Faculdade de Direito da UNIVERSO
Data: 20 de outubro de 2017 – 18,30
Auditório da Justiça Federal – 10º andar
Palavras de: Margarida Cantarelli
I – Cumprimentos e agradecimento pelo convite da UNIVERSO;
II – Tema da maior relevância – ontem, hoje e lamentavelmente, amanhã;
III – Os Refugiados sempre existiram ao longo da História da Humanidade – desde tempos imemoriais em razão da efervescência social e política – GUERRAS
IV – A diferença é que não havia a Tecnologia da Informação que nos permite tomar conhecimento de fatos em tempo real, em qualquer parte do mundo;
V – Eça de Queiroz, no final do século XIX, no livro Cartas Familiares e Bilhetes de Paris – texto “As catástrofes e as Leis da Emoção” – distância do fato, diminui a emoção!
VI – REGRA GERAL é que os indivíduos, os seres humanos, nasçam, vivam e morram no mesmo país ao qual se encontrem ligados pelo vínculo da nacionalidade e aí recebam a proteção dos Direitos Humanos Básicos;
EXCEÇÃO é a necessidade de deslocamento.
VII – Os deslocamentos são movimentos MIGRATÓRIOS de circulação de pessoas – pelas mais diferentes razões: políticas, religiosas, étnicas, culturais, econômicas, espírito de aventura, etc. Pode caracterizar-se pelo Direito como a liberdade de ir e vir de um local para outro.
Podem ser: internos – a maioria dos deslocamentos (dentro do mesmo país) ou externos (para fora do país);
Individuais ou massivos (deslocamento de grupos decorrente de uma mesma causa/razão);
Voluntários ou forçados (por expulsão ou por impossibilidade de permanecer no local em razão de riscos à vida e à liberdade)
VIII – Deslocamentos – ao longo da História são identificados incontáveis movimentos migratórios:
– na colonização: deslocamentos para povoar as colônias; atender uma necessidade – como mão de obra: tráfico de escravos; abolida a escravidão, a imigração para substituir a força do trabalho escravo: os italianos, alemães, japoneses e de outras nacionalidades (também a busca de melhores condições);
– ondas migratórias no tempo de um mesmo país para outro: no regime de Salazar em Portugal vieram professores por razões de divergência política; jovens para fugir do serviço militar na guerra da África; Revolução dos Cravos; crises econômicas de um lado e de outro;
– alguns outros movimentos de grandes deslocamentos: quando da independência da Índia e do Paquistão, houve um deslocamento de cerca de 20 milhões de pessoas entre os dois países – Indus que viviam no Paquistão e muçulmanos que viviam na Índia! Região do Tibet, quando invadido pela China!
– ondas migratórias internas (inter regional): nordestinos para sudeste; durante a construção de Brasília – os candangos; exploração de minas – Carajás; fixação de novas fronteira agrícolas, etc.
IX – Temas que eram do âmbito interno dos Estados, no século XX (talvez em decorrência das catástrofes humanas ocorridas durante as duas Guerras Mundiais) passaram a receber uma regulamentação internacional: os Direitos Humanos – O Direito Internacional dos Direitos Humanos. Numa correlação, o Direito de Asilo.
Exemplifiquemos:
Pós-revolução Russa (1917): 1,5 milhão pessoas deslocadas (partidários do czarismo ou contrários ao comunismo).
Pós-1ª Grande Guerra: no Leste Europeu e nos Bálcãs a criação de novas fronteiras pela dissolução do Império Otomano, resultou na fuga de 250.000 búlgaros da Grécia, Sérvia e Romênia; 50.000 gregos da Bulgária; 200.000 húngaros da Romênia; 20.000 sérvios da Hungria. A Polônia recebeu de volta 570.000 poloneses que estavam refugiados e mais de 1 milhão de alemãs foram obrigados a deixar áreas anexadas a outros países.
