no sentido de o réu ser conduzido ao laboratório, “debaixo de vara”, para a coleta do material indispensável à feitura do exame de DNA. A recusa resolve-se no plano jurídico-instrumental, consideradas a dogmática, a doutrina e a jurispridência, no que voltadas ao deslinde das questões ligadas à prova dos fatos”.
Ficaram vencidos os Ministros, Relator Francisco Resek, Ilmar Galvão, Carlos Velloso e Sepúlveda Pertence, vencedores, os Ministros Marco Aurélio, Moreira Alves, Néri da Silveira, Sydney Sanches e Celso de Mello.
Em que pese ter sido vencido, o voto do em. Ministro Francisco Resek, traz colocações que merecem reflexões sobre o confronto entre o direito à intimidade do investigado e o direito à filiação verdadeira do investigante. É de se destacar vários trechos do seu voto que contem uma exata visão jurídica, um especial sentimento humano e, pelo estilo, também, uma bela peça literária. Diz ele:
“Observo, de início, ser de inteira lógica, embora não cotidiano, que do foro cível promane constrangimento ilegal corrigível mediante habeas corpus. No caso em exame, cuida-se de saber se o investigado, na ação de verificação de paternidade, pode ser forçado, à vista de sua recusa, a se submeter a certa prova pericial, o exame hematológico. O tema ganha relevo seja por causa do advento, no campo da medicina legal, do exame de determinação de paternidade pelo método do DNA ( ácido desoxirribonucléico), seja à conta da crescente preocupação do legislador e dos tribunais com os direitos da criança e do adolescente.
[…]
O peso desse novo instrumento pericial revela-se em sua insignificante margem de erro, o que leva alguns especialistas a afirmar que os teste de paternidade pelo exame do DNA […] ostenta confiabilidade superior a 99,99%. A certeza científica proporcionada pela nova técnica oferece ao julgador um elemento sólido para a construção da verdade.
Do outro lado, observa-se uma superlativa atenção do legislador, a partir da Carta de 1988, para com os direitos da criança e do adolescente. As inovações constitucionais no capítulo da família, da criança, do adolescente e do idoso deram nova conformação ao direito da criança, de que é exemplo o artigo 227 da Carta Política. A legislação infraconstitucional tem acompanhado, por igual, os avanços verificados neste exato domínio. Assim, a Lei 8.069/90, que dispõe sobre o Estatuto de Criança e do Adolescente; a Lei 8.560/92, que regula a investigação de paternidade dos filhos havidos fora do casamento, entre outras.
O que temos agora em mesa é a questão de saber qual o direito que deve preponderar nas demandas de verificação de paternidade: o da criança à sua real (e não apenas presumida) identidade, ou o do indigitado pai à sua intangibilidade física.
[…]
É certo ainda, como ponderou o Ministério Público Federal, que a recusa do investigado implica descumprimento de um “dever processual de colaboração normativamente posto no artigo 339 do CPC, verbis:
Art.339: Ninguém se exime do dever de colaborar com o Poder Judiciário para o descumprimento da verdade”.
Sustenta, mais, o Subprocurador-Geral Cláudio Fonteles:
‘Nem se queira argumentar, em paralelo com o Direito Processual Penal que, neste, o direito de calar tem previsão constitucional (art.5º,LXIII), porque é repudiada a auto-incriminação cogente.
[…]
Se, todavia, o conflito põe-se entre o filho investigante e o pai investigado a que se estabeleça, ou não, o Vínculo Familiar – perspectiva típica do processo civil – ninguém pode furtar-se à colaboração na definição deste vínculo’.
Nesta trilha, vale destacar que o direito ao próprio corpo não é absoluto ou ilimitado. Por vezes a incolumidade corporal deve ceder espaço a um interesse preponderante, como no caso da vacinação, em nome da saúde pública. Na disciplina civil da família o corpo é, por vezes, objeto de direitos. Estou em que o princípio da intangibilidade do corpo humano, que protege um interesse privado, deve dar lugar ao direito à identidade, que salvaguarda, em última análise, um interesse também público.
[…]
A Lei 8.069/90 – Estatuto da Criança e do adolescente -, por seu turno, é categórica ao afirmar que:
‘Art.27. O reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de Justiça’.
[…]
Lembra o impetrante que não existe lei que o obrigue a realizar o exame. Haveria, assim, uma afronta ao artigo 5 º-II da CF. Chega a afirmar que sua recusa pode ser interpretada, conforme dispõe o artigo 343 § 2O do CPC, como uma confissão. Mas, não me parece, ante a ordem jurídica da República neste final de século, que isso frustre a legítima vontade do juízo de apurar a verdade real. A Lei 8.069/90 veda qualquer restrição ao reconhecimento do estado de filiação, e é certo que a recusa significará uma restrição a tal reconhecimento. O sacrifício imposto à integridade física do paciente é risível quando confrontado com o interesse do investigante, bem assim com a certeza que a prova pericial pode proporcionar a decisão do magistrado.
