INSTITUTO ARQUEOLÓGICO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO PERNAMBUCANO – IAHGP
Sessão Magna Comemorativa dos 154 anos de sua fundação
Data: 28 de janeiro de 2016, às 20 horas.
Palavras de: Margarida Cantarelli
Senhor Presidente,
É com grande satisfação que venho ao IAHGP para participar desta Sessão Solene comemorativa dos 154 anos de sua fundação, de modo especial por ser o primeiro ato que compareço na condição de Presidente da Academia Pernambucana de Letras, coirmã desta Casa.
Os meus cumprimentos iniciais aos novos confrades, sejam bem-vindos! Dentre eles, muitos são da minha grande estima – e já na segunda geração de amizade, como Aloisio Xavier (filho dos queridos e saudosos amigos Dr. Aloisio e D. Eunice) e Roberto Chacon (filho do meu estimado e admirado Professor Vamireh Chacon); meu abraço especial ao colega de magistratura federal, José Fernandes de Lemos. Saúdo com grande alegria Climério Moreira da Rocha, Wilton de Souza, Arison Soares e Levy Pereira.
Esta celebração representa também a abertura do ano que antecede ao Bicentenário da Revolução de 1817, aliás, comemoração que merece destaque pela relevância do fato histórico para o nosso Estado e para o Brasil.
Todos sabem do meu interesse pela Revolução de 1817, primeiro pela importância do movimento em si e isto já seria o bastante. Mas há um lado pessoal, quase afetivo, pois sou tetraneta do Padre Roma e desde criança ouvia a História contada pelo lado da família. Os meus avós paternos eram primos legítimos, assim o meu avô Virgílio Roma era filho de Maria Leopoldina, neta do Padre Roma e minha avó Clarice, era filha de João Ignácio Ribeiro Roma, irmão de Maria Leopoldina, também neto do Padre!
A Revolução de 1817 tem sido estudada enquanto fato histórico por muitos desta Casa, inclusive pelo seu 1º Presidente, Monsenhor Muniz Tavares, posteriormente recebendo preciosos comentários de Oliveira Lima. Mas recentemente, tem servido de inspiração a excelentes romances históricos, como os de Cristina Cavalcanti.
Oliveira Lima, no Proêmio da obra “Revolução de Pernambuco de 1817”, de Muniz Tavares, inicia afirmando enfaticamente, o que todos nesta Casa repetimos: “ a única revolução brasileira digna deste nome e credora de entusiasmo pela feição idealista que a distinguiu … foi um movimento a um tempo demolidor e construtor, como nenhum outro entre nós, e como nenhuma outra, em grau superior, na América Espanhola… pois com a Revolução de 1817 foi que a nação verdadeiramente aprendeu a combater e a morrer pela liberdade”.
Desta breve, porém, riquíssima citação, pincei um trecho: movimento a um tempo demolidor e construtor. Sim, construtor, e por isso tomei um ângulo construtor e inovador dentro do movimento e que tem merecido menor destaque. Evidentemente compreensível por se tratar de um tema técnico, mas de tamanha relevância que não tenho dúvida em afirmar que é um marco também na história jurídica deste país – A Lei Orgânica da República de Pernambuco, de 28 de março de 1817, que chamo sem receio, apesar do seu caráter de provisório, de – Constituição da República de Pernambuco.
A Revolução de 1817 traz no seu âmago o mesmo espírito iluminista e liberal do final do século XVIII marcante em duas outras Revoluções anteriores: a da Independência Americana e a Revolução Francesa. Ambas apresentando Declarações de Direitos, que embora textos internos, mas pela relevância do seu conteúdo deram-lhes transcendência espacial, tornando-as legados ao mundo! A mais difundida e, portanto, tomada como referência – a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão é considerada como um marco dos Direitos Humanos, especificamente das liberdades. E nesta Declaração o seu artigo 16, reza: “Toda sociedade em que não está assegurada a garantia dos direitos nem determinada a separação dos poderes não tem Constituição”.
Esta é a síntese do constitucionalismo de então que é uma nascente do constitucionalismo moderno. O Estado, através da sua Constituição, que por sua vez é fundada na soberania popular, como origem do Poder, deve garantir os direitos dos cidadãos e estruturar-se na forma tripartite do Poder.