X- Foi deste quadro trágico que surgiu em 1922 a primeira Organização Internacional encarregada de dar assistência sistemática aos refugiados: o Alto Comissariado da Liga das Nações (organização antecessora da ONU) para Refugiados Russos e a partir de 1928 passou a atender também aos não russos: documentação, a repatriação, reassentamento, além de promover as atividades de assistência que necessitavam.
No período de entre guerras, cinco instrumentos internacionais foram preparados para regulamentar a recepção aos refugiados. SO QUE NENHUM DESSES INSTRUMENTOS GARANTIAM O DIREITO DE ASILO.
XI- Na 2ª Guerra Mundial o problema assumiu proporções imensas com o deslocamento de milhões de pessoas pelo mundo inteiro. Já em 1943 foi criada a “Administração de Socorro e Reabilitação”. Foi estabelecida a proteção internacional, definindo-se como refugiados: “todas as pessoas de qualquer procedência que, como resultado de acontecimentos na Europa, tiveram que abandonar seus países de residência por terem em perigo suas vidas ou liberdade, devido a sua raça, religião ou crenças políticas”.
XII – Depois da Guerra, já com a Organização das Nações Unidas criada, a Assembléia Geral em 1946, estabeleceu princípios para tratamento dos Refugiados e criou em 1947 a Organização Internacional de Refugiados (OIR). No mesmo ano, transformada no Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados – ACNUR e que ainda existe, inclusive com Agência no Brasil.
Em 1951, é aprovada a Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados – art. 1º – toda pessoa que, como resultado de acontecimentos ocorridos na Europa antes de 1º de janeiro de 1951… – a Convenção estava limitada no tempo e no espaço (reserva geográfica). Daí a necessidade de um novo acordo internacional para que a Convenção continuasse a ter aplicação – Protocolo sobre o Estatuto dos Refugiados de 1967.
XIII – Apesar dos tratados internacionais sobre refugiados, como todo o Direito Internacional dos Direitos Humanos: desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e os que vieram subsequentemente, persiste até os dias atuais um grande impasse jurídico: qual a natureza jurídica do Direito de Asilo? O Refugiado é um asilado! É um Direito do Estado? Ou é um Direito do Individuo? A DUDH – art.14, I, diz: Diante da perseguição, toda pessoa tem o direito de pedir asilo e se beneficiar do asilo em outro país. Mas em outros textos internacionais é reconhecido ao Estado (Convenção Caracas de 1954 o Estado tem o direito de conceder o asilo…. em razão de sua soberania só pode entrar e permanecer no território de um Estado quem tiver sido autorizado a tal). Os Estados se escudando na sua soberania para impedir ou limitar o numero de refugiados q. Os Estados se escudando na sua soberania para impedir ou limitar o numero de refugiados a receber. Angela Merkel abriu um pouco e quase foi derrotada politicamente.
Sempre defendi uma teoria diferente: nem é um direito do Estado, nem do individuo, mas UMA GARANTIA INTERNACIONAL INDIVIDUAL AO DIREITO À VIDA E À LIBERDADE -é uma espécie de HABEAS CORPUS INTERNACIONAL, utilizado numa sociedade não institucionalizada – salvo conduto! E por ser uma garantia, não deve haver o “refoulement” – a devolução ao local de proveniência, mas valendo-se dos mecanismos internacionais encontrar um outro local de asilo.
XIV -Google www.acnur.org.br
“Protegendo os refugiados no Brasil e no Mundo”
“Coletânea de Instrumentos de Proteção Nacional e Internacional de Refugiados e Apátridas”
Informa o ACNUR dados impressionantes: em razão de deslocamentos forçados há atualmente no mundo em torno de 65 milhões de pessoas que deixaram seu local de origem.
21 milhões cruzaram fronteiras de outros países;
10 milhões de pessoas são apátridas (pessoas sem vínculo com qualquer país).
Destrinchando:
16.121.427 – Refugiados
3.219.941 – solicitantes de refúgio
37.494.172 – DESLOCAMENTOS INTERNOS
7.077.198 – Apátridas e outros
Por região do mundo:
África – 20 milhões (República Centro-Africana; Libia; Mali; Nigéria; República Democrática do Congo;Sudão do Sul; Burundi; Ruanda) – “guerras esquecidas”!