Em último dispositivo constitucional pertinente que o investigado diz ter sido objeto de afronta é o que tutela a intimidade, no inciso X do art. 5º . A propósito, observou o parecer do Ministério Público: ‘a afirmação, ou não, do vínculo familiar não se pode opor ao direito ao próprio recato. Assim, a dita intimidade de um não pode escudá-lo à pretensão do outro de tê-lo como gerado pelo primeiro’, e mais a Constituição impõe como dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança o direito à dignidade, ao respeito, além de colocá-lo a salvo de toda forma de negligência. Como bem ponderou o Parquet federal, no desfecho de sua manifestação, ‘não há forma mais grave de negligência para com uma pessoa do que deixar de assumir a responsabilidade de tê-la fecundado no ventre materno’.
Estas as circunstâncias, parece-me que o Tribunal a quo conduziu-se com acerto que não merece censura. Indefiro o pedido”.
Interessante notar que em 1998, o Ministro Sepúlveda Pertence, que havia acompanhado o Ministro Resek, inclusive como vencido no supra mencionado HC 71373-4/RS, também foi relator de um outro Habeas Corpus, de n º HC 76060/SC., versando igualmente sobre a obrigatoriedade do exame de DNA.
Este segundo caso tratava-se de uma situação atípica, pois um terceiro, que pretende ser considerado pai biológico de uma criança nascida na constância do casamento do paciente, quer obrigá-lo ao exame do DNA a fim de obter a prova de que o indigitado marido não seria o pai do seu filho presumido. Veja-se da Ementa do Acórdão:
“EMENTA: DNA: submissão compulsória ao fornecimento de sangue para a pesquisa do DNA: estado da questão no direito comparado: precedente do STF que libera do constrangimento o réu em ação de investigação de paternidade (HC 71.373) e o dissenso dos votos vencidos: deferimento, não obstante, do HC na espécie, em que se cuida de situação atípica na qual se pretende – de resto, apenas para obter prova de reforço – submeter ao exame do pai presumido, em processo que tem por objeto a pretensão de terceiro de ver-se declarado o pai biológico da criança nascida na constância do casamento do paciente: hipótese na qual, à luz do princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade, se impõe evitar a afronta à dignidade pessoal que, nas circunstâncias, a sua participação na perícia substantivaria”.
O Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, deferiu a ordem de modo a que o paciente não fosse constrangido ao exame de DNA. Mas, no seu voto, o em. Relator Sepúlveda Pertence, embora mantendo-se firme na opinião manifestada no voto do HC 71373-4/RS, observa a atipicidade deste caso, além de fazer um grande estudo de Direito Comparado.
Afirma o Relator, que é de reconhecer que, no campo da investigação da paternidade, nos ordenamentos europeus de maior trânsito entre nós – com a exceção da Alemanha – prevalece a tese que, no Tribunal reuniu a maioria. “A França, a Itália e a Espanha consideram que a recusa de submeter-se ao exame biológico não tem conseqüências senão na apreciação das provas pelo Juiz; ao passo que o direito inglês considera que a recusa a sujeitar-se à ordem judicial que ordena o exame corporal vale por obstruir a busca da prova e deve conduzir necessariamente à perda do processo”.
Continua o voto do Ministro Sepúlveda Pertence:
“A exceção mais notável na Europa ocidental é assim a Alemanha, onde vige, desde a reforma de 1938 a regra da submissão coativa das partes e das testemunhas à colheita do sangue, desde que essa medida seja necessária ao exame de filiação de uma criança.
“A inovação data do auge do nacional socialismo quando, por força da política racial do regime totalitário as pesquisas sobre as origens raciais e genéticas conheceram importância crescente[…]
O interessante, no entanto, segundo atesta jurista germânico, é que a regra da compulsoriedade do exame, não foi estigmatizada, no após-guerra, como vinculada ao pensamento nazista: ao contrário, subsistiu à democratização e até à reforma processual de 1950, justificada como decorrência do princípio inquisitório que domina, no direito alemão, os procedimentos relativos à filiação; finalmente, a legitimidade do sistema veio a reforçar-se com a afirmação pelo Tribunal Constitucional Federal, entre os direitos gerais da personalidade, do ‘direito ao conhecimento da origem genética”, do qual extraiu o imperativo constitucional da criação de uma ação autônoma declaratória da filiação genética, não sujeita à limitações da contestação da legitimidade presumida, contra o que não se pode antepor o direito à integridade corporal, em relação ao qual, já na década de 50, a Corte assentara que manifestamente não agride a colheita de uma pequena quantidade de sangue.