Trazendo esses elementos do constitucionalismo moderno para o texto de 1817, vamos encontrar: a soberania popular, os direitos (as liberdades) assegurados e o poder tripartido.
A soberania popular aparece no Preâmbulo: “O Governo Provisório da República de Pernambuco, revestido da Soberania pelo Povo, em quem ela só reside, desejando corresponder à confiança do dito Povo….” . E, ainda, dentro das provisoriedade, está determinada no art. 1º e com muito mais profundidade no art.28 (“O presente Governo e suas formas durarão somente enquanto se não ultimar a Constituição do Estado. E como pode suceder, o que não é de se esperar, e Deus não permita que o Governo para conservar o poder de que se acha apossado frustre a justa expectação do povo, não se achando convocada a Assembleia Constituinte dentro de um ano da data deste ou não se achando concluída a Constituição no espaço de três anos, fica cessado de fato o dito Governo, e entra o Povo no exercício da Soberania para o delegar a quem melhor cumpra os fins da sua delegação”).
Assim, não há dúvida que a soberania popular é a base e o sustentáculo da nova República, da República de Pernambuco.
E, como estão no texto de 1817 assegurados os Direitos: (liberdades) dos cidadãos? Diferentemente das duas Revoluções citadas (Americana e Francesa) que fizeram Declarações específicas, aparecem tais Direitos inseridos no próprio texto constitucional. A Liberdade de Religião – que era um aspecto importantíssimo naquela época, que está bem clara na Seção 16 da Declaração da Virgínia (….ler), . Todavia, reconheço, que não é melhor dita do que foi tratada na nossa Constituição. Assim, a Liberdade de Religião, como uma forma de liberdade de consciência, acrescida de uma forte tolerância religiosa estão previstas nos artigos 23 e 24 (… ler). A tolerância religiosa é um marco que distingue a nossa Constituição dos demais textos.
É interessante observar que admitia que houvesse a ereção de espaços para outros cultos, nos quais não poderão ter sinos. As torres sineiras tinham maior importância naquela época. O sino da Igreja que anunciava as horas, a morte de pessoas (Por quem os sinos dobram), momentos de alegria, e chamava para os atos católicos – Missas e outros. Os sinos davam uma preeminência às Igrejas católicas por tantos outros papéis que desempenhava na sociedade.
A liberdade de consciência, embora embutida no art.23, está muito clara: “É proibido a todos os patriotas o inquietar e perseguir alguém por motivos de consciência”.
A liberdade de imprensa está prevista no art.25, implicitamente admitindo, por anterior, a liberdade de manifestação do pensamento.
O artigo 26, ao permitir que os Europeus entre nós naturalizados (primordialmente os portugueses) que derem provas de adesão ao Partido da Regeneração e Liberdade, são nossos Patriotas, poderão ocupar cargos para os quais estejam habilitados e forem capazes. Assim dá mais uma forma de uma igualdade, até de oportunidades.
E vai além, no art.27, ao permitir que estrangeiros possam ser naturalizados pelo Governo e passem à igualdade como os demais.
Outros princípios – intrinsecamente éticos (como direitos ou garantias) podem ser extraídos da própria organização e estrutura do novo Estado, na forma de República, o que hoje chamam alguns estudiosos da teoria dos Direitos Fundamentais de Direitos Humanos atípicos.
Saliente-se que a Constituição da República de Pernambuco já guardava a tripartição do Poder: a Legislatura, o Poder Executivo e o Poder Judiciário.
É fato que os Poderes não eram gavetas estanques, nem nunca foram, mesmo na sua concepção teoricamente mais pura da tripartição. Nem jamais o serão! Harmônicos, sim. E como dizia Marco Maciel (teórico e prático da Política, com P maiúsculo e exemplo de ética que tanta falta faz ao país), devem ser equipotentes. E, completo, a equipotência produz o equilíbrio e conduz mais facilmente à desejada harmonia. A hipertrofia de qualquer dos Poderes compromete a estabilidade do próprio Estado.