Asia/Oceania – 9,7 milhões – Myammar (muçulmanos fugindo dos budistas); Paquistão
Europa – 9 milhões – Ucrânia
América Latina – 7,5 milhões – Cuba; Colômbia; Bolívia
América do Norte e Caribe – 852.326
XV – Grande catástrofe humanitária no Mediterrâneo, nos países da Europa: o fracasso da primavera árabe. Os meios de comunicação que mostram com mais facilidade um mundo melhor que possa oferecer condições econômicas -migrantes econômicos
XVI – No Brasil:População atual em torno de 203 milhões, cerca de 2 milhões estrangeiros.
Recebeu ondas migratórias ao longo de toda a nossa História;
Somos um povo acolhedor; embora haja algumas dificuldades com o idioma, questões culturais;
Atualmente (pós Constituição de 1988) o Brasil é signatário principais Tratados de Direitos Humanos, inclusive o Estatuto dos Refugiados de 1951; o Protocolo de 1967; a Declaração de Cartagena de Índias, de 1984; Cartagena + 30, em 2014; em setembro de 2016 a Declaração de Nova York (ONU).
A presença do ACNUR foi aceita no Brasil em 1982 (50 famílias de iranianos); como normas internas, em 1983, a Resolução nº 17 do Conselho Nacional de Imigração (não recebia como refugiados, mas como estrangeiros temporários – diversos paraguaios, chilenos, argentinos). Em 1989, veio o Decreto 98.602; em 1991 foi editada a Portaria Interministerial n. 394 que continha normas procedimentais para o pedido de refugio. O Brasil descartou a instalação de acampamentos para alojar refugiados. Em 1992 recebeu muitos refugiados de Angola, Zaire, Libéria e da ex-Iugoslávia. Se a situação estava juridicamente controlada, socialmente não. A Caritas Arquidiocesana efetuava o árduo trabalho de auxilio aos refugiados.
Até que veio a Lei 9474 de 22 de julho de 1997 que definiu mecanismos para a implementação do Estatuto dos Refugiados, considerada uma das leis mais modernas, abrangentes e generosas do mundo. A lei tem 49 artigos em oito títulos e cria o CONARE – Conselho Nacional para os Refugiados que é um órgão de deliberação coletiva, vinculado ao Ministério da Justiça e com representante de mais quatro Ministérios, órgãos públicos e representação de Organizações Não Governamentais.
No final de 2016 o Brasil tinha 9.552 refugiados de 82 nacionalidades, com um aumento de 12% relativamente ao ano anterior. Atualmente a situação tem se agravado em razão de 3 fluxos: Venezuela (a situação grave do país), representava 33% dos pedidos de asilo/refúgio e teve um aumento de 307%; Cuba, 13% (médicos); Haiti, 6 % (decorrente da presença das tropas brasileiras). Citaria, ainda, Angola com 13% dos pedidos (remanescente). Os demais num percentual pequeno Síria, Senegal, Nigéria, Congo, Paquistão, China, etc.
XVI – à guisa de conclusão, lembraria apenas, dentre os milhões e milhões de refugiados, 5 nomes que fizeram a diferença no mundo:
- Sigmund Freud – judeu que vivia na Áustria, 1938 refugiou-se na Inglaterra;
- Dalai Lama, após a invasão do Tibet pelos Chineses em 1959, ainda vive fora da sua terra;
- Maria vonTrapp , a “Noviça Rebelde” e toda a sua família fugiram da Áustria para os Estados Unidos quando da invasão alemã ao seu país;
- Albert Einstein deixou a Alemanha em 1933, refugiando-se nos Estados Unidos;
- Clarice Lispector, nascida na Ucrânia, veio bebe com sua família para o Brasil fugindo da perseguição aos judeus durante a guerra civil na Rússia e morou no Recife, na Praça Maciel Pinheiro, por vários anos.
Assim, meus caros estudantes, professores e amigos, entre as dores do mundo caminha a humanidade.