Similar, no ponto, ao direito alemão, é o direito norte-americano e o dos países nórdicos.
De minha parte (continua o Ministro Pertence), não obstante o respeito à maioria, formada no julgamento do HC 71.313 e o domínio do seu entendimento no direito comparado, ainda não me animo a abandonar a corrente minoritária no sentido – explícito no meu voto vencido – de que não se pode opor o mínimo ou – para usar da expressão do eminente Ministro Relator – o risível sacrifício à inviolabilidade corporal (decorrente da simples espetadela, a que alude o voto condutor do em. Ministro Marco Aurélio) – à eminência dos interesses constitucionalmente tutelados à investigação da própria paternidade.
Cuida-se aqui, como visto, de hipótese atípica, em que o processo tem por objeto a pretensão de um terceiro de ver-se declarado pai da criança gerada na constância do casamento do paciente, que assim tem por si a presunção legal da paternidade e contra quem por isso, se dirige a ação.
Não discuto aqui a questão civil da admissibilidade da demanda.
O que, entretanto, não parece resistir, que mais não seja, ao confronto do princípio da razoabilidade ou da proporcionalidade – de fundamental importância para o deslinde constitucional da colisão de direitos fundamentais – é que se pretenda constranger fisicamente o pai presumido ao fornecimento de uma prova de reforço contra a presunção de que é titular.
[…]
Com efeito. A revolução, na área da investigação da paternidade, da descoberta do código genético individual, em relação ao velho cotejo dos tipos sangüíneos dos envolvidos, está em que o resultado deste, se prestava apenas e eventualmente à exclusão da filiação questionada, ao passo que o DNA leva sabidamente a resultados positivos de índices probalísticos tendentes à certeza.
Segue-se daí a prescindibilidade, em regra, de ordenada coação do paciente ao exame hematológico, à busca de exclusão da sua paternidade presumida, quando a evidência positiva da alegada paternidade genética do autor da demanda pode ser investigada sem a participação do réu (é expressivo, aliás, que os autos já contenham laudo particular de análise do DNA do autor, do menor e de sua mãe.
Esse quadro, o primeiro e mais alto obstáculo constitucional à subjugação do paciente a tornar-se objeto da prova do DNA não é certamente a ofensa da colheita de material, minimamente invasiva, à sua integridade física, mas sim a afronta a sua dignidade pessoal, que, nas circunstâncias, a participação na perícia substantivaria.
Por tudo, defiro a ordem para vedar definitivamente a produção da prova questionada: é o meu voto”
Caso diferente: situação atípica:
Cuida-se de uma situação atípica na qual se pretende – de resto, apenas para obter prova de reforço – submeter a exame o pai presumido, em processo que tem por objeto a pretensão de terceiro de ver-se declarado o pai biológico de criança nascida na constância do casamento do paciente: hipótese na qual, à luz do princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade, se impõe evitar a afronta à dignidade pessoal que, nas circunstâncias, a sua participação na perícia substantivaria.
A beleza do Direito, e de modo especial dos Direitos da Personalidade está em que numa mesma hipótese jurídica, como a que acabamos de descrever, a incidência de circunstâncias particulares, personalíssimas podem levar a julgamentos diferentes, embora cada julgador mantenha a sua tese genérica.
Finalizando, quero, ainda, destacar que apesar de todos os esforços para tornar cada vez mais uma realidade esses direitos da personalidade, não podemos perder de vista que na democracia capitalista globalizada, muitas vezes mesmo os mais refinados instrumentos de proteção dos direitos humanos, restam de pouca serventia se as políticas públicas e atividade econômica privada escaparem dos mecanismos de controle jurídico, incrementando a exclusão social e o desrespeito à dignidade da pessoa humana. Na era dos contratos de massa, da sociedade tecnológica temos que repensar tais mecanismos para tornar eficazes e efetivos os direitos que acreditamos, respeitamos e procuramos concretizá-lo na medida que couber a cada um de nós.
Ao agradecer a atenção e a paciência que me dispensaram, gostaria de afirmar que: “A tutela da personalidade não pode se conter em setores estanques, de um lado os direitos humanos e do outro as chamadas situações jurídicas de direito privado. A pessoa, à luz do sistema constitucional, requer proteção integrada, que supere a dicotomia direito público e direito privado e atenda à cláusula geral fixada pelo texto maior, de promoção da dignidade humana”.
Recife, 11 de maio de 2001.
Palestra proferida pela Professora MARGARIDA CANTARELLI – Doutora em Direito, Professora de Direito Internacional da Faculdade de Direito da UFPE e UNICAP e Desembargadora Federal do TRF 5ªRegião.