Quando o art.2º trata da Legislatura estabelece um Conselho Permanente (talvez inspirado no Diretório Frances de 1795!) composto de 6 membros: 5 escolhidos pelas Câmaras, exceto o Corregedor, dentre os Patriotas de mais probidade e luzes em matéria de administração pública e que não sejam parentes entre si até o 2º grau canônico (linha vertical: pai e filho; na linha colateral – irmão).
A Legislatura é mais ampla do que hoje entendemos por Legislativo, porque além dos 6 membros do Conselho, também faziam parte os Secretários do Governo, o Inspetor do Erário e o Bispo de Pernambuco, na sua falta do Deão (art.7º).
Há muitos aspectos interessantes no funcionamento da Legislatura, mas só me referirei a alguns:
- As sessões da Legislatura continuarão todos os dias a exceção dos consagrados ao Culto Divino, começarão às seis horas da tarde e durarão todo o tempo que a discussão e conclusão dos negócios propostos o exigir (art.4º);
- A presidência das sessões será exercida pelos cinco membros do Conselho, um a cada semana – rodízio semanal! (art.4º);
- Guardar-se-á o mais inviolável silêncio, estando todos atentos ao que se propõe e opina, não interrompendo uns aos outros, mas opondo-se mal findar algum de falar as objeções que se tiver contra as opiniões emitidas (art.4º);
- Os projetos de Lei, depois de propostos ficarão sobre a mesa por seis dias, para dar tempo a que os membros o meditem e se aprontem para a discussão (art.5º);
- Cada Membros opinará com plena liberdade e igualdade, e pela opinião que emitir em Conselho ninguém será increpado (repreendido asperamente, censurado, acusado) e menos perseguido; (liberdade de expressão no processo legislativo – imunidade parlamentar);
- O sigilo: art.10 – parecendo ao Governo ouvir o Conselho sobre medidas que deva tomar na parte executiva, convocá-lo-á, e as sessões se farão fora do alcance dos ouvidos dos curiosos para não abortarem negócios que dependam de segredo.
Para o Poder Executivo, foram criadas duas Secretarias: uma para os Negócios do Interior, Graça, Política, Justiça e Cultos e a segundo para os negócios da Guerra, Fazenda, Marinha e negócios Estrangeiros, cada uma com sua estrutura e funcionários.
Ainda, dentro do Executivo, foi criado o Inspetor do Erário (art.12) – para a boa administração, arrecadação e contabilidade das rendas públicas, com certa autonomia (para usarmos uma expressão atual) só dependendo do Governo de quem recebe ordens pela Secretaria da Fazenda. E o artigo vai mais longo quando determina que a receita e a despesa das rendas sejam publicadas a cada ano por via da imprensa (Princípio da publicidade e da transparência!).
O Poder Judiciário (art.13) – Para a administração da Justiça foi estabelecido o duplo grau de jurisdição. No primeiro grau, fica a cargo de dois juízes ordinários, eleitos em cada Cidade e Vila, pelo povo do seu distrito, na forma estabelecida. A um deles pertencerá o expediente criminal e de Polícia ao outro as contendas cíveis, o bom regime dos órfãos e enjeitados. Não terão salário algum do Público, nem coisa alguma das partes pelo desempenho das suas funções, contentando-se com o respeito que lhes resulta do exercício dos seus cargos.
A 2ª Instância será exercida, na capital do Governo por um Colégio Supremo de Justiça, composto por cinco membros – escolhido entre literatos de bons costumes, prudentes e zelosos do bem público, para decidir em última instância sobre as causas cíveis e criminais. Estes, serão pagos pelo Erário e ficam proibidos de receber salários ou qualquer remuneração outra das partes requerentes para evitar concussões!
Ainda, com relação ao Judiciário, estavam previstas as correições, o planejamento, a inamovibilidade dos juízes, o princípio da recepção das leis, entre outras.
A Constituição da República de Pernambuco deixou de lado alguns temas relevantes, por exemplo, a escravidão versus o abolicionismo. Todavia temos que constatar que não poderia ter ido mais avante se a olharmos com as lentes do início do século XIX.
Dentre tantos exemplos de pioneirismo que Pernambuco tem dado à História, ajunte-se mais um o da Revolução que recebeu o batismo de uma Constituição.
Obrigada!